CARATINGA – A Rádio Caratinga é algo que mexe com a memória afetiva dos, digamos, mais velhos que moram na Cidade das Palmeiras e região. No dia 1º de novembro deste ano, o DIÁRIO publicou a matéria “Jota Baranda, o homem que fez história no futebol caratinguense”. A repercussão positiva foi enorme. Esses mesmos leitores pediram que procurássemos outros nomes da Rádio Caratinga e que fizéssemos entrevistas. Dentre os mais citados, está Walter Nunes, que apresentou vários programas e ficou conhecido por seu carisma e pela forma descontraída com que falava aos ouvintes.
E assim fizemos, procuramos Walter Nunes, 75 anos, que recebeu muito bem a equipe do DIÁRIO. Simpático e vestindo uma camiseta branca e calção do Vasco da Gama, inicialmente sugeriu que a entrevista fosse feita na sala de seu apartamento. Mas como se recupera de um AVC (acidente vascular cerebral), disse que seria mais fácil se a entrevista fosse feita em seu quarto, pois lá está o seu ‘trono’. Então, se dirigiu ao quarto e sentou-se em sua poltrona.
A poltrona fica perto da sacada do apartamento e ao lado da poltrona está uma pequena mesa. Em cima dessa mesa estão os remédios que usa e o livro “Novas Utopias”, coleção de 52 textos de Dom Helder Câmara ditados pela psicografia de Carlos Pereira.
E parece que o tema mexe com Walter Nunes, durante a entrevista, duas vezes ele disse brincando: “quando eu era vivo”. Pelo jeito, o radialista se recorda de seus áureos tempos no rádio como se fosse uma vida passada. Walter Nunes sabe que marcou história em Caratinga. Agora ele quer seu merecido descanso e poder curtir família e amigos.
O INÍCIO
Em 1965, Walter Nunes trabalhava como sapateiro. Mas gostava muito de ouvir a Rádio Caratinga, que ficava na região da Praça Dom Pedro II, próxima de onde é o edifício Maria Lina. “Na época eu tinha uns 25 anos e ficava ‘rodeando’ a Rádio o dia todo. Tinha uns amigos que lá trabalhavam. Às vezes eles me davam uma ‘colher de chá’ e eu falava um pouquinho. E assim eu comecei”, recorda.
Atenta ao carisma de Walter Nunes, a direção da Rádio Caratinga logo lhe ofereceu um programa. E assim Walter Nunes passou a apresentar o Correio Musical, onde os ouvintes enviaram cartas pedindo que suas músicas prediletas fossem tocadas. “Naquela época a televisão não tinha a força que tem hoje. O veículo forte na comunicação era o rádio. Então entrei para esse meio já no final da chamada ‘Era de Ouro do Rádio’, tendo as rádio Globo e Nacional como as mais evidentes”.
Depois de um encontro com Roberto Carlos, o programa de Walter Nunes tomou outro rumo e passou a ser direcionado a outro público. “Ele ainda não era chamado de ‘rei’ (risos) e sua carreira estava praticamente começando. Roberto Carlos foi ao meu programa. Passadas duas semanas, recebi uma carta dele agradecendo por ter sido entrevistado no Correio Musical. E como ‘é uma brasa, mora’ era uma gíria da época, o Roberto Carlos falou que meu programa era uma brasa. Então mudei o nome e o programa passou a se chamar ‘Brasa da Tarde’”, explica. “Rapaz, eu não dei muita bola na época, mas deveria ter guardado aquela carta que o Roberto Carlos me mandou”, complementa sorrindo.
DOMINGO SHOW/RANCHO ALEGRE
Com o potencial demonstrado, a direção da Rádio Caratinga logo concedeu a Walter Nunes mais um programa e ele passou apresentar o ‘Domingo Show’. “Eram duas horas de programa. Foi um sucesso absoluto e passamos a fazê-lo no formato de auditório, daí mudamos o nome para ‘Rancho Alegre’”.
Walter Nunes conta que ‘Rancho Alegre’ fez muito sucesso e com posse do prefeito Anselmo Bonifácio, o ‘Fabinho’, em 1983, o programa tomou outra dimensão. “Ele (Fabinho) gostava muito do meu programa. Então a prefeitura patrocinava e eu fazia o programa por todo o município de Caratinga”.
QUANDO O GALO CANTA
Depois Walter Nunes passa apresentar nas madrugadas o programa ‘Quando o Galo Canta’, outro líder de audiência. Nesse programa, ele pôde mostrar mais uma vez o seu lado irreverente. “Quando iniciei no rádio, os locutores mostravam austeridade. O ouvinte pensava que eles apresentavam o programa usando terno e gravata. E a Rádio Caratinga gostava desse padrão. Mas um dia eu mandei tudo pra PQP e comecei a brincar. Corta isso aí (risos). Passei a levar o programa de uma forma descontraída. A direção não falou nada. Eu sei que o Eurico Gade (diretor da Rádio Caratinga) quis falar alguma coisa, mas como o programa tava tendo repercussão e as pessoas estavam gostando, ele ficou meio sem jeito e deixou pra lá”.
E as brincadeiras se seguiram, mas Walter Nunes reforça nunca gostou de falar palavrão diante do microfone. “De jeito nenhum; tinha o maior cuidado e o maior respeito ao ouvinte”.
Walter ainda tinha o hábito de pedir aos ouvintes para que quando chegassem a determinado estabelecimento comercial, era só dizer que ouvia ‘Quando o Galo Canta’ que teriam descontos. “Os comerciantes ficavam doidos comigo. Inventei isso de brincadeira. Nunca deram descontos (risos)”.
O apresentador disse que nunca copiou nenhum locutor, mas não esconde os elogios a Zé Béttio (radialista, cantor, sanfoneiro e compositor que trabalhou nas rádios Record, Capital e Gazeta). “Zé Béttio era muito engraçado. Gostava muito de seu programa. Ele fazia brincadeira de modo inofensivo e foi nisso que me espelhei”.
Walter Nunes fez escola e influenciou outros locutores com seu estilo. “Digo que não faltavam imitadores. Em várias estações de rádio tinham programas iguais ao meu. Eu saia à rua e as pessoas olhavam pra mim e começavam a rir. Acabei me tornando uma pessoa cômica”.
Outro truque de Walter Nunes era colocar nomes da política ou da sociedade caratinguense em situações inusitadas, como, por exemplo, falar que determinado advogado ou médico estava dando volta em uma égua. Outra sua criação foi o Bailão, onde imaginava um baile com figuras ilustres de Caratinga. “As pessoas gostavam e ficavam imaginando o que eu falava. Eu deixava a sanfona ‘comendo bronca’ e narrava o baile. Quando eu era vivo, eu fazia muita palhaçada (risos)”.
POPULARIDADE
E todo esse carisma, trouxe muita popularidade e ele passou a ser chamado de ‘Walter Show Nunes’. “Realmente, tive muito sucesso, mas nunca tive a ambição de deixar Caratinga. Nasci em Ubaporanga e preferi ficar por aqui mesmo. E também não tinha um grande mercado. Talvez se tivesse saído poderia ter chegado a uma rádio da capital ou até mesmo à televisão”.
Mas Walter Nunes não reclama de sua escolha. “Praticamente vivi de rádio. Não fiquei rico, continuo na m.. até hoje (coloca um ‘pim’ aí, brinca novamente). Mas deixa eu me expressar da forma correta, continuo pobre até hoje. Mas sou grato ao rádio, pois consegui casa e carro graças a ele. A gente brinca, mas deu um bom dinheiro sim. Certa vez até ganhei como melhor vendedor da Rádio Caratinga. A gente vendia os anúncios e recebia a nossa comissão. Digo que até hoje recebo, estou aposentado, mas o meu programa está gravado. Então não tenho do que reclamar”.
Ele sente saudades dos tempos de rádio, mas tem a consciência de que a idade chega para todos. “Depois que eu morri (muitos risos) eu deixei o rádio. Sei que foi uma etapa da minha vida que acabou. Até os sessenta e tantos anos trabalhei no rádio. Mas chega um momento que não dá mais e para mim chegou este momento”, conclui Walter ‘Show’ Nunes.
Um comentário
Maria Helena
Muito boa matéria. É muito bom saber que pessoas como o Sr Walter, que conheci no colégio estadual e depois nos programas da Rádio Caratinga, estão sendo lembradas por vocês.
Lembro de muitos programas da Rádio, mas como meu pai jogava bola, tive muito contato com o Coronel Chiquinho, o Sr Nailton Gomes, o Sr Nelson Sousa e o Sr Fernando França.
infelizmente eles não estão mais aqui entre nós, com exceção do Sr Nelson.
Espero um dia poder vê-lo também nas páginas desse diário de nossa cidade, pois como dizia meu pai: “o futebol sem o Sr Nelson Souza é uma coisa sem alma.” E eu, enquanto profissional de educação física, tenho que concordar com o meu pai, pis trabalhei com o Sr Nelson no Projeto PÉ NA BOLA, CABEÇA NA ESCOLA, no ginásio do Limoeiro, durante o governo do Sr Dário.