José do Carmo Veiga de Oliveira[1]
Como sabido e ressabido, a Constituição Brasileira de 1988, em seu artigo 226, § 3º, estabeleceu a possibilidade de se regularizar a existência de união estável entre duas pessoas, de modo que possam conviver sob o mesmo teto ou não. Todavia, é indispensável que tenham o propósito comum de constituirem família, na sua acepção tradicional, sem qualquer tipo de posicionamento que afronte a ordem social no que pertine ao fato de que esse relacionamento, necessariamente, seja estabelecido de modo que haja um ponto de equilíbrio entre a situação fática existente entre os dois conviventes e, se existe impedimento para qualquer deles se casar, nos moldes do que determina o referido dispositivo constitucional, torna-se inviável a possibilidade de conversão da união estável em casamento.
Explica-se: nos dias atuais, é muito frequente, infelizmente, a existência do casamento entre duas pessoas e, simultaneamente, uma delas mantém uma união estável, de modo que é absolutamente inviável a pretensão de “unificar” essas condutas como se estivéssemos cuidando de uma situação em que fossem “normais” o adultério e, naturalmente, a união estável simultânea ao casamento.
É fato notório, de outro lado, a ocorrência de tal situação, o que afronta, inquestionavelmente, a existência dessa pretensão dentro de um chamado “padrão de normalidade”. No entanto, é muito frequente, a despeito de todo o conservadorismo que preserva a constituição de uma família pelos padrões regulares e legais, de modo que se chega ao ponto de se pretender até mesmo o ato de estabelecer uma união estável simultânea ao casamento. Para muitos, nada escandalizador e, em se firmar o compromisso mediante lavratura de escritura pública, estabelecendo-se até mesmo o regime de bens em comunhão universal.
Todavia, o que de fato podemos encontrar nesse contexto é a existência de um casamento contraído dentro dos padrões regulares que tradicionalmente constitui-se da modalidade mais consentânea com o Direito. No entanto, de se considerar que a despeito dos rigores que a sociedade sempre estabeleceu para esse tipo de união, de modo que é absolutamente impossível considerar-se uma situação desse nível como se fosse algo capaz de produzir algum efeito jurídico, exceto o relacionamento adulterino simultâneo ao casamento regularmente celebrado.
Para se evitar situações bem esquipáticas, inicialmente, por meio do Código Civil, de 2002, estabeleceu-se em sua redação original o impedimento de pessoas maiores de sessenta (60) anos de idade e, somente mais tarde, houve alteração no texto original e, assim, estabeleceu-se que o regime de comunhão universal de bens seria vedado – proibido – para regular a disposição quanto ao regime de bens para pessoas com mais de setenta (70) anos de idade.
A explicação lógica é sempre o fato de que um dos conviventes ou pretendentes ao casamento estaria proibido de estabelecer a união estável com o regime de comunhão universal de bens, sob a perspectiva de que, em sendo ou não concomitante ao casamento, haveria, de fato, uma busca para se “amparar” o outro lado da questão sob o manto da separação total de bens, inviabilizando, pois, a existência de um relacionamento regido pela união estável simultânea ao casamento anteriormente existente entre uma dessas pessoas e outra, de modo a assegurar uma situação fática não autorizada pela legislação civil em vigor.
Um dos aspectos mais relevantes para se considerar essa impossibilidade tem fundamento expresso no fato de que a nossa legislação não autoriza e nem permite a existência de união estável simultânea ao casamento regularmente convalidado pelos meios regulares de sua celebração, desprezando-se e repudiando, por outro lado, a existência de uma vida “conjugal” paralela, apenas para efeito de se resguardar questões de ordem patrimonial.
De todo o modo, é encontradiça essa possibilidade e poucos não são os casos que têm sido apreciados pelos Tribunais de todo o País e, especialmente, pelo Superior Tribunal de Justiça, em que restou decidido ser inviável a pretensão de submeter esse tipo de litígio ao Supremo Tribunal Federal, porque, a despeito de se tratar de um instituto que foi inserido no Texto Constitucional pelo legislador constituinte de 1988, cuida-se, na verdade, de matéria de fato, qual seja, a existência de um relacionamento entre duas pessoas, sendo uma delas casada regularmente e com idade superior a setenta anos, para o homem e superior a cinquenta anos para a mulher, regulamentada pelo Código Civil Brasileiro.
Não bastasse apenas o óbice legal para esse tipo de realidade, é de todo conveniente ressaltar, ainda, que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça percorre a trilha de que “a existência de casamento válido não obsta o reconhecimento da união estável, quando há separação de fato ou judicial entre os casados”. Quer dizer, portanto, que em havendo separação de fato ou mesmo judicial entre os casados, não há obstáculo a que seja reconhecida união estável.
A despeito de tudo quanto afirmado acima, é de se registrar que existem posicionamentos contrários a essa possibilidade no próprio Superior Tribunal de Justiça, para efeito de resgatar um fato inconteste: ocorre a intervenção do Estado no que se refere ao Direito de Família através de regramento por meio de normas cogentes, para as quais não se permite a burla com o propósito de fraudar mediante simples manifestação de vontade. São as chamadas leis de ordem pública que são editadas com o propósito único e exclusivo de regular as relações interpessoais ao longo da convivência social, respeitando-se as pessoas em geral e desautorizando o que seja contrário ao que o legislador estabeleceu para situações que tais.
Assim, o relacionamento entre conviventes nesse nível etário é absolutamente irregular e de nenhum efeito, se mantida a pretensão de se furtar à aplicação da lei, estabelecendo, pois, o regime vetado expressamente. De outro lado, também é de se considerar o fato de que mesmo que se contraia casamento com a adoção do regime matrimonial em “comunhão universal de bens” e, sendo um deles maior de setenta anos de idade, essa avença é absolutamente írrita e de nenhum efeito, podendo ser anulada a qualquer tempo porque incapaz de produzir efeitos jurídicos.
Diriam os romanos dos idos tempos: legem habemus e se temos a lei, o nosso dever como cidadãos é respeitá-la, apesar de toda e qualquer circunstância que possa ser suscitada para efeito de se fraudar lei imperativa, o que produz o efeito inconteste de nulidade absoluta do ato praticado.