Eugênio Maria Gomes
Dia desses, recebi uma mensagem pelo WhatsApp, contendo o vídeo de um apresentador americano – Stephen Colbert -, falando de todas as nossas mazelas em preparar as Olimpíadas do Rio, com início no próximo mês. No programa veiculado no tal vídeo, o ridículo sujeito ridiculariza outros ridículos personagens cariocas, tais como o prefeito da capital dos jogos – Eduardo Paes -, e o governador interino do estado, Francisco Dorneles – aquele que não sabe se vai, ou se fica. Depois de citar as maluquices ditas por Paes, ele fala do atraso nas obras, registrando que muitas delas não foram concluídas, não obstante as dezenas de bilhões de dólares pagos a, apenas, cinco empreiteiras. Completa o assunto dizendo que muitos empresários e políticos foram presos, mas que, para sorte deles, os presídios só ficariam prontos em 2036.
Sobre isso, não há muito que contestar, mesmo antipatizando com o tal apresentador americano. De fato, não apenas no Rio, mas no Brasil, a maior parte dos nossos políticos e dos nossos empresários se especializou em superfaturar obras e em descumprir cronogramas. A demora em entregar o que foi contratado dá-se, justamente, com o fito de negociar aportes adicionais de capital como condicionantes para a finalização da obra.
Na sequência, Colbert fala a respeito do perigo que é a cidade do Rio, apresentando-a como uma das mais violentas do mundo. Aqui, ele não apenas mostra o seu preconceito, mas, principalmente, o seu desconhecimento. Na última listagem das cinquenta cidades mais violentas do mundo, feitas anualmente por uma ONG mexicana, São Paulo e Rio de Janeiro sequer aparecem na lista, não obstante 21 cidades brasileiras fazerem parte dela, assim como 4 americanas: ST. Louis, Detroit, Nova Orleans e Baltimore, essa última considerada três vezes mais violenta que São Paulo. Detentor do maior número de porte de armas per capita do mundo, os EUA são considerados o quinto país mais violento entre os 50 países mais desenvolvidos do planeta. O número de óbitos por arma de fogo é tão alto em algumas cidades americanas que o número de mortes em Nova Orleans se compara ao número de mortes em Honduras, o país mais violento do mundo. No mesmo quesito, Detroit se compara a El Salvador, Baltimore à Guatemala, Miami a Colômbia e Washington a São Paulo.
Ao tentar induzir a sua – também ridícula -, plateia, o apresentador se esmera em falar sobre a violência do Rio de Janeiro, esquecendo-se de que o seu país tem sido um péssimo exemplo do tratamento dado ao negro. “Nós estamos cansados dos assassinatos de homens e mulheres jovens das nossas comunidades. Depende de nós tomarmos uma posição e exigir que eles parem de nos matar. Não precisamos de compaixão. Nós precisamos que todos respeitem nossas vidas. Nós vamos nos mobilizar enquanto comunidade e lutar contra qualquer um que acredite que o assassinato ou qualquer outra ação violenta daqueles que juraram nos proteger devem continuar constantemente impunes. Esses roubos de vidas nos fazem sentir desamparados e sem esperança, mas nós temos de acreditar que estamos lutando pelos direitos da próxima geração, pelos homens e mulheres jovens que acreditam no bem”. Essa frase proferida pela cantora Beyoncé demonstra bem o que o negro tem passado, nos últimos meses, no país do senhor Colbert.
Não que aqui não tenhamos, também, excessos e mais excessos em relação às diversas “diferenças”. Vivemos encobertos pela grande hipocrisia de que não somos um país racista, mas relegamos aos negros o cumprimento dos piores capítulos da construção de nossa história e, ainda hoje, eles usufruem da pior parte do “naco” que nos sobrou e estão posicionados meio que na rabeira da história que estamos construindo. Mesmo assim, fica difícil não nos incomodarmos em ver um macaco sentar-se no rabo para falar do rabo do outro, como tem acontecido nos diversos vídeos do apresentador americano, na internet.
Em outros vídeos, ele fala da fauna brasileira. Assim como os principais desinformados do mundo, ele vê o Brasil como se todo o país fosse a própria Amazônia, com os bichos andando pelas ruas, comendo as pessoas. Ora, em algumas cidades americanas, os crocodilos passeiam pelos gramados, como se fossem animais domésticos e, de vez em quando, mordem, aqui e ali, um idoso ou engolem uma criança…
Que me desculpem o patético senhor Stephen Colbert e sua hilária plateia, daquelas que morrem de rir de bobagens, de fofocas espúrias e se deleitam com as corridas de cachorros, mas acho que a sociedade americana também apresenta inúmeros problemas. Problemas muito graves, que vez ou outra despontam nos noticiários, demonstrando que as coisas por lá também não vão nada bem…
Obviamente, os erros e os problemas dos outros não podem servir de justificativa para os nossos. O que não se pode tolerar são manifestações de profundo preconceito, exaradas de quem detém Poder econômico, midiático ou político com o único intuito de diminuir, de menosprezar, uma pessoa, um povo ou um país. A crise por que passa o nosso país, não é exclusividade nossa. Ela é fruto de algo muito maior, que acontece em todo mundo. Ela reflete uma crise de civilidade, uma crise de Humanidade. Em cada lugar do mundo, essa crise manifesta-se de forma diferente, exacerbando as mazelas já existentes naquele lugar. Aqui, aumenta a corrupção, a pobreza. Ali, aumenta a violência. Acolá aumenta a xenofobia, a usura, a exploração econômica, a guerra…
No atual momento por que passa o mundo, ninguém pode atirar a primeira pedra…
- Eugênio Maria Gomes é professor e pró-reitor de Administração da Unec. É membro da ACL – Academia Caratinguense de Letras e da ALTO – Academia de Letras de Teófilo Otoni. É Grande Secretário de Educação e Cultura do GOB-MG, membro da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga, do Lions Itaúna e do MAC – Movimento Amigos de Caratinga.