HOJÉ É DIA DO GOLEIRO

Data homenageia o atleta que tem o objetivo de impedir que aconteça o momento mais esperado do futebol, por isso ele é exaltado pelos ‘milagres’ e chamado até de ‘santo’

 

CARATINGA – “Estava mais angustiado que um goleiro na hora do gol”, cantava Belchior em “Divina Comédia Humana”. Esse verso, recheado de melancolia, reflete o que sente o goleiro quando toma um gol, afinal ele é o atleta que tem o objetivo de impedir que aconteça justamente o momento mais esperado do futebol. Quando ele se sobressai, é endeusado pelos seus ‘milagres’ e até chamando de ‘santo’.  Mas uma simples falha pode apagar todas as defesas impossíveis. A torcida não perdoa. O goleiro vive na tênue linha entre o ‘céu’ e o ‘inferno’. “Desgraçado é o goleiro, até onde ele pisa não nasce grama”, dramatizou Don Rossé Cavaca, pseudônimo do jornalista José Martins de Araújo Júnior (1924–1965). Mas o goleiro tem o seu dia, comemorando em 26 de abril. Afinal, esse atleta merece todo o reconhecimento, pois muitos deles marcaram seus nomes na história do futebol e se tornaram eternos ídolos.

A data foi criada em homenagem ao aniversário de um grande ídolo brasileiro da posição: Haílton Corrêa Arruda, o ‘Manga’, que brilhou em times do Brasil, como Botafogo e Internacional; e do exterior, caso do Nacional (URU), onde foi campeão da Libertadores e da Taça Intercontinental (Mundial de Clubes). A ideia surgiu em 1975, por uma iniciativa do tenente Raul Carlesso, em acordo com o capitão Reginaldo Carlesso, ambos professores na Escola de Educação Física do Exército. Inicialmente, as comemorações seriam no dia 14 de abril, porém, após uma reunião entre goleiros da época, ficou estabelecido a atual data.

A posição influenciou a literatura, caso de “O Medo do Goleiro Diante do Pênalti”, de Peter Handke; que virou filme sob a direção de Wim Wenders. O cinema nacional tem o singelo “Meninos de Kichute”, de Luca Amberg, película de 2009 que conta a infância de Beto, um garoto que sonha em ser goleiro. Ele vive em uma cidade do interior e, para realizar seu sonho, terá que enfrentar o pai autoritário, que considera a competição um pecado. O Skank, com letra de Nando Reis, canta “o meu goleiro é um homem de elástico”. Até o escritor russo Vladimir Nabokov, talvez inspirado por Lev Yashin, o ‘Aranha Negra’, homenageou a posição de arqueiro:   “É a águia solitária, o homem misterioso, o último defensor. Os fotógrafos se ajoelham com reverência para imortalizá-lo em pleno salto espetacular”.

Assim como o autor de ‘Lolita’, o DIÁRIO também os homenageia. Para isso, conversamos com quatro goleiros. Jeferson ‘Paredão’, que é profissional e hoje defende o Treze (PB); Rodrigo Jorge, adolescente que é destaque nessa posição; Arthur, que marcou seu nome no futebol da região; e Goiaba, considerado atualmente um dos melhores goleiros do futebol regional.

Eles refletem os versos de um autor desconhecido, mas sempre lembrados nessa data: “Ser goleiro é ser herói e vilão exatamente ao mesmo tempo. É querer evitar o inevitável sempre achando, lá no fundo, que dava pra defender o mais indefensável dos chutes. Ser goleiro é jogar um jogo coletivo de forma quase individual e depois de uma grande defesa, ainda que não te agradeçam, saber que você é tão ou mais importante que o artilheiro. Ser goleiro é saber dizer, mesmo quando todos achem o contrário, que não houve falha, pois só quem joga lá embaixo das traves sabe o quanto defesas que parecem simples às vezes são bem mais difíceis que os pulos vistosos. Ser goleiro é ser o início e o fim do time. Ser goleiro é querer acertar quando o time inteiro já errou… Enfim, ser goleiro é ser a alma do time, mesmo num jogo onde o principal objetivo é passar por você”.

JEFERSON

O caratinguense Jeferson Gomes do Nascimento, 34 anos, ganhou o apelido de ‘Paredão’ devido suas grandes defesas. Ele começou nas categorias de base do União Rodoviário e América, depois esteve na base do Atlético-MG. Hoje é destaque no futebol do nordeste do Brasil.

Ele conta porque decidiu ser goleiro. Sua história é igual a de muitos que optaram por essa posição, mas se sentir realizado foi o ponto chave na sua escolha. “Eu tentei algumas posições na linha, como atacante, meia e lateral. Porém vi que faltava algo. Todas essas posições não me preencheram o suficiente. Não senti o amor em jogar nessas posições. Mas certo dia me colocaram no gol, foi até o Maguila que me colocou no gol”.

Jeferson relembra exatamente o que sentiu. “Nesse dia comecei a fazer defesas e gostei dessa posição e nunca mais quis sair. Amei mesmo, só que até então não sabia que era uma responsabilidade enorme, mas o fato é que tentei outras posições e somente sendo goleiro que me senti realizado, me satisfez de uma forma enorme. Foi um sonho que se tornou realidade”.

Ele ressalta que a posição de goleiro exige alguns predicados. “A primeira coisa que falo é que para ser goleiro é exigido confiança. É uma posição de extrema confiança, passou do goleiro é rede. Tem que ser um atleta de confiança do treinador e da comissão técnica. É uma dificuldade enorme, pois a bola pode passar em todos os pés, mas não pode passar das mãos do goleiro”.

Sobre atuar, Jeferson fala que é algo que exige concentração. “Temos que estar 100% concentrados, infelizmente falhas acontecem, que é algo natural, algo do ser humano. Ser goleiro é um cargo de confiança, como disse só joga um nessa posição. Isso requer regularidade. O goleiro sempre tem que passar confiança todos os dias. Essa é a maior dificuldade”.

Profissional experiente, Jeferson dá seu conselho a quem quer se enveredar nessa posição. “O principal é ter personalidade. O goleiro terá muitos bons momentos, sair de campo aplaudido, mas vão chegar situações onde cometeremos erros, coisa que acontece com todo o profissional e em qualquer área, só que o goleiro tem que estar com a mente boa. E personalidade é fundamental nesse momento. Outro conselho é amar o que faz. Nós goleiros trabalhamos demais, somos os primeiros a chegar nos treinos e os últimos a sair. Atacantes querem trabalhar finalizações e lá estamos nós, cobradores de faltas também precisam de nós. Quem quer ser goleiro tem que ter personalidade, confiança e passar segurança”, orientou Jeferson, goleiro que já parou o Santos de Neymar e Ganso.

RODRIGO

Rodrigo Jorge Lopes Lima Leonardo tem apenas 12 anos. E como boa parte das crianças sonha em ser profissional e assim proporcionar uma vida melhor para sua família. Ainda precoce, seu talento já é reconhecido. O filho de Thiago Marley e Eliane Leonardo tem no avô um grande incentivador. “Vô Joaquim Lopes (Lopa) sempre me treinava no gol. Era em cima do terraço da minha casa. Ele colocava um tapete e ficava chutando a bola e eu ia defendendo”, recorda com carinho Rodrigo Jorge.

Sua decisão em ser goleiro foi tomada ao brincar com os amigos no quintal de sua casa. “Pedi para ir no gol e comecei a gostar dessa posição”.

Ele tem dois ídolos nessa posição, que são Victor (Atlético-MG) e Manuel Neuer (Bayern de Munique e seleção alemã). Mirando nesses atletas, Rodrigo Jorge tem uma rotina de treinamentos. “Treino no campo com o professor Norivan, que é um treinamento específico para goleiro; e quadra de futsal com o professor Davi (Sesi), mas devido a pandemia do coronavírus estou parado esses dias”.

Mesmo ainda muito jovem, Rodrigo Jorge já coleciona títulos. “Fui campeão infantil pela escola CNEC, também fui o goleiro destaque nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019”.

Outro fator importante para o desempenho de Rodrigo Jorge é o apoio vindo dos pais. “Eu e minha esposa procuramos incentivá-lo cada dia mais a buscar seus objetivos e assim seu sonho de ser jogador profissional se tornar realidade. Estamos o apoiando sempre que necessário”, destaca Thiago Marley, evidenciando que a família é a base do sucesso de Rodrigo Jorge.

ARTUR

Artur Zoppellaro, 58 anos, é natural de Volta Redonda (RJ), mas morou em Belo Horizonte. Ele chegou em Caratinga no início da década de 1980. Artur tem seu nome gravado na história do futebol da região. “Vim parar em Caratinga através do Aécio, centroavante que todos conhecem. Aécio já jogava aqui e o Esporte Clube Caratinga estava precisando de um goleiro. Ele me indicou, vim, gostei e fiz parte de um tempo bom que não volta mais”, observa.

Artur recorda os campeonatos da Liga Caratinguense de Desportos (LCD) no início dos anos 80. “Eram grandes campeonatos, muito bons. Era gostoso chegar no campo e ver o estádio cheio”.

Ele avalia que teve uma passagem muito boa pelo Esporte Clube Caratinga e por outros clubes da região. Sua inclinação para ser goleiro surgiu em sua terra natal. “Tínhamos um time de futebol de salão e eu sempre gostava de pegar no gol. Foi brincando e gostando. Depois me mudei para Belo Horizonte e joguei futebol de salão no Atlético Mineiro, em seguida passei para o futebol de campo e o Aécio me trouxe para Caratinga”.

Falhas acontecem, Artur conta como se concentrar nesses momentos. “Você tem que ter muita consciência. Errar todo mundo erra, mas eu pensava onde errei e sabia que na próxima não podia errar, pois sou o último homem. Cabe orientação do goleiro e também ele depende de um bom zagueiro. Quando o goleiro orienta o zagueiro, ele se sai muito bem”, orienta.

Artur deixa seu conselho. “Se o cara gostar de pegar no gol, ele tem que ter muita determinação e também muita calma, paciência. Orientar bem ao seu time, pois um bom time depende de um bom goleiro, obviamente, o goleiro depende dos demais jogadores também. Tendo calma e paciência o goleiro vai longe”, ensina.

GOIABA

Sidney Verly, 26 anos, o ‘Goiaba’, é um dos destaques nessa posição atualmente na região de Caratinga. Ele costuma dizer que ‘já nasceu para ser goleiro’. “Tomei gosto pela posição ainda criança, quando acompanhava o meu pai. Treinadores já me disseram, ‘tem goleiro que a gente faz, mas tem goleiro que já nasce feito’. Desde sempre pensei em jogar no gol. Cresci na época do Marcos (Palmeiras e campeão do mundo em 2002 pelo Brasil), ele na Libertadores pegou pênaltis, foi decisivo. Dida (Cruzeiro, Corinthians e Milan) foi outro que tinha a qualidade de pegador de pênaltis e também foi jogador decisivo. De certa forma eles me influenciaram. Mas, um goleiro, que não canso de falar e é da nossa região, é o Pampinha. Me espelhei muito nele, gostava muito de vê-lo pegar no gol”.

“Para ser goleiro tem que ter muita dedicação”, analisa Goiaba. Ele acrescenta que hoje em dia a posição de goleiro não se restringe a cercar a bola. “Atualmente o goleiro é uma peça importantíssima num jogo de futebol, praticamente ele tem a função de atacar junto com o time. Então, isso requer muita dedicação. Quem tá começando hoje, aconselho a ter dedicação e muito amor por essa posição. Sem isso não consegue; geralmente o treinamento de goleiro é mais pesado, exaustivo, assim vem o desenvolvimento da parte técnica e ganho de conhecimento”.

Ele corrobora com o raciocínio de Jeferson, ‘goleiro é o primeiro a chegar e o último a sair’. “Temos treinamentos bem pesados, várias repetições, chutes simulando as situações de jogo. Não é só fazer defesas, é corrigir vários detalhes. Muitas vezes o goleiro treina de uma forma, várias repetições, mas no jogo ele acaba fazendo uma defesa, mas ele se preparou para ela”.

Goiaba sublima que uma das dificuldades para o goleiro do futebol amador é conciliar treino e profissão. “O nome já diz ‘amador’, então a maioria dos jogadores tem seus trabalhos, futebol não é sua fonte de renda. É muito difícil conciliar a questão do treino, mas graças a Deus tenho conseguido, seja nas academias ou nos campos. E para essa posição, quanto mais contato com bola, mais preparado o goleiro vai estar, ter tempo de jogo, tempo de bola, ou seja, requisitos que ele só aprende praticando. Treinamento ainda inclui fortalecimento muscular e questão da alimentação balanceada”.

Goiaba enaltece os treinadores que teve. Ele conta um pouco do muito que aprendeu. “Passei por excelentes treinadores dessa posição e todos frisavam sobre as possíveis falhas. Eles me ensinaram que quando o goleiro falha, este é o momento em que ele tem que ter mais personalidade. É nesse momento que ele tem que passar para o time que está confiante. Um bom time começa por um bom goleiro, mas se o goleiro estiver desestabilizado, o time também vai se desestabilizar. É nessa hora que tem que mostrar que vai corresponder às expectativas que esperam dele. Quando falho a primeira coisa que faço é reconhecer que a falha foi minha. E nunca pedir desculpas, afinal falha acontece com todo mundo. O importante é reconhecer que falhou, pegar a bola, jogá-la para o meio do campo e vamos para o jogo”.

Ainda sobre esse assunto, Goiaba toca num ponto importante. “Tem goleiros que falham por fatores psicológicos. Existem problemas pessoais que acabam refletindo em campo. Coisas que era pra ele nem tá em campo, não devia jogar. Isso ninguém vê do lado de fora. Mas no geral eu penso é que se falhei, tenho que bater a poeira, levantar e terminar a partida bem. O time ter confiança em mim. Depois do jogo analiso o que fiz de errado”, finaliza Goiaba.