CARATINGA- Após 24 horas da chuva de granizo que ocorreu na tarde de quinta-feira (30/09), o gelo ainda cobria algumas áreas do Córrego cabeceira do Jacutinga, no distrito de Santa Luzia. O DIÁRIO esteve no local e conversou com alguns moradores, que relataram que há muito tempo não ocorria uma chuva desta proporção. Como resultado, os prejuízos para produtores rurais que tiveram suas lavouras atingidas.
Aos 50 anos, o produtor Gessoil Gino dos Santos afirma que todos foram surpreendidos com a chuva. “Dessa proporção a gente nem lembra na realidade. Nasci neste lugar aqui, meu pai mora aqui e ele já está com mais de 80 anos, ele disse que não lembra de uma chuva assim com essa intensidade. Em 2015 deu uma chuva parecida, tivemos bastante estrago, tivemos que refazer todas as lavouras, cortar, podar. Mas, com essa intensidade, ainda não tinha acontecido. Foi mais ou menos 15h30 quando começou a chover seguiu até umas 16h05. Uma chuva muito forte, praticamente não via água, caindo granizo mesmo, um barulho muito feio. Foi uma coisa horrível, até difícil de contar”.
Após a chuva, o cenário lamentável. Tudo estava coberto por pedras de gelo e o prejuízo já era certo. “Você não via as lavouras de longe, os pastos, só branco, como se fosse uma pedra que cobriu tudo. Tampou mesmo a terra de gelo, as lavouras e depois que passou levantou uma fumaça de frio, à noite, por exemplo, umas 18h, a gente saía parecia que estava dentro de um freezer de tão gelado que ficou, porque estava levantando a fumaça do granizo. Hoje (ontem) ainda levantei de manhã, dei uma volta, fiz um vídeo e encontrei muito granizo mesmo. Visitei a lavoura, infelizmente, ano passado foi produção baixa então tínhamos esperança de esse ano ter boa produção. Mas, onde passou essa chuva não tem produção novamente, vai ter que refazer”.
O produtor explica de que forma o gelo afeta diretamente a lavoura. “Quando está chovendo, a força que cai a pedra, se a gente estiver exposto, se machuca. Na lavoura é como se ela batesse as pedras em cima das folhas debulhando, vai tombando o café e arrancando todas as folhas. É a força mesmo da pedra, imagina a altura que cai. E foi muita pedra, quando são poucas pedras, estraga pouco, mas, a intensidade foi muita. É como se a gente tivesse passado uma esqueletadeira na lavoura. Esqueletou toda a lavoura, infelizmente”.
Após o granizo, no dia seguinte, o sol. Mais um fator que prejudica a produção. “É claro que aquelas folhas que ficaram, daí uns dias vão queimar como se fosse geada, porque, além de ter machucado o pé, os galhos, dá doença, vem esse sol. Vai queimar depois de uns três a quatro dias, todas as folhas que ficaram, porque a maioria foi para o chão”.
O momento é de contabilizar os prejuízos e planejar as providências. Gessoil destaca que é necessário ter paciência, pois, será preciso refazer as lavouras, serviço que demanda tempo. “As mais velhas é cortar em baixo, limpar, podar e cortar novamente. Aquelas novas que têm condição de tentar, vamos tentar refazer elas, mas, nem sabemos se vamos conseguir, vamos avaliar ainda. As lavouras de mais idade têm que cortar em baixo. Limpar, acabar de fazer o serviço que o gelo fez e podar em baixo novamente para ela brotar de novo. Geralmente, vamos levar mais uns três anos para refazer elas e voltar a produzir novamente”.
Ele reitera os transtornos enfrentados, mas, se demonstra grato pelo fato do granizo não ter provocado danos maiores. “A lavoura pra nós é o maior estrago, mas, graças a Deus, em bens materiais, outras coisas não tivemos. Teve algum pequeno estrago em telha, essas coisas, mas não foi coisa exagerada. Infelizmente foram as lavouras, todas as plantações, falamos o café, mas, quem tinha pasto aqui acabou, horta não sobrou nada. Pra nós é o maior prejuízo porque a renda nossa é a produção”.
Gessoil acrescenta que produtor rural espera a colheita a cada ano, por isso, os efeitos do prejuízo são a longo prazo. “Quando acontece isso vamos ficar até alguns anos sem renda, infelizmente, não tem como a gente reformar a lavoura e o ano que vem já produzir. Teve a chuva de 2015 e temos lavoura que foram refeitas na época e começou a produzir agora. Infelizmente, veio outra chuva e estragou novamente”.
A lavoura conta com 21 mil pés de café. Destes, 12 mil estavam em produção e nove mil iam começar a produzir esse ano. “Esses 12 mil pés são em torno de 350 sacas de café, quando produz o normal, porque não teve produção esse ano passado. Somando esse café e o preço que está o café hoje, já fiz um investimento nessa lavoura pós-colheita em torno de R$ 30.000. A gente faz para pagar na colheita, isso é Plano Safra, trabalhamos com esse investimento. O que eu investi na lavoura para pagar na colheita do ano que vem, não tenho como pagar. Esse ano a colheita foi baixa produtividade, quase todo mundo colheu pouco. O preço teve bom graças a Deus, todo mundo se preparou para uma boa colheita em 2022 e, infelizmente, vai ser pior que a desse ano porque o estrago foi geral”.
Cristina Rodrigues, que é cunhada de Gessoil, também atua na produção rural e classifica a situação como “doída”. “Tínhamos uma expectativa boa para o próximo ano, a esperança do trabalhador é o ano que vem. Lutamos constantemente com a lavoura, antes dessa chuva veio uma seca muito grande, que estava difícil para trabalhar devido a tanto sol e ansiosos pela chegada da chuva, para as floradas abrirem, infelizmente, nos deparamos com essa situação do gelo. Não deixamos de sofrer, como agradecemos a Deus pelo fato de estar bem, do teto da gente, graças a Deus, estar bem. Mas, infelizmente, sem o financeiro é difícil para manter as nossas necessidades”.
Durante o dia de ontem, Cristina atuou em contribuição aos vizinhos, com a limpeza da área. Ela acompanhou a triste situação de muitas pessoas que também tiveram seus terrenos afetados. “Nós trabalhamos, deixamos às vezes de colocar algo dentro de casa para levar para nosso serviço, que é o nosso ganha pão e como a esperança nossa é o próximo ano, já investimos pensando: a lavoura vai me dar em dobro, vai voltar para mim. E acontece essa situação, dessa chuva terrível que foi. É perca mesmo, as hortas, as lavouras, as bananeiras estão todas destruídas. Nossa perca foi muito grande mesmo, de todo mundo nesse córrego”.
“NÃO TEM COMO NÃO SENTIR”
Há 30 anos, Luciano Fernando Dutra atua como produtor rural. Ele relata que já passou por duas chuvas de granizo, em 2005 e 2015 e a terceira, que ocorreu nesta quinta-feira. “Na minha experiência não houve nesse nível. A mais devastadora desse período foi essa de 2021, que destruiu mesmo, um gelo super intenso. Quando terminou a chuva, o gelo nesse terreiro aqui estava a mais de palmo, uma coisa que ninguém aqui nunca viu parecido. Ainda tem gelo sem derreter até agora, em volta do meu galpão, isso mais de 24 horas”.
A tristeza era evidente e foi resumida em uma frase: “Não tem como não sentir”. Luciano afirma que quem atua na cafeicultura tem uma vida de muito trabalho e dedicação. “Não é só pelo lucro, gosta daquilo que faz. Chegar e ver sua lavoura destruída, dá um desânimo. Tem que seguir em frente, mas, que fica muito desanimado, fica. Produzindo, tenho em torno de 35 mil pés de café, no total 41 mil pés. Minha perca é de 15 a 20% em cima dessa área toda, porque ano passado colhi quase nada. Muito grande. Esse ano a expectativa de safra era entre 500 a 600 sacas de café, de colher. Acredito que não devo chegar em 50 sacas”.
A palavra que define este momento é recomeçar. Como sempre, a vida do produtor rural é de muita batalha, mas, a cafeicultura é a força da economia da região e, aos poucos, eles vão retomando suas produções. “Ver o que vamos fazer, se será poda novamente. É tudo de novo. Muito trabalho e esse café que vai colher, na verdade, acho que não paga nem o custo da lavoura. A adubação hoje é um preço absurdo, o que vai colher não paga nem o que vai gostar. Mas, tem que seguir em frente. Prejuízo grande, de adubo já comprei quase R$ 100.000, daqui até lá é muita coisa, agora é o começo, ainda vem remédio de solo; calcário já comprei. Não tem como pagar, fica muito longe”, finaliza.