Senhor Antônio, 104 anos, e senhor Daniel, 114, são os entrevistados do DIÁRIO. Eles não dão receitas de longevidade, mas para estes anciões, trabalho e vida longe dos vícios foram fundamentais para alcançar essa marca centenária
SANTA RITA DE MINAS/TARUMIRIM – No final do Salmo 91, Davi disse “Fartá-lo-ei com lonjura de dias, e lhe mostrarei a minha salvação”. E lonjura de dias é o que não falta nas vidas de Antônio da Silveira Guimarães, 104 anos, e Daniel Soares de Ramos, 114. Estes dois senhores fazem parte de um seleto grupo. Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), num país de cerca de 200 milhões de habitantes, o censo de 2010 apontou que 23.760 brasileiros são centenários, sendo 3.525 só na Bahia. São Paulo vem em segundo lugar com 3.146 e Minas Gerais em terceiro, com 2.597.
Nesta semana, a reportagem do DIÁRIO entrevistou estes dois anciões, que se somadas as idades, resultam em 218 anos bem vividos. Eles são de realidades distintas. Seu Antônio se casou e constitui sua prole, já Daniel preferiu ficar solteiro; ou como ele mesmo disse: “A vida quis assim”; mostrando que aceitar os fatos pode ser um dos segredos para ter vida longa.
Sentado em uma cama está Antônio da Silveira Guimarães, conhecido carinhosamente por ‘seu Totoni’. Ele nasceu em 11 de junho de 1911, na região de Sapucaia, em Caratinga. Hoje mora em uma fazenda na zona rural de Santa Rita de Minas. O sorriso é uma de suas características. A memória também anda boa e ele se recorda de um fato vivido em 1917, quando tinha apenas seis anos de idade. Ele conta que estava caçando piriá e ficou em cima de uma pedra. “Então meu pai falou: volta que vamos caçar dentro da mata. Papai soltou os cachorros e entramos na mata. Mas eu fiquei preso na armadilha. Quando o ‘bicho’ veio, eu pedi ao papai pra atirar, mas ele respondeu ‘atirar de que jeito se você tá preso na armadilha’”, conta as gargalhadas o senhor Antônio. E esta mata ficou na memória de senhor Antônio. “Tinha muito bicho, paca principalmente”, completa.
Seu Totoni também faz brincadeiras sobre sua longevidade. “A idade tá pesada, mas tá bom. Sei de tudo o quanto há. Minha ideia tá boa mesmo. Só não assisto televisão, minha vista tá ruim”.
Vícios nunca pegaram o senhor Antônio. Ele gosta de contar que sempre teve uma vida regrada. “Saí muito pouco na minha juventude. Geralmente dormia a oito horas da noite e levantava cedo. Já fumei, mas resolvi e joguei o fumo de rolo e o isqueiro fora. Graças a Deus depois disso nunca mais fumei”. Apesar de não ter vícios, não era tão restritivo em relação a cachaça. “Tomava uma dose, mas era pra abrir o apetite”, frisa.
Em sua vida, senhor Antônio relembra que tinha prazer em tirar leite, capinar o pasto e andar a cavalo. “Não ando. Quebrei a perna. Então não posso mais satisfazer essas vontades. Mas minha saúde tá boa, estou dormindo bem, comendo bem. Só não estou andando”, conta sem rancor, indicando que tudo foi feito no seu devido tempo.
Seu Antônio foi casado e desta união nasceram 13 filhos. A prole hoje conta muitos netos e bisnetos. “Não fui um rapaz namorador. Namorei com Jovelina apenas quatro meses e nos casamos. Ela era filha de um português. Ficamos casados por mais de 60 anos”, recorda de forma afetuosa.
Uma das coisas que senhor Antônio gosta de falar é sobre sua retidão. “Nunca me levaram pra cadeia, nunca gostei de desordem. Sempre fui trabalhador e tenho muita estima. O pessoal sempre me respeitou”, ensina o mestre na arte de viver.
A respeito da alimentação, senhor Antônio não dispensa uma carne. “Papai matava capado e eu comia muita carne. É um alimento muito gostoso”, conta novamente a gargalhadas.
Maria dos Anjos é nora de seu Antônio, ela revela outros hábitos do ancião. “Ele não dispensa um leite com Toddy e também com farinha láctea. Toda manhã e toda noite o senhor Antônio pede pra gente preparar pra ele. Tem ainda queijo e pastel, além de doces, que ele come, mas com moderação”.
E a nora se lembra de outra coisa que o sogro gosta: ovos. “É mesmo, um ovinho frito é algo de valor”, diz senhor Antônio ao ouvir Maria dos Anjos.
Maria revela que senhor Antônio é muito atencioso e que todos os dias aprende algo com ele. “É uma pessoa boa, paciente e humilde. Sempre está alegre e espanta o mau humor. Senhor Antônio é organizado”, elogia a nora. “Sou muito bem tratado aqui. Minha família é um presente de Deus”, declara seu Totoni em retribuição.
Embora a data de nascimento seja 11 de junho, a festa por mais este aniversário foi realizada durante o dia de ontem. A família toda se reuniu para festejar, inclusive parentes que vivem nos Estados Unidos vieram prestigiar senhor Antônio.
“Tive sete irmãos e ninguém da minha família chegou a essa idade. Vou subindo a escada da vida e pretendo chegar mais alto. Agradeço a Deus por ter me concedido tantos anos de vida. Antes de dormir, oro todos os dias em agradecimento”, comenta senhor Antônio, desta vez mostrando toda sua fé.
E no aniversário de senhor Antônio teria um churrasco. Ao ouvir sobre os preparativos, ele não deixou por menos. “Carne de churrasco é muito dura, mas se tiver uma linguicinha…”, indica sua vontade, mostrando que está mais lúcido do que nunca.
SENHOR DANIEL
Amparado na estaca da cerca que envolve sua casa, senhor Daniel passa boa parte de seu tempo. Vaidoso, gosta de vestir uma camisa de manga curta e coloca outra de manga comprida por cima, assim fica mais elegante e se protege do frio desse final de outono. Ele gosta de ver as pessoas passarem. “Oi seu Daniel”, dizem os transeuntes. Ele retribuiu a saudação com sorrisos e acenos.
Daniel Soares de Ramos nasceu em 15 de maio de 1901. Ele é natural de Iapu, mas conta que morou no Rio Grande do Sul até chegar aos 40 anos. Seu Daniel revela que chegou a conhecer o presidente Getúlio Vargas, a quem ele chama de ‘Padrinho’. Depois de morar no sul do país, se estabeleceu em Tarumirim; e diz que chegou a cidade montado em um cavalo.
Ele não se casou. Teve um irmão, mas já falecido. Assim como seu Totoni, não tem vícios. “Nunca fumei, nunca bebi. Sempre deitei cedo e levantei cedo. Quando eu era mais novo gostava de capinar. Era bom no trabalho da roça. Tenho saudade de andar por este mundo de Deus. Buscava lenha longe”, afirma.
Embora não torça pra nenhum clube, gostava de jogar futebol. “Era center alfo”, diz se referindo como eram chamados os jogadores de meio-campo quando esse esporte ainda engatinhava no Brasil.
Mas mesmo com dificuldades, seu Daniel não dispensa uma caminhada. “Gosto de andar pela rua. Depois eu coloco uma cadeira e fico sentado em frente a minha casa”.
E seu Daniel é muito querido. Como atestam os vizinhos. Nelson Vitorino de Oliveira é o seu cuidador. “Seu Daniel é esperto e sabe o que tá fazendo”, elogia, acrescentando que no cardápio do idoso não podem faltar canjiquinha, carne de boi moída, arroz, mandioca e verduras. Ao ouvir tais palavras, seu Daniel franzi a testa, demonstrando um esforço para raciocinar, e lista: “Couve, taioba e almeirão”.
A vizinha Francisca Almerinda de Paula também elogia o idoso. “É uma ótima pessoa. Muito ativo. Acorda cedo e vem a minha casa. Todo munda gosta do seu Daniel”.
Sobre os tempos atuais, para seu Daniel, “o mundo tá muito virado”. “Nunca bebi, nunca fumei. Esse povo novo não dá valor a saúde que tem. Os médicos ensinam que se a gente não valorizar a saúde, a coisa fica complicada”, finaliza seu Daniel, repassando o ensinamento recebido.