* Vânia Maria O. Pereira
“Seja qual for o caminho que eu escolher, um poeta passou por ele antes de mim”. (Freud)
A poesia e as artes em geral, trazem consigo uma dimensão simbólica e nos conectam com aspectos humanos, que de outra forma não seria possível. Poetas e artistas em geral, têm o poder de nos arrebatar. Tratam coisas banais, “demasiadamente humanas” (Nietzsche, 2000), de modo transcendental. Traduzem sentimentos, percepções e nós mesmos, como não nos é possível expressar.
Segundo a psicanalista Melanie Klein (1975), a arte propicia preencher o vazio da angústia do ser humano, sempre faltante e incompleto, que pode ser reparado pela força da criatividade e do processo simbólico, ou ainda através do processo psicoterápico.
Nise da Silveira (1979), psiquiatra brasileira que revolucionou a forma de se tratar pacientes psiquiátricos a partir da década de 1940, desenvolveu trabalho inovador no Hospital Psiquiátrico Pedro II, no Rio de Janeiro, trabalhando com oficinas terapêuticas de pintura, escultura, música, teatro, revelando grandes artistas entre os esquizofrênicos atendidos na “Seção de Terapêutica Ocupacional”, mais tarde transformada no “Museu de Imagens do Inconsciente”. Afirma que o símbolo é um mecanismo que transforma energia, atuando externa e internamente no paciente, tendo eficácia curativa. Em suas palavras: “admitimos que a pintura possa ser utilizada pelo doente como se fosse um verdadeiro instrumento para reorganizar a ordem interna e ao mesmo tempo reconstruir a realidade (p. 32) (…) revela não só conteúdos simbólicos do inconsciente, mas também a maneira como o doente apreende suas experiências objetivas e subjetivas, o tipo de espaço no qual está vivendo, enfim, sua visão de mundo”. (p.45)
Ferreira Gullar, grande poeta brasileiro fala do poder renovador da poesia e do processo criativo em Coisas da Terra:
(…) Todas as coisas de que falo são de carne.
Como o verão e o salário.
Mortalmente inseridas no tempo,
(…) Coisas de que falam os jornais,
Às vezes tão rudes,
Às vezes tão escuras
Que mesmo a poesia as ilumina com dificuldade
Mas é nelas que te vejo pulsando,
Mundo novo,
Ainda em estado de soluços e esperança.
A identificação que ocorre entre pessoas comuns e artistas, se por um lado nos permite acessar a riqueza do inconsciente e seus simbolismos, por outro nos possibilita transpor a condição da vida cotidiana e alimentarmos o sentimento de esperança, acreditando que podemos sempre mais.
A esperança é um sentimento extremamente positivo, vai muito além da condição de espera, como o nome sugere. Está relacionada à fé, à crença na possibilidade de realização de desejos e necessidades. A crença gera motivação (“motivo para a ação”). Quem tem esperança, tende a agir e se comprometer com seus desejos. A palavra realização traz em si outras duas: real e ação. Realizar um desejo, portanto, é justamente a capacidade de agir, para torná-lo real.
Mais do que um jogo de palavras, nossa realização envolve nos desenvolvermos como pessoas, nossas habilidades e potenciais. E o que nos impede de conquistarmos objetivos, que muitas vezes, dependem somente de nós? Como: “Quero ser uma pessoa comunicativa”, “Quero ser menos rígido, arriscar mais”, “Quero ser feliz”… e por aí vão os desejos das pessoas, sem que muitas vezes, se comprometam com sua realização.
Com frequência, a própria pessoa inconscientemente se autossabota (Rosner e Hermes, 2014), criando estratégias que acabam impedindo-a de ter sucesso em seus objetivos, num ciclo de comportamentos prejudiciais que Freud (1980) denominou de compulsão à repetição, mantendo indefinidamente comportamentos que lhe trazem sofrimentos.
O inconsciente abarca inúmeros aspectos, que a própria pessoa desconhece. Freud afirma que a compulsão à repetição representa conflitos passados não elaborados, que tendem a retornar até que sejam resolvidos pela pessoa. Estes podem ser trabalhados através do processo terapêutico, auxiliando o indivíduo a entender a origem de seus conflitos, conhecer a si mesmo e tomar consciência de seus comportamentos e emoções.
Ao indivíduo cabe a escolha, de se enfrentar e permitir trazer à tona seus fantasmas e dores inconscientes, bem como sua criatividade e seu poder transformador. Este enfrentamento nos possibilita lidar criativamente com a vida, e como diz Gullar, chegarmos a um “novo mundo”, pulsante e esperançoso.
Referências Bibliográficas:
Bosi, A. (1983) Melhores Poemas Ferreira Gullar. São Paulo: Global Ed.
Freud, S. (1980) Ed, Standard Brasileira das obras completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago.
Klein, M (1975) “Situações de ansiedade infantil refletidas numa obra de arte e no impulso criador”, in: Psicanálise da Criança. São Paulo: Ed. Mestre Jou.
Nietzsche, F.(2000) Humano, demasiadamente humano. São Paulo: Cia das Letras.
Rosner, S. e Hermes, P. (2014) O ciclo da autossabotagem, 12ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Best Seller.
Silveira, N. (1979) Terapêutica Ocupacional – Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Ed. Casa das Palmeiras.
* Vânia Maria O. Pereira – Psicóloga pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora – CES/JF, Mestre em Psicologia Clínica pela PUC/Rio, atua em Psicologia Clínica e Organizacional, Professora no Curso de Psicologia do UNEC
Mais informações sobre o autor(a): http://lattes.cnpq.br/2342983547615432