Hospital Nossa Senhora Auxiliadora anuncia suspensão
total temporária de atendimentos
CARATINGA– A equipe técnica do Hospital Nossa
Senhora Auxiliadora (HNSA) anunciou na manhã de
ontem, a suspensão total temporária dos atendimentos. A
medida se estende à maternidade Grimaldo Barros de
Paula, que não tem pediatras e obstetras disponíveis. As
pessoas que necessitarem de atendimento deverão buscar
auxílio em instituições particulares ou em hospitais da
região.
Durante extensa coletiva à imprensa, a equipe composta
pela diretora interventora, Flávia Eugênia de Souza;
assessor jurídico, Helbert Xavier; diretor técnico, Luiz
Felipe Caram e assessora de Planejamento e Regulação,
Myriam Araújo Coelho; destacou a impossibilidade de
manutenção dos serviços pela falta de recursos do Estado,
de comprometimento dos 13 municípios da microrregião,
além da inviabilidade de pessoal e tratamento, pois não há
profissionais para atendimento e tampouco
medicamentos.
“Não temos condições mais de manter o hospital aberto
para dar garantia de qualidade assistencial aos cidadãos da
nossa microrregião. Estamos obviamente dando
atendimento aos pacientes que ainda se encontram
internados na instituição e após a alta desses pacientes
começaremos com o encerramento das atividades
provisoriamente. O hospital a partir de hoje (ontem) não
está atendendo urgência e emergência, pacientes
encaminhados, nenhum tipo de paciente que chegar aqui”,
afirmou Luiz Caram.
CORPO CLÍNICO PEDE DEMISSÃO
Como consequência da crise, os próprios médicos
decidiram interromper os atendimentos, tendo em vista a
falta de previsão do pagamento de salários atrasados,
como destacou Caram. “O Ministério Público está
envolvido no processo, o Estado de Minas Gerais, estamos
com visita hoje do conselheiro do Conselho Regional de
Medicina, fazendo um comunicado a todos esses órgãos e
esse processo já vem caminhando há vários meses. As
comunicações da possibilidade de fechamento já haviam
sido feitas a todas essas instituições. Chegamos ao ponto
em que os médicos pediram demissão em grande parte por
não estarem recebendo seus salários há vários meses. Têm
médicos que não recebem há oito e 10 meses, então não
temos como obrigá-los mais a atender”.
O diretor técnico ainda ponderou que como consequência
da interrupção dos atendimentos, haverá uma sobrecarga
de atendimento em outras localidades. Ele ainda lembrou
que uma possível solução para os problemas financeiros
enfrentados pelo HNSA já vinha sendo buscada, no
entanto, não houve resposta positiva. “Os pacientes que
não forem atendidos aqui só serão atendidos em cidades
com porte maior, porque na região não existe nenhum
hospital que esteja em condições de fazer o atendimento
de casos mais graves, não tem CTI pediátrico, ou seja, é
uma situação de extrema gravidade e que estamos
discutindo com o Estado e com os outros entes há vários
meses e não conseguimos até hoje uma solução.
Promessas de recursos foram feitas nas gestões anteriores
às nossas e não foram cumpridas de maneira satisfatória.
Isso fez com que a gente chegasse realmente numa
situação insustentável e infelizmente o Governo Estadual
tem um débito para com o hospital e estamos trabalhando
diuturnamente para que esses recursos sejam repassados.
Os parceiros são inúmeros para tentar viabilizar esse
projeto, mas infelizmente até agora nós não conseguimos
efetivar”.
Para Caram, houve um “exaurimento do recurso
financeiro”, chegando ao ponto em que não há recursos
para compra de medicamentos, insumos essenciais e
pagamento dos profissionais da porta de entrada do Pronto
Atendimento, além dos médicos internistas. “Houve uma
debandada mesmo geral do corpo clínico, um pedido de
demissão em massa numa demonstração de insatisfação
pelo não cumprimento dos acordos firmados. Como
houve a partir de ontem (quarta-feira) a comunicação de
vários profissionais de que eles não mais atenderiam
independente de qualquer tipo de situação a não ser que
eles recebessem os salários atrasados, não temos
condições mais de receber pacientes, pois estaríamos
simplesmente colocando em risco a vida do cidadão que
aqui adentrasse”.
O possível estopim que provocou esta série de
acontecimentos passa tanto por questões ligadas ao
Estado, quanto também diretamente aos municípios. “É
um somatório de questões, a tabela defasada do Governo
Federal, o não cumprimento de compromisso pelo
Governo Estadual e as dificuldades pelas quais os
municípios vêm passando, impossibilitando que aloquem
os recursos para o hospital. É uma questão muito
complexa. A tabela está defasada há 15 anos
aproximadamente e aqui houve um equívoco na
negociação da contratualização, que não foi refeita com o
município desde 2013, ou seja, novos serviços foram
alocados, estruturas montadas e não houve esse repasse de
recurso”.
“INTERVENÇÃO NÃO ESTÁ ABRINDO MÃO DO
HOSPITAL”
A diretora interventora Flávia Eugênia classificou a
situação como de “sofrimento financeiro”. Ela assumiu a
administração do hospital nomeada pelo Ministério
Público no dia 12 de junho deste ano e relatou os esforços
que foram feitos em torno das necessidades da instituição.
“Assumi a instituição com alguns débitos que precisam ser
discutidos. Fiz uma movimentação para com os 13
municípios, para que sentassem comigo e renegociassem
uma dívida passiva de anos anteriores. Não houve nenhum
acordo, a Prefeitura fez a sugestão, a gente acatou,
sentamos e não houve nenhum acordo. De 12 de junho até
o dia de hoje o hospital se manteve de pé. Gostaria de
agradecer claramente ao corpo clínico que foi solidário à
nossa causa até o dia de hoje, que mesmo sem os repasses
devidos, sustentaram essa casa”.
Flávia também afirmou que os recursos foram ficando
cada vez mais escassos para o hospital e algumas situações
já indicavam a gravidade da crise, o que exigiu que a
comissão tomasse uma atitude. “Não se é possível
convencer a nenhum profissional de saúde a se assumir
uma assistência onde há falta de medicamentos, de
insumo, dificuldade para comprar novamente com os
fornecedores. Chegou num momento de insustentabilidade
não só financeira/assistencial, mas também de
credibilidade. A gente não pode assumir o risco de colocar
um paciente pra dentro e não ter recurso para tratá-lo aqui.
Mão de médico sozinha não salva paciente. Fizemos
várias reuniões, solicitamos aos entes que a gente podia
pedir. O fluxo do SUS Fácil que é a prerrogativa que a
gente tem que cumprir virou uma contramão das coisas.
Os telefones nossos tocavam o tempo todo, numa situação
da população cobrando dos gestores o atendimento, eles
nos cobrando, mas sem nos ofertar o pagamento.
Chegavam na nossa porta polícia, família chorando e
ameaças. Permaneci morando dentro do hospital por dois
meses, 24 horas dentro dessa casa, posso falar com muita
propriedade o que assisti e chegou o momento em que a
decisão teve que ser tomada”.
Apesar do encerramento dos atendimentos, Flávia fez
questão de esclarecer que a comissão permanecerá em
pleno trabalho no HNSA. Portanto, a medida não deve ser
entendida como desistência da administração do hospital.
“Quando a gente fala de fechamento do hospital, parece
que é um fechamento exclusivo, estamos baixando portas.
Não estamos baixando porta, a intervenção não está
abrindo mão do hospital. Está avançando para que a gente
mobilize os entes responsáveis pelos repasses que são
essenciais e que sobrepõem a qualquer tipo de prestação
que é a saúde, afinal de contas atendemos em torno de 291
mil habitantes. Não queremos, de forma alguma,
fechamento de hospital nenhum da região. Queremos
apoio, sensibilizar para que a gente trabalhe em rede, tanto
na atenção básica quanto na atenção terciária. Somos o
hospital do Plano Diretor de Regionalização, o prestador
com a maior complexidade para atender a população e
esse descaso não pode continuar acontecendo porque vidas
estão sendo ceifadas e a gente não pode assumir o ônus de
mortes que podem ser evitadas e de repasses que não estão
sendo feitos, em que o gestor também é o corresponsável.
Nossa responsabilidade é solidária, não exclusiva. A
intervenção tem 12 meses para ser feita, outros 12 para ser
renovada e só vamos desistir quando houver inviabilidade.
E não há inviabilidade, o que quero garantir é assistência e
emprego dos meus funcionários”.
A mensagem deixada pela diretora interventora foi ainda
de “uma voz técnica, não voz política”. “Queremos apelar
para os entes que são responsáveis também pela saúde
dessas pessoas, que sensibilizem com a situação do
hospital. Queremos que a microrregião fale a mesma
língua, que venha pra gente a assistência de forma efetiva
e que a gente consiga prestar. Precisamos imediatamente
do repasse do governo do Estado. Já fizemos uma proposta
para os prefeitos que assumiram dos valores em atraso que
perfazem em torno de R$ 2.000.000 para que eles
negociem conosco. Que nos paguem certo valor
mensalmente. Alguns municípios estão em dia com a
gente, mas não suficientes para manter os que não estão
em dia”.
O HNSA trabalha atualmente com déficit estimado de R$
1 milhão/mês. De acordo com Flávia, o que se recebeu por
contrato do município de Caratinga no último mês só
viabilizou 90% da folha de pagamento dos funcionários,
se contar as execuções trabalhistas das gestões anteriores,
que estão sendo bloqueadas diretamente em conta. O
planejamento inicial era de 30% de redução de folha. Com
este fechamento temporário, medidas adicionais
precisaram ser feitas. “Quem tinha banco de horas está em
casa, vai minimizar custo e férias coletivas 10 dias a
princípio, imagino que antes disso vão ser sensibilizados e
a gente vai receber algum aporte para retomar o serviço e
voltamos a funcionar como deveria. Estou aberta com
minha equipe de intervenção a qualquer momento para
sentar com os representantes dos municípios e negociar. É
um apelo a todos os prefeitos da microrregião e ao
Estado”.
MEDIDAS JURÍDICAS
O assessor jurídico Helbert Xavier frisou que a decisão da
equipe técnica tem respaldo jurídico amparado na
incapacidade de operação do hospital. “Não posso dizer
que atendo sem ter capacidade de atender, peco por
omissão. Quando digo que estou fechado, os entes já
sabem que para cá eles não vão trazer. O sistema é único,
então ele tem que interagir, o problema vai ser dos
gestores. Imediatamente, quem vai ser judicializado são os
gestores municipais. Um paciente que precisa de
internação, o hospital está fechado, a família vai bater na
porta do Judiciário, que óbvio, o direito à saúde é
inalienável, está na Constituição; ele vai dizer que seja
atendido”.
Para Helbert, é preciso que haja um entendimento de que a
intervenção não é do Governo do Estado, mas do
Ministério Público, órgão independente que “não tem
capacidade executiva, ‘’chave de cofre, não ordena
despesas a não ser as de funcionamento dele”.
Para ilustrar a busca por recursos e a falta de previsão, ele
relembrou de uma reunião realizada no dia 9 de agosto,
com o secretário de Estado de Saúde, Sávio Souza Cruz, e
outros representantes do Governo do Estado, juntamente
com o presidente da Assembleia Legislativa, Adalclever
Lopes; o secretário de Estado de Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, Pedro Leitão; o bispo diocesano de
Caratinga, Emanuel Messias de Oliveira e a diretora
administrativa do Hospital Nossa Senhora Auxiliadora
(HNSA), Flávia Eugênia de Souza. “Cobramos
primeiramente o repasse ainda de um convênio que foi
firmado, que era para ser em sete parcelas de R$ 500 mil e
começaram a ser reduzidas porque impuseram metas ao
hospital que nem o Einstein em São Paulo bate, já
prevendo realmente um decréscimo, porque à medida que
você não bate as metas o repasse vai decaindo. Óbvio, não
tem outra explicação a não ser que deliberadamente
quisessem o despencamento desses repasses. As metas
impostas são inalcançáveis, então já foi urdido para cair”.
O assessor jurídico ainda chamou atenção para o fato de
que as reivindicações feitas no encontro não foram
atendidas até o momento. “Eles ficaram de repassar,
arcodaram de alguma emenda parlamentar, equipamentos
que nós pedimos como tomógrafos, raio x, ambulância e
ultrassom ficaram de chegar e não chegaram. A partir que
começo a executar serviço, isso é dinheiro que entra do
SUS, uma forma de abater, vou tendo lucro para gerir o
hospital”.
Como medidas jurídicas neste momento de crise, ele
apontou como alternativa a revisão de contratualizações de
empréstimos bancários, dívidas assumidas por
administrações anteriores. “Vamos tomar as providências
jurídicas também para tentar resgatar dinheiro que saiu do
caixa do hospital que não era para ter saído. Empréstimos
que foram tomados em desvantagem para o hospital,
inclusive empréstimos existentes anteriormente quitados
com empréstimos maiores, mas com uma taxa de juros
também maior. E vamos discutir a entrada desse dinheiro
no caixa do hospital”.
Apesar dos problemas enfrentados junto a alguns
municípios da microrregião quando o assunto são os
repasses, Helbert ressaltou que cinco municípios tiveram
papel exemplar: Imbé de Minas, Piedade de Caratinga,
Santa Bárbara do Leste, São Domingos das Dores e
Ubaporanga. “Os prefeitos fizeram todo possível para que
o hospital funcionasse. Estavam presentes diuturnamente,
inclusive cedendo insumos para o hospital quando não
tinha. Embora eles tenham um débito pretérito, em 2017
se fazem presentes pagando o hospital, só que esse valor é
rateado, funciono com uma ‘perna só’, porque o que eles
fazem de aporte não garante o funcionamento. E os outros
se justificam dizendo que não pagam porque o Estado e a
União não paga. O resultado é o que culminou hoje,
quando não se une fica insustentável”.
O assessor jurídico prevê aumento dos gastos dos
municípios, para destinação de pacientes a outros
hospitais, com o fechamento do HNSA. “Esqueceram que
o que eles vão pagar agora de ambulância, bala de
oxigênio, gasolina, motorista de hora extra, médico e
enfermeiro, para levar para outros locais vai sair muito
mais caro. Fiquem certos que esse dinheiro vai sair de
algum lugar e era muito mais coerente, admissível, que
esse dinheiro viesse para o hospital que tem a capacidade
já instalada, é aparelhado para isso. Não nos negamos a
atender, não temos condições de atender porque não
recebemos repasse”.