Ildecir A. Lessa
Advogado
A expressão usada por Temer, Ordem e Progresso nos remete a inspiração de um lema do positivismo, corrente filosófica popular na época da criação da bandeira nacional, em 1889. Ela acreditava que a ciência era a única forma de progresso para a sociedade moderna. A frase original, cunhada pelo positivista Augusto Comte, era “o amor por princípio, a ordem por baixo e o progresso por cima”. O positivismo possui ideais republicanos, como a busca de condições sociais básicas, através do respeito aos seres humanos, salários dignos etc., e também o melhoramento do país em termos materiais, intelectuais e, principalmente, morais. No século XIX surgiu essa corrente de pensamento cunhada de positivismo, que teve o citado filósofo francês Auguste Comte como um dos seus defensores mais importantes. Ele defendia que o progresso era a uma das únicas saídas para a evolução da humanidade.
Ordem e Progresso também é um livro do escritor Gilberto Freyre, publicado em 1957 em que o autor aborda a transição do regime monarquista ao republicano no Brasil. Tudo isso foi formando, dentro de um contexto reportado na história, como a que o século XVIII viveu, em grande parte, na pregação da liberdade, com o Iluminismo. De forma racionalista, houve o desejo de superar o quadro antigo, acentuadamente religioso, na denúncia de privilégios sociais, traduzido na Renascença e na Reforma. Os dois movimentos são ainda, contudo, pouco claros em suas formulações, na mescla do passado e do presente, como se nota nos reformadores, de ideário confuso. O Brasil, portanto, há mais de um século busca seu destino em um futuro que acaba se revelando uma utopia enquanto parece que o passado e suas profundas cicatrizes marcam o caminho. Fruto de sua colonização voltada ao extrativismo de recursos físicos – açúcar, café, borracha, diamantes, o que o mercado internacional demandasse – e humanos – a escravidão só foi abolida em 1888 – deixa sequelas, e dimensões continentais – ainda é debate entre os historiadores as causas que tornaram possível a manutenção da união do país – impõem algumas expectativas. Por questões geográficas, históricas, culturais criaram uma sociedade excepcional e, de certa forma, bipolar. Essa é a nação, que foi construída, forjada sem a violência da Europa e Estados Unidos, e o fracasso como Estado com instituições fracas e uma democracia ainda frágil. Razão dessa construção de um Brasil, de uma sociedade onde o Estado é propriedade da família e familiares são transportados para o ambiente do Estado, é o homem que tem o coração como intermediário de suas relações, ao mesmo tempo em que tem muito medo de ficar sozinho. Esse é o nosso Brasil, país pacífico, brando, obediente aos regulamentos dos preceitos abstratos.
Torna-se necessário que façamos uma espécie de revolução para darmos fim aos resquícios de nossa história colonial e começarmos a traçar uma história nossa, diferente e particular. Isso parece que foi tentado, de forma estranha, quando se observa que, o Brasil tentou diversas vezes ao longo de sua história contemporânea inaugurar uma era de prosperidade e integração pelas mãos de presidentes que marcaram época, ainda vivos na lembrança de suas obras, da demagogia populista de Getúlio Vargas, que deixou o poder antes de ser expulso suicidando-se em seu escritório, até a Brasília de Juscelino Kubitschek passando pela imprudência esquerdista de João Goulart, – derrubado pelo golpe militar de 1964 –, até a racionalidade de Fernando Henrique Cardoso e a inspiração de Lula. Com a chegada ao poder de Lula, o operário metalúrgico, o político que representava dois de cada três brasileiros, parecia que desta vez sim, desta vez o Brasil iria se transformar na potência que o destino tantas vezes impediu. Há somente seis anos, com um crescimento econômico de 7,5%, com um país sede da Copa do Mundo de Futebol e dos Jogos Olímpicos, provavelmente não existia uma figura mundial, com a exceção de Obama, tão popular no planeta. A oportunidade parece ter-se evaporado. A corrupção no poder, incentivada pelo próprio sistema político, a ausência de reformas e a permanência de disfunções estruturais, a perda da conexão com as ruas e a trágica incapacidade para satisfazer demandas sociais em crescimento exponencial, junto com causas exógenas relacionadas à economia global, lançaram o Brasil em uma profunda crise de solução incerta.
A centro-direita volta ao poder, volta o PMDB, o partido que nunca saiu dos Estados e municípios, volta o ajuste com mãos de conquista. O País, positivamente, precisa de Ordem e Progresso, com explicações efetivas, da responsabilidade de sua classe política, mormente na construção do processo de impeachment, um julgamento político, para retirar Dilma Rousseff da presidência, o que é ainda uma incógnita de claramente saber se a democracia brasileira sairá ou não fortalecida desse transe. A esperança é que se instale o Estado com Ordem e Progresso, sem que volte a atropelar o futuro.