- Eugênio Maria Gomes
Essa conhecida frase foi retirada de uma famosa fábula escrita pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, intitulada “A roupa nova do Rei”. Ele narra que existia um rei muito vaidoso que contratou um alfaiate para lhe fazer uma roupa que exaltasse toda sua vontade de exibição diante dos súditos. Esperto, o alfaiate disse para ele que costuraria uma roupa mágica, feita com ar e que apenas as pessoas mais inteligentes e astutas poderiam vê-la.
Terminado o trabalho, o falso tecelão mostrou ao rei a mesa de trabalho vazia ouvindo dele a exclamação “Que lindas vestes! Fizeste um trabalho magnífico!”, embora não visse nada além de uma simples mesa, pois dizer que nada via seria admitir, na frente de seus súditos, que não tinha a capacidade necessária para ser rei. Os nobres ao redor soltaram falsos suspiros de admiração pelo trabalho do bandido, já que nenhum deles queria levar a pecha de ser incompetente ou incapaz.
Então o monarca decidiu desfilar com os novos trajes em praça pública. Seus súditos, anestesiados pela subserviência, aplaudiam sua passagem e elogiavam a roupa, porque estavam cegos pela idolatria e pelo temor de desmascarar o Rei. Até que uma criança enxergou o óbvio e gritou: o rei está nu! Na verdade, a exclamação do menino representava o desejo de todos. E encorajou a adesão dos demais a perceberem a verdade: realmente, o rei estava nu!
Esse conto se repete no momento atual pelo qual passa o nosso País. Existem muitos “reis” que já passearam com trajes, vistos pela imaginação das pessoas, como decentes, porque estavam hipnotizadas, inebriadas por uma falsa noção da realidade. De repente, alguém provou que o “rei estava nu” e acordou a consciência coletiva. E todos perceberam a nudez que ninguém havia, ainda, enxergado.
A esperteza desmascarada, a aura de honestidade desconstruída, a falsa seriedade foi desmoronada. O “rei”, vendo-se nu, recolheu-se aos seus aposentos para se esconder. Tarde demais. A opinião pública já descobriu que a majestade é uma farsa. O reinado se desfez. Os conceitos se desmoralizaram. Afinal “o rei ficou nu”.
Temos dois ex-Presidentes da República, Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, indiciados ou investigados em diversos crimes e falcatruas. O primeiro é hoje Senador. Acompanhando-os, estão o Presidente do Senado e o Presidente da Câmara dos Deputados. Há também uma penca de outros senadores, deputados federais e governadores de estado e ainda, no mesmo grupo, os maiores empresários do país, ex-gestores da maior empresa estatal e do maior banco de fomento do País.
Nunca fomos conhecidos por sermos um país de elite honesta, muito pelo contrário, mas, também, a desonestidade crônica que nos assola nunca se mostrou tão escancarada.
O Partido dos Trabalhadores, um dois maiores do país, e que, registre-se, muito contribuiu para a nossa evolução democrática, cedeu às práticas que durante anos combateu, trocou seu projeto de governo por um projeto de poder e hoje se encontra na situação em que está: exposto à execração pública.
A podridão da política brasileira está exposta: a Política brasileira está nua!
Assim como acontece com as pessoas, um país também pode criar ilusões, imaginários sobre sua identidade nacional. Uma situação que costuma se manter até o dia em que essas ilusões se desfazem, e o país fica nu.
Éramos o País do futebol! Nossa, nem vou comentar o fiasco que é hoje o futebol brasileiro assolado pela corrupção e pelo egocentrismo e carreirismo de seus atletas. O Futebol brasileiro está nu!
O Brasil é o país do samba! Onde? Só se for em alguns pouquíssimos recantos do Rio de Janeiro. O samba de qualidade, de raiz, formado essencialmente pela mais tradicional cultura brasileira já quase não se ouve mais. Somos hoje o país do Sertanejo e do Funk, cuja riqueza musical e poética dispensa adjetivos.
O brasileiro é um povo cordial e pacífico! Qualquer um que se aventure por uma loja ou por uma calçada brasileira pode experimentar, in natura, a cordialidade brasileira. As pessoas praticamente rosnam umas para as outras. Que digam os haitianos e os bolivianos sobre a cordialidade brasileira, submetidos que estão ao trabalho escravo em plena cidade de São Paulo!
Pacifismo? Basta ver os índices de criminalidade, a quantidade de linchamentos, o número de atropelamentos, a violência contra a mulher e os homossexuais para vermos a verdadeira face de nosso pretenso pacifismo. A cordialidade brasileira está nua!
O Brasil é o País da tolerância religiosa! Pura falácia. Basta vermos o crescente número de agressões a membros de religiões afro-brasileiras. Basta vermos o discurso de alguns “religiosos” que pregam o ódio e a violência a pretexto de denunciá-la. Estimulam o sectarismo, enaltecem a falsa noção de “povo eleito”, condenando os demais, aqueles que ousam discordar de sua ideia de divindade, ou aqueles que lhe dão outro nome, à fogueira do pecado e ao inferno eterno. Teologicamente medíocres, recorrem ao discurso barulhento e agressivo, invocando mais à Satanás do que ao próprio Deus. Há ainda aqueles que, por baixo de uma falsa doçura, seduzem os mais ingênuos com a promessa de um paraíso extraterreno – inalcançável, senão após a própria morte – condenando-os à perpetuação de sua miséria, sob o pretexto de um desígnio, a todos incompreensível e que disfarça, na verdade, um interesse na manutenção de seu status como indivíduo dominado e explorado. A tolerância brasileira está nua!
A ideia dos brasileiros sobre si mesmos e sobre o Brasil se desmanchou. Hoje, nós não nos reconhecemos mais no espelho. O que somos? No que nos tornamos?
Mas esse choque inicial, a necessidade imposta pela realidade política, econômica e cultural de nos enxergarmos, de fato, como somos, livres dos clichês e alegorias inventadas e alimentadas, pode contribuir para que, finalmente, reconhecidos nossos erros e defeitos, revertamos a corrente da história, e mudemos nosso destino. Ou, talvez, possa nos conduzir, infelizmente, de volta ao autoritarismo, ao ódio e ao confronto, colocando em risco a sobrevivência da nossa nacionalidade.
A causa da corrupção não é a Democracia. Este sistema, mesmo que imperfeito, não está imune a essa mazela. Não há democracia sem pluralismo, sem política, sem políticos. Os maus políticos devem ser extirpados, não o regime. Um retorno à ditadura, como pregam alguns, não nos livrará desse mal. Precisamos mudar nosso jeito de ser, nossos hábitos diários, a forma de nos relacionarmos com os outros e com o Estado. Precisamos reconhecer e extirpar os pequenos atos de corrupção que praticamos cotidianamente e aceitar o fato de que os políticos não vieram de outro planeta, mas brotam do nosso mesmo húmus social.
Não podemos ceder à tentação dos remédios fáceis. Não diminuiremos a criminalidade condenando nossos jovens à prisão, ou implantando a pena de morte. Não recuperaremos a moralidade social, aparentemente perdida, acusando os novos conceitos de amor, de família e de costumes de causadores da perda de valores morais. A degradação da família não foi causada pela evolução desse conceito. Não será retornando ao conceito tradicional de núcleo familiar, taxando as diversas orientações sexuais de perversão e de doença, inclusive propondo-lhes uma “cura”, que recuperaremos os valores do bem, do justo e do honesto. A degradação se deu pela miséria, pela exploração social e pela marginalização histórica de uma enorme parte de nossos pares, não pela evolução de hábitos.
Nesse momento de profunda crise, precisamos resistir aos falsos líderes, aos profetas do ódio, aos políticos que bradam vingança!
Todos nós estamos nus. O Brasil está nu!
Precisamos aproveitar este triste momento para, individual e coletivamente, acertarmos as contas com o nosso passado, certos de que todos deverão perder um pouco para que todos ganhem. Só assim recuperaremos o orgulho nacional. O preço que pagaremos,se assim não procedermos, será muito alto para nós, no hoje, e para nossos filhos no amanhã.
O Brasil está nu, porque nós, também, estamos nus. Vistamos nossas roupas então!
Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.