Tivemos notícia há pouco tempo que algumas multas relativas a transgressões no trânsito aumentaram mais de 10 vezes; a ultrapassagem em local proibido foi para mais de 1.900,00 reais. É verdade que esse valor não paga uma vida humana perdida estupidamente por um motorista mais afoito, querendo tomar “atalhos” para chegar a seu destino, arriscando-se ou arriscando a outros, possibilitando um encurtamento abrupto em nossa estadia neste cada vez mais pequeno planeta. Além disso, há o aumento do número de pontos perdidos, inclusive a cassação imediata da habilitação. Em princípio nada mais justo. Mas há certa dose de injustiça na aplicação dessa justiça, mesmo sendo verdade que na maior parte dos acidentes, há uma causa humana causadora. Também é verdade que o Brasil é o campeão em tragédias e mortes devido a acidentes em rodovias e no trânsito em geral, com números superiores de fatalidades anuais do que os mortos e feridos em muitas guerras, algumas ainda em curso. E Minas Gerais está quase sempre em primeiro lugar nas estatísticas nacionais. Convém lembrar que a lei diz que todos são iguais perante a lei, o que o povo sabe não ser verdade, vide o fato envolvendo autoridade pega em situação totalmente irregular, quando acabou sobrando uma multa para o aplicador da lei, no caso uma agente de trânsito. En passant, gostaria que pensassem no significado de uma multa de mil reais, aplicada para uma pessoa que ganhe 2 a 3 salários mínimos, e para um empresário ou mesmo alto funcionário público, que ganhe 20, 30 mil ou até mais por mês. Mesmo, a cassação da carteira, no caso das pessoas mais abonadas, elas tem o privilégio e as condições de contratar um motorista ou mesmo pegar táxis para suas necessidades. Já para os menos abonados…. fim de linha. Mas então, o que fazer?
Sabemos que há questões subjetivas e outras objetivas envolvendo a questão, e uma objetiva, é a situação de nosso trânsito, envolvendo a qualidade de ruas, rodovias entre outros fatores. Vou deixar de lado, o que acontece no trânsito das cidades, e a questão das motos, e ater-me às rodovias, municipais, estaduais e federais.
Convém lembrar que o trajeto de muitas, se não a maioria das rodovias foi feito por burros, isto é, quando não havia carros, mas apenas cavalos, burros e carros de boi, eram os burros de carga que determinavam o caminho. Se fosse em terreno plano, iam em linha reta; se o terreno fosse montanhoso, o caminho se tornava sinuoso, com uma inclinação máxima que permitia aos burros, cavalos e carretas de bois, com maior ou menor facilidade, subir e descer, muitas vezes acompanhando as margens, cheias de curvas, dos rios. Em resumo, a potência envolvida era no máximo de alguns cavalos ou HP, digamos simplificando, 10 HP.
Hoje, a potência dos veículos são de dezenas de HP, mas em muitos casos, o traçado das rodovias, ao invés de seguirem um traçado reto, mais conveniente em todos os sentidos, que permita inclusive, ultrapassagens, segue ainda o traçado dos burros. No caso de um estado como Minas Gerais muito montanhoso, isto tornou as rodovias ainda mais mortíferas. Em algumas estradas podem-se rodar quilômetros sem que haja condição de ultrapassagem, e mesmo quando há, torna-se impossível, devido à fila de caminhões, bi-trens, trucados, etc. andando em fila indiana, praticamente colados uns aos outros.
Quem nunca passou por situação crítica, na iminência de não chegar a tempo de pegar um voo, ao enterro de um ente querido, ou uma prova de vestibular ou Enem, ou mesmo ao encontro com a sua namorada/o, noiva/o, esposa/o ou ficante? Importante ressaltar que na época dos burros de carga, cavalos, carruagens e carros de bois, os pedestres podiam sem maiores sobressaltos usarem os caminhos. Hoje, o pedestre ou o ciclista, não tem mais a mínima chance. Não há acostamento em muitas estradas estaduais, onde até as canaletas de drenagem se fossem um pouco mais largas, poderiam facilitar à vida de pedestres ou ciclistas. O ser humano não é mais a medida das coisas, mas sim, vítima da equação custos X benéficos, em última análise, vítima do lucro a qualquer preço ou descaso.
Para exemplificar, na BR, logo antes de chegar a Muriaé, vindo do norte, há uma curva que quase faz 360 graus. Na primeira vez ao passar neste lugar, que, além disso, tem uma inclinação inadequada, para quem anda nos dois sentidos, quase derrapei, pois parecia que a curva nunca acabava. Se ao invés da curva, se fizesse um corte no morro, o percurso diminuiria quase a metade, cortando distâncias e custos, além é claro, de ser menos perigoso e provavelmente permitir uma eventual ultrapassagem.
Convém lembrar, agora que as empreiteiras e construtoras estão em foco, que o custo da obra se dá por quilômetro feito, então quanto mais longa a estrada, melhor. As mortes e consequências disso, meros detalhes. Para não dizer, que a culpa é só dos mineiros, no meu estado natal, Rio Grande do Sul, havia, não sei se ainda há, uma estrada de ferro, perto da cidade de Agudo, que tinha uma curva semelhante. Esta estrada foi feita por ingleses, que naturalmente ganhavam por quilômetro implantado. Portanto é uma “tradição” de alcance nacional que os ingleses passaram à engenharia brasileira.
Não tenho ideia de quantos quilômetros de estradas, asfaltadas ou não, municipais, estaduais e federais, Minas Gerais tem, mas sei, que o número de municípios beira a casa do milhar, e provavelmente Minas tem a maior malha rodoviária do país. Imaginem a economia em todos os sentidos, se conseguíssemos melhorar o traçado destas estradas, retificando curvas, construindo viadutos, túneis etc., adotando a linha reta como um objetivo preferencial, para se obter a menor distância entre dois pontos, e não continuar com o traçado possível para a tecnologia dos séculos XVIII e XIX, cujos meios de transporte eram movidos a burros, cavalos e bois. Digamos que fosse uma diminuição de 5% no comprimento total das estradas mineiras. Significaria certamente uma diminuição percentual ainda maior, no consumo de combustíveis, na manutenção das próprias estradas e de veículos, nas emissões de CO2, no número de acidentes e de mortos e feridos, no aumento da velocidade média dos veículos, e na consequente diminuição do tempo das viagens, devido a maior velocidade e a diminuição das distâncias entre as cidades. Concluindo, gostaríamos que os especialistas, principalmente engenheiros ligados ao tema, se debruçassem sobre ele, e com dados mais precisos, pudessem fazer um grande programa, abrangendo as vias principais municipais, estaduais e federais, verificando e quantificando a viabilidade, custos e benefícios, obtidos com sua aplicação. E aplicar o dinheiro obtido nessa fúria punitiva e arrecadatória, inclusive com radares e/ou pardais, em melhores condições objetivas para os usuários, na melhoria das estradas, diminuindo assim, as possibilidades de falha humana, falha que mesmo os deuses, mesmo agora em segundo plano, da mitologia grega poderiam eventualmente cometer.
Eloi Beneduzi – Caratinga, novembro de 2014