Marina Matos de Moura Faíco
Sabe-se que a relação médico-paciente deve ser a mais harmoniosa e respeitosa possível; que o médico precisa ouvir e estar disponível para atender e assistir às necessidades de seus doentes. A relação médico-paciente vai além de um encontro e um bate-papo entre duas pessoas, envolve habilidades técnicas e pessoais. A empatia nessa relação é fundamental, pois permite que o médico perceba e se sensibilize com o que seu paciente anseia receber. A célebre frase de Ambroise Paré traduz o essencial dessa relação: “Curar ocasionalmente, aliviar frequentemente e consolar sempre”. A confiança do paciente no médico que ele procura, a familiaridade que se constrói entre eles, se traduz na efetividade dos diagnósticos e tratamentos, que são indispensáveis para um bom resultado terapêutico.
No entanto, a responsabilidade dessa relação é atribuída apenas ao médico. E o paciente? Será que o paciente é sempre a vítima dessa relação? Ou será o vilão?
Pesquisa realizada por cientistas de diversas universidades em 2018, nos Estados Unidos, mostrou que entre 60% e 80% dos pacientes não dizem toda a verdade para seus médicos. As conclusões foram resultado de duas pesquisas on-line, com pacientes de faixas etárias diferentes. Todos eram apresentados a sete situações nas quais é comum o paciente ficar inclinado a esconder hábitos e comportamentos de seu médico. E é essa a realidade que observamos hoje nas relações de pacientes e seu médico. Como se pode estabelecer uma relação de confiança e harmoniosa com seu paciente se ele mente?
O paciente mente, omite, sonega informações sobre sua alimentação, sobre medicações que utiliza, sobre hábitos de vida que podem provocar consequências desfavoráveis para sua saúde, principalmente os que sofrem com doenças crônicas.
Na pesquisa citada, pelo menos um terço dos entrevistados respondeu que mentiam quando não concordavam com as recomendações médicas; e metade dos entrevistados dizia que simplesmente tinha vergonha de falar a verdade. Como direcionar o melhor tratamento ao paciente se a verdade não é informada?
Isso deve ser encarado como um alerta a ambas as partes dessa relação. Os médicos que se tornam reféns das informações recebidas de seus pacientes; e os pacientes que se tornam reféns de um tratamento planejado pelo médico, baseado nas informações incompletas ou incorretas que lhe foram fornecidas. A relação que deveria ser de respeito, afeto, assistência, acolhimento, não se sustenta, resultando em um tratamento ineficaz.
Hoje a psiquiatria não reconhece a mentira como um transtorno em si. Porém, combinada a outros sintomas pode ser classificada como tal. Um exemplo extremo é uma condição denominada Síndrome de Munchausen. Nesse transtorno, a vida do paciente torna-se uma peregrinação por diferentes médicos, uma vez que inventam ou produzem intencionalmente sinais ou sintomas de doenças. Ou seja, fingem estar doentes, procuram tratamento para o que não existe, e, o mais bizarro, sem ganho secundário. Não pretendem com isso se afastar do trabalho, ganhar um atestado para curtir o feriado prolongado, ou tentar um relatório médico para uma perícia. O objetivo é realmente receber tratamentos médicos.
O interessante de se observar, nesse caso extremo, é que apesar da mentira, o objetivo do paciente é receber cuidado, atenção, assistência. O que ele busca, enfim, é uma relação harmoniosa e familiar.
Geralmente, ao procurar o médico, o paciente está passando por um momento delicado. Há um conjunto de emoções que as doenças ou os incômodos vividos que levam a certa fragilidade e reação de defesa. Mas isso não justifica a mentira. A relação precisa basear-se em respeito mútuo. O ditado “Feliz do médico que descobre o que o paciente está precisando”, não pode ser a regra. O médico é uma pessoa como outra qualquer e também sofre os mesmos tipos de defeitos e angústias que a sociedade em geral. O problema parece estar na relação, nos relacionamentos. As pessoas hoje em dia se relacionam pouco, conversam pouco, se dedicam pouco a si mesmas e ao próximo. O mundo virtual ocupa hoje um tempo precioso na vida das pessoas. O importante é o número de seguidores que se tem, de curtidas que recebe sua publicação, mesmo que ela seja superficial e mentirosa. As pessoas estão confundindo relações interpessoais com as relações virtuais. O mundo virtual é muito diferente do mundo real. Mentir não pode ser comum, normal, aceitável, em nenhuma situação. Na relação médico-paciente, menos ainda: é a sua saúde e a sua vida que está em jogo. As pessoas precisam voltar a se enxergar como realmente são. É no mundo real que vivemos! E quando tratamos de vida, de saúde, de assistência, de cuidado, de amor, a verdade precisa ser o pilar da relação. Não minta para ninguém! Não minta para você mesmo!
Drª Marina Matos de Moura Faíco – Médica Ginecologista e Obstetra no CASU e Prefeitura Municipal de Caratinga/MG, Mestre e Doutora em Fisiologia pela UFMG, Professora e Pesquisadora do UNEC.
Mais informações sobre a autora em http://lattes.cnpq.br/5256973785497421