Sérgio Stevanato celebra 50 anos de graduação em Engenharia Agrônoma relembrando trajetória e principais transformações na agropecuária
CARATINGA- Sérgio Gilberto Stevanato, 75 anos, é radicado em Caratinga. E foi exatamente aqui que ele deu grande contribuição para o desenvolvimento da cafeicultura. Grande parte desta história é relatada no livro ‘50 anos. Da agricultura tradicional ao agronegócio. Legado dos engenheiros agrônomos Esalq/USP 1967’.
A obra teve seu lançamento oficial no último dia 14, durante o encerramento da tradicional Semana Luiz de Queiroz. 200 engenheiros agrônomos formados pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (USP/ Esalq), em 1967, comemoraram meio século de formatura, dentre eles Sérgio Stevanato. Com festa e homenagens, a data foi celebrada com reunião de congraçamento das turmas, comemoração do Dia Nacional do Engenheiro Agrônomo e jantar de confraternização.
Após participar das festividades, ele recebeu o DIÁRIO DE CARATINGA para uma entrevista especial, onde relembra sua trajetória e traça os pontos marcantes nas transformações da agropecuária, desde quando se formou até os dias de hoje. Sérgio é casado com Paulete Nair Galant Stevanato, com quem tem um casal de filhos e três netos.

Sérgio Stevanato formou-se em 1967 pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Foto: Arquivo Pessoal)
O senhor é natural de Guararapes, interior de São Paulo. Mas, há tantos anos por aqui, se considera um pouco mineiro?
Sou mais mineiro. Graças a Deus, inclusive, na época do João Bosco Pessine, quando ele foi vereador me presenteou com o título de cidadão honorário de Caratinga. Pra mim isso foi uma grande honra, porque já moro em Caratinga desde 1970. Formei, praticamente fiquei dois anos no Rio de Janeiro, depois mudei para Caratinga e estou até hoje.
Podemos dizer que seu interesse por agricultura veio de suas raízes, da sua infância em São Paulo?
Sim. Meu pai era proprietário rural, já mexia com café na época, na região de Guararapes. Uma região pioneira, era mata virgem na época. Meu pai foi pra lá em 1938 e desse período foi comprando alguns pedacinhos de terra, de floresta, como hoje está sendo feito na Amazônia. Ia desbravando aquilo, derrubando aquelas matas e plantando café. O noroeste de São Paulo era café puro, mais tarde chegou-se à conclusão, a própria natureza mostrou que a região não era própria para café. Hoje praticamente não existe um pé de café. Mas eu nasci no meio da lavoura de café.
Sua trajetória na cafeicultura regional começou em 1970 como chefe do Serviço Regional de Assistência à Agricultura (Serac), a serviço do extinto do Instituto Brasileiro do Café (IBC). Como era esse período?
Quando mudamos para cá, viemos já para participar do Plano de Renovação e Revigoramento de Cafezais. O Brasil estava com um excedente de produção e o governo teve até que mandar queimar, eliminar café. O armazém de Caratinga, por exemplo, era cheio de café e foi queimado muito café aqui exatamente objetivando reduzir essa oferta de café, para ver se melhorava o preço. Os cafeicultores, produtores rurais de café praticamente foram à estaca zero. Então, houve aquele plano de erradicação que eu não participei. Mas, com o Governo Militar houve por bem fazer a renovação do parque cafeeiro, diminuir a área plantada, objetivando aumentar as rentabilidades do produtor. E nós participamos desse período que é exatamente da renovação do parque cafeeiro. Mas, quando vim pra cá, o Fabinho (Anselmo Bonifácio, ex-prefeito de Caratinga), que era o chefe do Serac, passou para a coordenação nacional, me indicou e eu assumi o lugar dele. Abrangeu o leste mineiro todo, desde Teófilo Otoni até Barbacena, Caxambu e o estado do Rio todo, que pertencia à regional de Caratinga.
O que isso impactou e qual foi o papel do Plano de Renovação e Revigoramento de Cafezais nesse cenário?
Com a erradicação, praticamente foi zerada a produção. Não digo zerada, mas diminuiu bastante. Houve um excesso de produção, o governo já não estava suportando, já não tinha armazém mais para estocar isso, resolveu eliminar os cafés, o produto café mesmo, queimando e erradicando. Arrancando lavoura mesmo para diminuir a oferta de café. Mas, o Plano de Renovação foi exatamente essa parte de recuperação, o revigoramento dos cafezais, alguns remanescentes e plantios novos, com novas tecnologias, tecnologias mais modernas. Apareceu a ferrugem também, que foi um desastre na cafeicultura. Mas, rapidamente da equipe do IBC, instituições de pesquisa como Viçosa, Campinas, a própria Universidade Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a universidade de Lavras; começaram a trabalhar no melhoramento genético, de novas variedades de café e Caratinga participou muito disso aqui. Foi criado um centro experimental na época do Fabinho, com pesquisa, diversas equipes estrangeiras vieram pra cá para acompanhar esse trabalho de obtenção de novas variedades de café resistentes à ferrugem e com alta produtividade, que é o que está hoje aí. Diminuiu a área plantada, mas em compensação a produção aumentou.
Com a extinção do IBC, o que marcou em mudanças para o produtor rural?
O IBC dava uma assistência total. Com a extinção do IBC, a Emater (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural) em Minas Gerais e outras empresas nos outros estados, assumiram essa parte. E estão até hoje com ótimo trabalho. A parte de pesquisa passou para a Epamig (Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais). Num primeiro momento houve um choque, mas com o passar do tempo, se adequou com a equipe da Emater. O pessoal do IBC com a extinção não foi mandado embora, foram transferidos para outros órgãos. A maioria foi para o Ministério da Agricultura, dando sequência não só com a assistência menos efetiva, mas mais na área de fiscalização também, sendo fiscais federais. A União começou a afastar um pouco e dando espaço a outros órgãos, no caso alguns estaduais e municipais, que eram mais direcionados mesmo ao executivo. E o Ministério passou a ser um órgão mais fiscalizador, mas no bom sentido, para orientar também, não é aquele punitivo. Como é hoje o IMA (Instituto Mineiro de Agropecuária) aqui, órgão de fiscalização, para ver se está tudo certinho, não tem o objetivo de estar punindo o produtor. Eventualmente, tem que punir se o negócio está sendo mal feito. E depois também veio a Coopercafé em Caratinga, que também passou a dar essa assistência. E até hoje está aí, mesmo com as dificuldades do tempo.
Ao longo desses 50 anos, desde que o senhor se graduou, a agropecuária passou por grandes transformações. Como o senhor avalia essa transição?
Nesses 50 anos aconteceu uma revolução na agropecuária brasileira. O Brasil saiu de uma produção de 20, 30 milhões de toneladas por ano e hoje já está em duzentas e tanto, deu aquele salto. Houve um êxodo rural muito grande nesse período, vim para cá Caratinga era desse tamanhinho. Houve uma evasão da zona rural violenta, com todo mundo indo para a cidade, mas em compensação, devido à evolução tecnológica, o negócio aumentou a produtividade com menos gente.
Atualmente, quais têm sido as principais dificuldades do produtor rural?
São diversas. Desde às condições climáticas até as políticas governamentais de falta de garantia daquilo que ele produz. Normalmente, ele produz, mas não tem certeza se aquele produto dele vai ser vendido naquele preço que cobre pelo menos os custos e dê uma margem. Quase que constantemente o produtor tem tido essas dificuldades, por questões de falta de um preço realmente de garantia. Existem os preços mínimos, mas o governo nunca garante eles. Há necessidade de um preço de garantia para que o produtor possa embarcar naquilo e ter o seu sucesso garantido lá na frente. Sem contar os custos elevados de insumo. Mas, mesmo assim, com tudo isso, o Brasil hoje é um dos grandes produtores não só de grãos como de café. Café é o maior produtor do mundo, um grande produtor de soja, de milho, frutas nem se fala. Graças a Deus, com todas as dificuldades, o Brasil ainda é um dos celeiros da agropecuária no mundo, sem contar a pecuária também, é um dos maiores exportadores de carne do mundo, não só de boi, como de frango também.
Hoje a tecnologia é uma realidade no campo. Como é o desafio de acompanhar essas mudanças?
Já até está fugindo da minha realidade (risos). Nós já estamos com setenta e poucos anos, não dá para acompanhar essa evolução tecnológica moderna. Ela é muito rápida e isso está sendo jogado direto para o campo também. Hoje é outro sistema. Ao longo dos anos muita coisa mudou, continua mudando e vai mudando… Vai melhorando.
O Incra (antigo Ibra) recebeu o jovem recém-formado Sérgio Gilberto Stevanato no Rio de Janeiro, em 1968. No mesmo ano, ele prestou concurso para o extinto IBC, sendo designado para o Grupo Executivo de Racionalização da Cafeicultura (Gerca), também no Rio, onde especializou-se em fotointerpretação. Em agosto de 1970, mudou-se para Caratinga para dar andamento ao Plano de Renovação e Revigoramento de Cafezais, chefiando o projeto Serac-MG2 do IBC, que abrangia os estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em reconhecimento à sua contribuição ao município, recebeu o diploma de Cidadão Honorário da Câmara Municipal de Caratinga. Stevanato relata que “quando surgiu a ferrugem nos cafezais, a cultura estava sendo praticamente extinta. Nossa equipe teve a oportunidade de reestruturar e implantar a cafeicultura moderna no Rio de Janeiro e em Minas Gerais”. Com a extinção do IBC em 1990, assumiu a função de fiscal federal agropecuário do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento até 2000, quando aposentou-se. É coautor das primeiras edições do livro ‘Cultura do Café no Brasil’ e autor de muitas pesquisas sobre a cultura. Durante oito anos, foi diretor-presidente da Cooperativa de Crédito de Livre Admissão da Região de Caratinga (Sicoob Credcooper). Atualmente, faz parte de seu Conselho de Administração e participa da Fundação Procafé. É rotariano.