Médica Marina Moura, ginecologista e obstetra especialista em saúde da Mulher do Casu Hospital Irmã Denise, fala sobre a doença que afeta tantas mulheres
CARATINGA – Crônica, progressiva, incurável. Essas são características da doença que afeta cerca de 8 milhões de brasileiras, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde. A endometriose é uma doença feminina que está diretamente relacionada com a menstruação e o aparelho reprodutor feminino. O diagnóstico em geral é tardio, podendo levar de seis a oito anos entre e mulher apresentar os sintomas e receber o diagnóstico final. O tratamento tardio que pode gerar mais dor e algumas complicações, até a infertilidade.
Mas o que é e como tratar a endometriose? Convidamos a médica Marina Moura, que é Ginecologista e Obstetra especialista em saúde da Mulher do Casu Hospital Irmã Denise, para conversar sobre a doença que afeta tantas mulheres.
O que é a endometriose?
A endometriose é uma doença crônica, inflamatória, estrogênio-dependente que ocorre durante o período reprodutivo da vida da mulher, caracterizando-se pela presença de tecido endometrial, fora da cavidade uterina, na região pélvica e tecidos adjacentes ao útero. O endométrio é uma mucosa que recobre a parede interna do útero, fundamental para que o óvulo depois de fertilizado consiga implantar nele. Cada vez que não acontece fecundação, boa parte desse endométrio é eliminada durante a menstruação. Em alguns casos, ao invés de ser expelida, parte desse sangue desloca para sentido contrário e se espalha na cavidade abdominal e nos ovários, no qual voltam a proliferar-se e a sangrar, resultando na lesão endometriótica. É considerada uma doença de origem multifatorial que resulta da junção de fatores hormonais, genéticos e imunológicos.
Um dos principais sintomas são as cólicas menstruais, um sintoma comum entre muitas mulheres. Como elas podem diferenciar a dor da cólica de uma dor causada pela endometriose?
Nas mulheres com endometriose, a cólica (dismenorreia) tem um padrão de agravamento progressivo e intensidade forte. Uma característica importante na diferenciação entre a cólica “habitual” e a cólica “endometriótica” é a falta de resposta ao tratamento convencional, ou seja, a cólica de difícil controle, resistente, de intensidade que incapacita/impossibilita a mulher de realizar suas atividades habituais.
Além das cólicas, o que mais faz suspeitar a existência da doença?
As mulheres acometidas pela endometriose, além da cólica, podem queixar-se de dores à evacuação (disquezia), dores nas relações sexuais (dispareunia), alterações urinárias durante o período menstrual, dores pélvicas generalizadas. Ou seja, os sintomas variam de acordo com a localização de tecido endometrial na cavidade abdominal e/ou pélvica (parede abdominal, ovários, intestino, ligamentos, peritônio, bexiga, sigmoide, reto e outras). Mas, é a dificuldade de engravidar é o motivo mais importante para se suspeitar da endometriose.
Qual o motivo de na maioria dos casos a doença ser diagnosticada tardiamente?
Como se trata de uma doença de origem multifatorial, as manifestações clínicas também podem ser múltiplas, variando de sintomas clássicos como a cólica (dismenorreia) intensa a sintomas intestinais, urinários, ou a ausência de sintomas, mesmo nos casos mais graves da doença. Geralmente o motivo pelo qual as mulheres com endometriose procuram atendimento médico é a infertilidade.
Quando, no toque ginecológico, aparecem sinais que sugerem a doença, como é confirmado o diagnóstico?
O diagnóstico é suspeitado a partir de uma história clínica bem colhida e pelo exame físico minucioso somado a técnicas de imagem, e finalmente comprovado pela análise histológica do tecido coletado durante a laparoscopia. A associação de laparoscopia e análise histológica do tecido endometrial é considerada padrão-ouro para o diagnóstico definitivo de endometriose. Alguns exames laboratoriais podem ser utilizados como coadjuvantes na investigação, como a dosagem de CA-125. Os exames de imagem como a ressonância magnética da pelve, ecoendoscopia retal (ecocolonoscopia), ultrassonografia pélvica e transvaginal com vias urinárias e com preparo intestinal, cistoscopia, vão comprovar, ampliar o diagnóstico da endometriose e mostrar a extensão da doença.
A mulher cuja mãe teve endometriose corre maior risco de apresentar a doença?
Apesar da origem multifatorial, estudos têm demonstrado uma predominância de endometriose em mulheres da mesma família. Mesmo sem a comprovação, estudos apontam para alterações em genes que podem elevar o risco de desenvolver a doença em cerca de três a nove vezes para irmãs e mães de mulheres com endometriose.
Quais são os outros fatores de risco. Existem mulheres com maior probabilidade de desenvolver a doença?
Os principais fatores de risco para a endometriose são a menarca antecipada; ciclos menstruais curtos (menos de 27 dias) com fluxo prolongado (mais de 8 dias) e dor menstrual intensa. A incidência de endometriose é maior nas mulheres que retardam a gravidez ou nas mulheres com histórico familiar da doença. Acredita-se que toxinas ambientais também possam predispor à endometriose, como a dioxina (grupo de substâncias químicas que são subproduto industrial de alguns processos, como a produção de cloro e certas técnicas de branqueamento de papel e produção de pesticidas). É importante destacar que a gestação e o uso de contraceptivos hormonais são fatores protetores ao desenvolvimento da endometriose.
A endometriose provoca mudanças no ciclo menstrual? Qual é a relação dessa doença com a infertilidade feminina?
A endometriose não provoca mudanças no ciclo menstrual, mas pode estar relacionada a outras patologias que modificam a regularidade do ciclo menstrual, assim como seu desenvolvimento parece relacionado a características peculiares de regularidade e duração dos ciclos menstruais (ciclos com intervalos curtos e com duração estendida). A principal consequência da endometriose na saúde da mulher é exatamente a infertilidade. Como citado acima, muitas mulheres só têm o diagnóstico de endometriose elucidado a partir da investigação de infertilidade.
Quais as formas de tratamento da doença?
Dentre as variedades de tratamento destaca-se o tratamento clínico, medicamentoso, cirúrgico, hormonal, entre outros, como a psicoterapia, acupuntura. O tratamento deve ser individualizado, baseado na história clínica da paciente, levando em conta as consequências da doença, a sintomatologia, e o comprometimento da qualidade de vida da mulher, assim como do desejo reprodutivo, a idade da paciente e as características das lesões (locais e estágio da doença). O alvo das medicações disponíveis para o tratamento da dor pélvica crônica na endometriose é o estabelecimento de um ambiente hipoestrogênico que reduz os sintomas, a resposta inflamatória e o consequente avanço da doença. O tratamento da dor relacionada à endometriose com analgésicos e anti-inflamatórios demonstra melhoria dos sintomas na prática clínica, mas não existem estudos que comprovem sua eficácia e nem os mecanismos envolvidos no alívio dos sintomas. O tratamento cirúrgico (laparoscopia pélvica) da endometriose deve ser preferencialmente conservador. Os implantes da doença devem ser tratados de tal modo que os órgãos reprodutivos permaneçam preservados. Os implantes endometrióticos devem ser removidos da pelve por meio dos métodos de excisão cirúrgica. A cirurgia laparoscópica pode ser realizada com o intuito de aumentar a fertilidade e a chance de sucesso depende da gravidade da doença. Não existem dados consistentes de literatura que afirmem qual a melhor opção, clínica ou cirúrgica, para o tratamento de mulheres com endometriose.
Existe alguma maneira de prevenção?
A endometriose é uma doença de diagnóstico difícil, enigmática, sem cura e mesmo não sendo considerada maligna, gera graves danos à vida da mulher. A terapia hormonal e a laparoscopia pélvica não curam a doença, mas podem amenizar as manifestações de modo parcial ou completo nas pacientes. A suspensão hormonal dos ciclos menstruais colabora para impedir ou retardar a evolução da doença.