* Ricardo Luis Aguiar Assis
A Organização Mundial de Saúde, através de um relatório divulgado em 2015, realçou que o envelhecimento saudável não consiste apenas da ausência de doenças, mas da manutenção das habilidades cognitivas e funcionais dos idosos para proporcionar qualidade de vida integrada, entre o indivíduo e suas interações psicossociais (OMS,2015). A população idosa, no âmbito mundial e brasileiro, vem crescendo significativamente devido a diversos fatores conjugados, como avanços médicos, alimentícios, melhora da qualidade de vida que promovem uma maior longevidade.
Entre 2005 e 2015, no Brasil, a proporção de idosos, com idade igual ou superior a 60 anos, passou de 9,8% para 14,3%, (IBGE, 2015). O número de pessoas com idade acima de 60 anos no mundo ultrapassou 700 milhões. Essa população de idosos é mais concentrada em países desenvolvidos ou em desenvolvimento. O aumento da expectativa de vida do idoso no Brasil, levando a uma maior longevidade, aumenta a preocupação com fatores de risco que possam causar prejuízos á qualidade de vida do idoso e, principalmente, a suas habilidades cognitivas e funcionais.
Os problemas de saúde com indivíduos na senescência são diversos, mas duas categorias destacam-se: o consumo de álcool, tabaco e outras drogas e abuso de medicamentos psicoativos. Quanto mais elevado for o consumo dessas substâncias, maiores os riscos de problemas associados e necessidade de tratamento (Wang & Andrade, 2013). Esses fatores de risco, uso de álcool, outras drogas e psicotrópicos, drogas potencialmente aditivas, vem crescendo entre a faixa etária da população idosa, tornando-se um potencial problema de saúde pública (Wolf et. al. 2017).
Estudos epidemiológicos brasileiros estimam que 20% de idosos fazem uso abusivo de álcool, sendo essa a droga de maior consumo na terceira idade, crack e cocaína 2,6%, maconha e cigarro 2,1%, outras drogas aparecem em porcentagens abaixo (Pilon et. al. 2010).
O uso crônico de álcool causa problemas neurodegenerativos funcionais progressivos. Entretanto, diversos estudos sugerem que o consumo de álcool dentro de limites é associado a um risco diminuído de demência ou declínio cognitivo (Patil et. al. 2015). Em população idosa, diversos fatores de risco influenciam o declínio cognitivo como nível de colesterol, problemas na vascularização encefálica. Um estudo sobre pesquisas epidemiológica publicadas sobre o uso de álcool por idosos, entre 1998 a 2008, sugere que o uso baixo ou moderado de álcool está associado a 38% de risco de demência não específica. No entanto, esse estudo meta-analítico apontou que os dados não tiveram consistência significativa, ressaltando a necessidade de ressalvas sobre os dados (Peters et. al. 2008).
O uso de álcool e outras drogas prejudicam as capacidades cognitivas como atenção, memória de trabalho, flexibilidade cognitiva. No entanto, as consequências casuísticas do uso de álcool sobre a cognição ainda são pouco estabelecidas. Estudo realizado em uma amostra de 3.542 idosos, com idades entre 65 e 83 anos, avaliou o declínio cognitivo através do instrumento Mini Exame do Estado Mental, o consumo de álcool e a genotipagem do gene rs1229984. Os resultados indicaram que o consumo de álcool não é uma causa direta de comprometimento cognitivo na vida adulta (Almeida et. al. 2014).
Assim como o uso de álcool, o tabagismo também é uma substância que prejudica as funções cognitivas. Em estudo com amostra clínica e controle composto por 240 adultos, foi avaliado o efeito do uso do álcool e do tabaco sobre as funções executivas. As conclusões sugeriram que tanto o alcoolismo quanto o tabagismo prejudicam as funções executivas. Porém, houve resultados inconclusivos sobre o efeito do álcool. Essa divergência na avaliação foi atribuída a difícil tarefa de avaliação dos construtos das habilidades que compõem as funções executivas (Glass et. al. 2009).
A avaliação do efeito do uso de álcool sobre as funções executivas ainda não possui um modelo casuístico cientifico na atualidade, e os estudos empíricos que avaliaram a associação entre o álcool, tabaco e outras substâncias psicoativas e os construtos cognitivos que compõem as funções executivas apresentaram problemas nos resultados devido às dificuldades em avaliar as habilidades cognitivas complexas. É bem estabelecido na literatura o efeito prejudicial do uso de álcool e outras substâncias psicoativas na cognição. Entretanto, ainda é pouco estabelecido o tamanho do efeito diferencial que o uso de cada substância psicoativa exerce sobre os construtos cognitivos que compõem as funções executivas em idosos. Diante disso, emerge o problema sobre o impacto diferencial que o uso de álcool e outras drogas exercem sobre as funções executivas, e a necessidade de identificar melhores testes ou métodos para avaliar as funções cognitivas executivas em população de idosos. (Almeida et. al. 2014; Glass et. al. 2009; Patil et. al. 2015).
Existem evidências que o consumo de diferentes drogas prejudica diferencialmente os domínios cognitivos das funções executivas, afetando de forma diferente a memória de trabalho, a flexibilidade cognitiva, o controle inibitório do indivíduo (Fernandez-Serrano et. al. 2010). Dessa forma, hipotetizamos que a prevalência de cada tipo de droga de abuso afeta diferencialmente os construtos cognitivos que compõem as funções executivas.
A avaliação da função executiva possui uma heterogeneidade substancial de instrumentos para avaliar o construto e seus subdomínios, o estabelecimento de medidas com maior acurácia é importante num processo de avaliação confiável, (Duckworth & Kern, 2011). A validade convergente é um modelo utilizado para testar a medida de um construto, através de vários instrumentos. Esse modelo analisa as correlações de diferentes instrumentos que avaliam um construto comum. Os procedimentos utilizados para avaliar as funções executivas em ambiente de pesquisa ou ambiente clinico empregam medidas baseadas em desempenho. Atualmente, não está claro em que nível os diferentes instrumentos de mensuração das funções executivas avaliam o mesmo construto (Toplak et. al. 2013).
A avaliação do impacto diferenciado do uso de álcool e outras drogas sobre as habilidades cognitivas que compõem as funções executivas em população idosa, almejando identificar a diferenciação de efeito de cada tipo de substância de abuso sobre os construtos cognitivos executivos faz-se importante na atualidade (Almeida et. al. 2014).
As drogas de abuso são fatores prejudiciais à cognição do idoso. Entretanto, é importante destacar fatores preditivos para uma boa qualidade cognitiva, funcional e comportamental dos idosos (Wolf et. al. 2017). O Nível escolar influencia numa melhor cognição do idoso, assim como a prática de atividade física e o estado nutricional são fatores protetivos importantes no neuroenvelhecimento (Banhado &Nascimento, 2007; Pereira et. al. 2016; de Paula et. al. 2013)
A atividade física na senescência promove uma melhora na qualidade de vida. Estudos demonstram uma correlação da atividade física praticada por idosos e um melhor desempenho nas funções executivas (Scherder et. al. 2005). O estado nutricional do indivíduo também é importante para a manutenção do seu bem-estar. Alterações nutricionais podem interferir desde os sistemas fisiológicos aos cognitivos. Estudos sobre idosos apontam correlações entre estado nutricional e a manutenção ou delicio das funções cognitivas (Machado et. al. 2011; Pereira et. al. 2016).
O nível de escolaridade formal é associado à reserva cognitiva e ao desempenho das funções executivas (de Paula et. al. 2010). Assim, no presente estudo, é importante correlacionar os fatores protetivos relacionados ao declínio cognitivo com os fatores prejudiciais, uso de álcool e outras drogas, podendo assim almejar um estudo inferencial adequado, chegando em conclusões cientificas valiosas no estudo sobre o impacto diferencial do uso de álcool e outras drogas sobre as funções executivas em idosos.
As funções executivas envolvem três construtos principais. O Controle Inibitório, habilidade de exercer autocontrole direcionado do comportamento que envolve processos cognitivos como atenção, atenção seletiva, controle emocional, autorregularão do comportamento. A Memória de Trabalho, habilidade de utilizar informações armazenadas e utilizá-las no momento presente, promovendo compreensão geral de informações mentais a partir de ideias fragmentadas. A Flexibilidade Cognitiva refere-se à capacidade de mudar as perspectivas de pensar sobre um problema e ser flexível ao admitir erros alterando estratégias na execução de um comportamento direcionado; (Diamond, 2013).
*Ricardo Luis Aguiar Assis, Professor do Curso de Psicologia do Centro Universitário de Caratinga
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