CARATINGA- Hoje se comemora o ‘Dia das Mães’. Para celebrar essa data, o DIÁRIO DE CARATINGA conta uma emocionante história de adoção. Os personagens são Marilda Ferreira da Silva, 56 anos, e Matheus de Paula e Silva, 25 anos. Quando a reportagem chegou até a casa de Marilda, já foi possível perceber a sintonia entre mãe e filho.
O mais interessante é que Matheus foi adotado ainda recém-nascido. “Eu peguei o Matheus praticamente no dia em que ele nasceu. Fiquei sabendo do nascimento dele, já tendo como nosso”, iniciou Marilda.
Em 1992, Marilda, o esposo e três filhos moravam em Mato Grosso onde tentavam “uma vida melhor”. Ela trabalhava três períodos em um colégio e após a terceira gestação, resolveu ‘ligar’ para não ter mais filhos. No entanto, ela perdeu o terceiro filho em um acidente. “Com sete dias que a gente tinha perdido ele, voltei para Minas, já queria outro filho, mas, não queria passar por aquele processo de ‘desligar’. Então fiz essa inscrição em Governador Valadares. Era muito difícil a adoção, mas a gente ficou na espera”.
Apenas 10 dias após a inscrição, Marilda recebeu o telefonema da Justiça, informando que havia um bebezinho no Hospital de Governador Valadares, que tinha nascido aos seis meses de gestação. “Não que eu estivesse na frente na fila, estava até muito atrás, mas, como ninguém queria com medo dele morrer ou ter alguma doença- ele pesou um quilo; falei que eu queria. Eu estava tão debilitada da morte do meu filho. Falei que eu queria e que ele iria escapar. A mulher falou que teria um gasto maior com ele, porque ele teria que ficar em cuidados especiais no hospital, até completar dois quilos para sair. Concordamos, eu e o meu marido na época. Ele ficou 30 dias, a gente comprava aquele NAN, caro que era na época e rapidinho ele pesou dois quilos e levamos pra casa”.
A Justiça concedeu a guarda provisória do bebê a Marilda que, para surpresa dela, durou apenas 30 dias. “A gente tinha um amigo em Tarumirim, amigo do juiz de Valadares, que descobriu a mulher que gerou o Matheus em São Paulo. O juiz mandou uma carta precatória pra ela, que respondeu que ele podia fazer o que quisesse com o menino. Acho que o juiz ficou meio com raiva daquilo”.
Nesse ponto da entrevista, Marilda interrompeu e disse, olhando para Matheus: “Acho que nem essa história toda ele sabe”, que por sua vez respondeu: “Mais ou menos”. Emocionada, ela prosseguiu relatando que o juiz concedeu a guarda de Matheus como filho legítimo do casal. “Me lembro da audiência que só foi a gente, ninguém compareceu, ele (juiz) falou: ‘A senhora tem vontade de ter o Matheus como filho seu legítimo?’. Falei: ‘É a minha maior vontade’. Perguntou para o meu ex-marido também e o Matheus já estava com a gente no colo. Ele falou: ‘Então, a partir de hoje, é filho legítimo de vocês. Ele nasceu da sua barriga, não é filho de mais ninguém’. Fiquei muito emocionada. Ele disse pra mim: ‘Ele já tem nome?’ e eu falei que ainda não havia escolhido. Então, ele me perguntou se poderia escolher o nome, eu concordei e ele falou que se chamaria Matheus. Perguntou o sobrenome, falei ‘Matheus de Paula e Silva’. Colocamos esse nome nele. Cresceu com todo o vigor, muito bagunceiro, não teve nenhuma doença de infância. Muito saudável, arteiro, bagunceiro demais”.
‘NASCEU DO CORAÇÃO’
Mas, aos cincos anos de idade, Matheus acabou descobrindo por meio de colegas da escola, que era adotado. “Ele chegou muito bravo em casa, nervoso e chorando: ‘Mamãe, mamãe, eles falaram que eu não sou seu filho’. Falei: ‘Meu filho, quem falou isso?’. Desliguei o fogão, que eu estava fazendo a comida e sentei ele no colo. Fui explicar pra ele, contei a história da mãe dele, mas, numa versão que ele poderia saber na época, não poderia contar a verdade toda. Ele não ia entender. Falei pra ele que a mãe dele tinha pedido a gente pra tomar conta dele, porque estava muito pobrezinha. Isso foi muito bom, ajudou ele a entender a história depois. Senão, na época a cabecinha dele poderia ficar um trauma muito grande, tanto que hoje ele lida com isso perfeitamente. Enquanto alguns aí dão muito trabalho, ele é um filho de ouro, aliás, todos são”.
Marilda contou que essa história ficou na cabeça de Matheus, mas ele conseguiu lidar com a situação. “Ele falou assim: ‘Mas eles falaram mãe, que eu não nasci da sua barriga’. Falei que ele não nasceu da barriga, mas nasceu do coração. E ficou aquele dilema todo, ele chorava, eu chorava junto também. Mas, o Matheus cresceu, não teve revolta nenhuma, graças a Deus. Depois, bem mais tarde, que ele passou por um sofrimento bem grande. Mas, ele é um menino de muita fé e conseguiu superar tudo isso”.
À medida que o garoto foi se tornando um adolescente e, consequentemente, um homem, Marilda afirma que sempre questionou ao filho se ele desejava procurar sua família biológica. “Quando ele veio comigo guardei a pulseirinha dele com nome da mãe, do pai não guardei muita coisa, mas tentei ligar tudo na história dele. Tem os padrinhos dele, a madrinha dele foi quem fez o parto dele, teve ligação com a mãe biológica. Os outros padrinhos dele conheceram o pai, porque a mãe dele fugiu do hospital no mesmo dia que ela teve ele. Mas, também ela teve os motivos dela e quem sou eu pra julgar. De vez em quando ainda pergunto se ele gostaria de saber, até acho lindo isso que ele fala: ‘Não. Não me lembro que eu tenha outro pai ou outra mãe. Minha mãe é você e meu pai é meu pai. Pronto e acabou’. Sempre a resposta dele é essa”.
Ela ainda cita a acolhida da família e a relação com os dois irmãos. “Eu trabalhava muito, o dia inteiro, a irmã dele que ajudava muito a cuidar dele, dava banho, trocava, fazia a comidinha dele. Era muito novinha também, porque a diferença deles é de oito anos. A Marcela era muito cuidadosa com ele. O André sempre teve uma relação muito boa com ele, nunca me lembro dos dois nem discutindo, em hipótese alguma. Ele e a irmã davam umas brigas depois de mais velhos, mas nada de grave”.
Hoje, Marilda celebra o carinho e a vida repleta de realizações ao lado do filho. Para ela, não dá para negar, já estava escrito no caminho de Matheus, que ele seria da sua família. “Casou e é esse homem aí, graças a Deus, que não abandona a mãe pra nada. Foi uma coisa que Deus colocou na minha vida, que foi mesmo um presente, que eu nem sei se eu merecia. Ele é um menino muito bom, meio estourado de vez em quando (risos). Mas, hoje ele já modificou bastante, acho que o casamento fez muito bem pra ele. Já melhorou 80%, os 20% são da natureza dele mesmo. Às vezes falo as coisas com ele, ele fala: ‘Quem que eu puxei. Os Batalha né! Puxei os Batalha e os Ferreira, cê queria que eu fosse calmo?’ (risos). Cada vez que ouço isso falo: ‘Oba! A família é essa mesmo. Não tem jeito. O relacionamento da gente é muito bom”.
Matheus não se revoltou: ‘Contava pra todo mundo que eu era adotado’
Matheus nunca teve nenhum tipo de complexo ou revolta, por ser adotado. Pelo contrário, ele sempre se orgulhou de falar que foi acolhido por uma família que lhe deu afeto. Veja como Matheus encarou a notícia de que era adotado e o que ele pensa do gesto dos seus pais adotivos. Ao final, Matheus ainda faz uma homenagem à mãe, Marilda.
O que você lembra do dia em que descobriu que era adotado?
Estava na escola, briguei com um coleguinha meu e ele falou que eu não era filho da minha mãe. E uma criança com cinco anos ouvir que não é filha da sua mãe, pra administrar isso é muito complicado. A gente morava na casa de baixo na época, entrei correndo na varanda, chorando, só que como toda a vida fui uma criança ‘pra frente’, brincava e machucava, sempre estava com as canelas ‘raladas’, minha achou que eu poderia ter machucado brincando, alguma coisa normal. Lembro que ela estava de costas, cozinhando, cheguei chorando. Ela me perguntou o que tinha acontecido, onde que eu tinha machucado de novo. Falei com ela: ‘Mãe, eles tão falando que eu não sou seu filho’. Ela meio que ficou sem reação, aqueles cinco segundos que parecem que não vão terminar mais. Ela virou, olhou pra mim, desligou o fogo, me deu um abraço, meio que chorou junto comigo. Me levou pra dentro de casa, me sentou no colo dela e ficou olhando pra mim, eu olhando pra ela sem entender nada, chorando. Perguntei pra ela se era verdade. Ela me contou, mas, criança rapidinho perde o foco e com cinco minutos que ela estava conversando comigo, eu já estava prestando atenção na televisão. Ela desviou o assunto, viu que eu também já tinha saído daquele momento de desespero. Nesse mesmo dia meu pai chegou, ela contou pra ele o que tinha acontecido, eles ficaram meio apreensivos, mas como não perguntei mais, deixaram passar.
E como você encarou isso depois?
Todo mundo que via na rua, eu contava que era adotado. Contava que eu não era filho da minha mãe, mas que eu tinha nascido do coração. Do jeito que ela contou a história pra mim, eu repetia (risos). Aos sete anos, meus pais sentaram comigo, me explicaram direitinho, porque eu tinha uma maior noção, se eu tinha vontade de procurar. Eles sempre tiveram esse jogo aberto comigo, nunca esconderam, sempre se preocuparam muito com a minha vontade. Na época, lembro que falei que eu não queria. E me gerava um desconforto eles falarem que eu tinha outro pai e mãe. Mas, foi muito tranquilo, fui crescendo com isso.
Teve algum momento de revolta em sua vida?
Lembro que quando eu tinha 14 anos, minha mãe e o meu pai se separaram. Eu estava na sétima série e lembro que foi o ano que tirei uma das melhores notas. Como sou muito ligado ao meu pai e a minha mãe, meio que não aceitei a separação dos dois. Única época que eu lembro que me revoltei foi essa. Uma professora de Geografia perguntou pra mim se eu não era revoltado, por ser adotivo. Lembro que ninguém nunca tinha me perguntado isso e por alguns segundos fiquei sem reposta, mas, logo em seguida, como não deixava nada pra trás falei com ela: ‘Não. Não sou revoltado porque sempre recebi muito amor do meu pai, da minha mãe, dos meus irmãos, avós, tios, primos’. Ninguém nunca fez diferença comigo pelo simples fato de eu não ter o sangue deles. Inclusive tenho tios, que sou o sobrinho mais ligado a eles do que outros sobrinhos, por eu ser muito brincalhão. Foi a época que mais me complicou.
Onde você buscou suporte para enfrentar esse momento?
Depois fui pra igreja evangélica, onde tive um suporte, que não tive na outra religião, que é a católica, mas não porque a igreja evangélica é melhor que a católica, é porque ali me senti bem. Fui abraçado, um ponto muito especial na minha história, que me ajudou a superar a separação dos meus pais. Até certo ponto eu atribuía culpa à minha mãe, mesmo ela não tendo tido, induzido por algumas pessoas. Então, me ajudou muito a ver que a vida continua.
Passada a adolescência, como foi chegar à fase adulta?
Depois que a gente vai crescendo, tendo noção das coisas, os fatos vão chegando até a gente. E com 18 anos comecei a trabalhar. Toda vida sempre fui muito apaixonado por carro desde pequenininho e meu pai mexia com mecânica, depois começou a mexer com café, mas toda vida ligado com a parte de automóveis. Sempre fui muito apaixonado e desde pequeninho desmontava meus carrinhos, quebrava e consertava. Doido pra fazer 18 anos e tirar minha carteira, consegui e comecei a trabalhar. Passados uns tempos casei e estamos aí, eu e minha mãe, seguindo nossas vidas. Tenho um irmão que mora no Rio de Janeiro hoje, que é o do meio e uma irmã que mora aqui em Caratinga também, tenho três sobrinhos.
Você tem vontade de procurar seus pais biológicos?
Particularmente, não tenho muita vontade de procurar meus pais biológicos. Tenho algumas curiosidades, pelo fato de eu ser ruivo, saber de quem eu puxei esse gene. Saber se a minha mãe biológica casou de novo e teve outros filhos, se eles são parecidos comigo. Tem gente que eu conto a história que eu sou adotivo e não acredita, pelo fato de eu ser muito parecido com a minha mãe adotiva. A gente denomina mãe biológica e mãe adotiva só pra ficar mais fácil pra quem ler a matéria identificar, mas dentro de mim não existe mãe biológica e pai biológico, mãe adotiva e pai adotivo. Meu pai e minha mãe são o Luiz e a Marilda, foram eles que me criaram, deram amor. E eu sei que pessoas me geraram. Minha esposa sempre fala: ‘Matheus, e se um dia Deus permitir você conhecer? Como vai ser isso? Vai ser pai e mãe seu também?’. Tenho que viver isso pra saber, mas, sei falar que meu pai e minha mãe são o Luiz e a Marilda.
Caso vocês venham a se conhecer, já pensou como poderia ser?
Se Deus permitir eu conhecer, creio que mais que grandes amigos a gente não vai ser, mas uma amizade legal, de respeito, dá pra ter. Se for da vontade do Senhor e Deus abençoar que a gente se conheça, vai encaminhar. Não tenho nada contra, nunca julguei, mesmo porque creio que foi uma oportunidade de Deus, que me deu uma família muito maravilhosa. Um pai e uma mãe que amam demais, superprotetora inclusive minha mãe. É até um pouquinho chato eu falar isso, mas acho que não teria pai e mãe melhor do que Deus me deu. Foi presente na minha vida. Amo demais minha família, tanto por parte de pai, quanto de mãe, inclusive, minha mãe quando me adotou, a gente morava em Tarumirim. A família dela é toda de lá. Minha tia mais velha, a Marisa, me pegava muito, porque ela sempre foi muito ligada à minha mãe. Quando comecei a falar chamava as duas de mãe, tenho um carinho muito especial por todos meus tios, mas por ela é maior. Todas as minhas férias passava junto com ela e minhas primas. Por parte do meu pai, a minha tia Cota, é como se fosse outra mãe também.
O que você pensa sobre o gesto da adoção?
Eu acho isso muito bonito. Deus me deu uma oportunidade muito grande, porque creio que nada acontece por acaso, tudo é Deus na vida do ser humano e até na de quem não acredita. Creio que Deus não poderia me dar uma oportunidade maior do que me presentear com essa família. Acho essa ideia tão bonita, tanto é que falo com a minha esposa, que se for da vontade do Senhor quero ter dois filhos gerados por nós e adotar um, tanto faz se for branco, negro ou ruivo. Mais pra frente a gente vai ver como vamos fazer, se entramos na fila, porque acho isso muito burocrático. Eu sou muito emotivo, nem gosto de ficar ainda aos abrigos, porque é muito criança pra ser adotada e tem muitos pais querendo adotar, mas o próprio sistema é falho. Glorifico a Deus porque a minha adoção foi super rápida, não foi nada sofrido. O Governo deveria olhar com mais carinho para as crianças, sei que tem muita gente que adota pra fazer maldade, mas eu sempre cri que o bem é maior que o mal. Tem muitas crianças precisando ser amadas e pais querendo amar.
Neste Dia das Mães, o que você tem a dizer para a sua mãe?
Muito obrigado. Que ela é especial demais na minha vida, só Deus sabe o tanto que eu amo ela, o carinho que tenho só Deus sabe pra medir e que eu não poderia ter tido uma mãe melhor do que ela. Ela foi literalmente e é um presente de Deus na minha vida. Que ela tenha um ótimo Dia das Mães.
Um comentário
Aparecida Lima
muito lindo essa materia…Parabens Marilda