Ildecir A.Lessa
Advogado
Tempo é tempo. Espaço é espaço. Existe primazia do tempo sobre o espaço. Só pode haver coisas que se sucedem, sob a condição da existência do tempo. O tempo é único. O tempo é mais importante do que o espaço. Para existir espaço é necessário o tempo. O tempo não está confinando no passado e no futuro, mas habita no interior da história da espécie humana. Convergem na experiência humana, o tempo matemático, tempo cósmico, tempo do relógio.
Nos textos eruditos, se elaborava lentamente a percepção do tempo. O mercador do Ocidente europeu delineava suas atividades, numa organização política-militar-religiosa, no alargamento do mundo conhecido. Esse mercador que atuava no espaço do Mediterrâneo Ocidental e no espaço hanseático (associação), estava submetido ao tempo natural, dia e noite. Ciclo das estações, acidentes naturais como tempestades, desastres marítimos e terrestres. Nada podia ele fazer, senão submeter às contingências naturais. O espaço na contagem da medida. O tempo tinha que ser levado em consideração na viagem, na organização das redes comerciais, nos preços dos produtos, na duração do trabalho artesanal. A necessidade de regulamentar o tempo foi se impondo. O tempo que surgia era um tempo novo, mensurável, orientado, previsível, sobreposto ao tempo eternamente e imprevisível do meio natural.
O tempo passou a ser racionalizado, laicizado, mensurável, mecanizado, com valor. Tempo do relógio, que marcava as tarefas laicas e profanas, o tempo urbano do trabalho e das transações, medido como o espaço, pela duração de um trajeto, pela maleabilidade de outros caminhos.
No final do século XIII o conflito pelo horário de trabalho já estava estabelecido. Na crise do século XIV a definição “dia laboral” tornou-se mais eficiente. A vida urbana começava a ser lentamente aprisionada pelo sistema cronológico-tempo do quotidiano, tempo de horas certas, tempo do trabalho medido. A religião perdeu o monopólio do controle do tempo, sinal importante do início do processo de laicização. O Estado, na figura de um soberano, passou a ser o indicador do tempo racionalizado. O homem do Renascimento, o humanista, era senhor do seu tempo. No desenvolvimento do capitalismo, desde seu início, havia a preocupação de ganhar tempo, pois o ganho sobre o tempo aumentava os lucros. O tempo se transformou em hegemônico e despótico.
Hoje, todos nós somos serviçais e prisioneiros do tempo: pelo modelo econômico, pela lógica do capitalismo, pelas exigências da ordem social, as cadeias do tempo invadiram a vida privada dos indivíduos. O ser humano está preso ao tempo. Há uma forte pressão social para a programação rígida, planos, programas, estratégias, atos asseguradores, mas também invasores. Tudo é dominado pelo tempo efêmero e instantâneo, até o próprio tempo pessoal, a própria vida afetiva mascara mal a relação com o modelo econômico dominante. A sociedade superprogramada, supersincronizada, foge à realidade profunda do tempo vivido pelos homens, escamoteando o deslocamento unívoco no eixo da vida do indivíduo em direção à morte. Não há reconhecimento dos tempos diferenciados, tais como o tempo da doença, o da juventude, o da “terceira idade”. Não há complementaridade entre os diversos tempos, nem há relação de continuidade. Cada vez mais a atividade humana vai sendo regulada pela complexidade crescente de interconexões temporais. A sincronização abrange cidades, como zonas espaço-temporais monoprogramadas, rompendo velhos conceitos e hábitos, forçando todas as pessoas a uma programação rigorosa do tempo, tanto para transporte diário para o trabalho, como para o desfrute do lazer. Essa sociedade de “tempo real” desloca a relação com o passado, descompondo-o, esmaga o presente imediato e instantâneo, destrói o futuro como pluralidade de possibilidades. O presente é, pois, um ponto puramente evanescente, frágil e fugaz: o tempo se afirma plenamente no passado e no futuro, cujas representações funcionam como determinantes do presente, que só é significativo enquanto transição do passado para o futuro. O presente como transição, é desqualificado, desubstancializado, reduzido a uma categoria temporal secundária, sem autonomia. A grande descoberta nesse tempo moderno da vida do homem é que, a vida humana não constitui simplesmente, um ritmo natural que, a nível do indivíduo inclui nascimento, puberdade, casamento, procriação, velhice, morte e ingresso na comunidade dos falecidos. Dessa forma, morrer na ignorância da própria morte chega a constituir uma regra moral. São as “ideias informes”, pensadas por Charles Darwin, das quais, os homens fizeram uma religião. Vive-se o tempo na visão das três medidas: comprimento, altura e largura, regulando a história. Albert Einstein, numa revolução surpreendente no campo da física, incluiu o tempo, como uma quarta medida. Tudo deve por norma imperativa, a busca na Bíblia, o início de todas as coisas: “No princípio criou Deus o céu e a terra” (Gênesis 1.1). Princípio no original hebraico tem a palavra Reshit, traduzida por espaço tempo. No tempo dessa vida do homem, tudo é finito. Mas tem o tempo eterno, que não está previsto na história do tempo e do espaço dessa terra, mas, numa dimensão diferente, uma quinta medida, cuja base de tudo, está assentada na revelação de Deus, que expõe o mistério que vence a morte e leva o homem para a vida eterna, tirando-o dessa trajetória de simples mortal, passageiro do tempo e do espaço, em toda a sua trajetória histórica, para o ingressar na Eternidade de Deus.