Karina Brasil Pires Coelho
Com a chegada do meu neto Gael, há um ano e meio, o mundo infantil ocupou o meu cotidiano irrevogavelmente. Passar alguns dias, ou mesmo algumas horas, integrada às suas inúmeras descobertas, às suas surpreendentes reações, quando está envolvido com os brinquedos ou com os personagens dos desenhos e a tudo o que envolve esse universo, tornou-se um hábito extremamente prazeroso. A maneira como ele se encanta com tudo que o cerca é contagiante.
Essa proximidade aguçou minha percepção acerca do universo das crianças na atualidade, principalmente no que se refere aos fenômenos midiáticos do momento, ou seja, no que é oferecido pelo mercado audiovisual e veiculado pelas TVs aberta e paga e pela Internet. Além do fato de prenderem a atenção da garotada com as imagens e os sons, na maioria das vezes, os personagens são transformados em produtos licenciados, como Peppa Pig e A galinha pintadinha, que encantam as crianças e, por isso, impulsionam o comércio.
Então, o mercado fica de olho, vê o fascínio da criançada por um determinado personagem, recria-o, tira-o do mundo virtual e torna-o palpável. A publicidade se encarrega de torná-lo quase que essencial para a criança que, encantada, com sua natural desenvoltura, olha o pai, a mãe, o avô, a avó etc. e pede.
E, assim, um vai alimentando o outro.
Esse encantamento, pela forma como é explorado, especialmente na faixa etária de zero a sete anos, período em que essa influência é maior, entusiasma e gera “crianças consumidoras”. Apesar de todos os canais de TV terem que observar o limite máximo de 25% em publicidade do horário da programação diária e, no caso da publicidade infantil, as TVs abertas terem restrições contundentes, nas TVs pagas, a Lei 12.485 estabelece limites mais brandos para essa publicidade, regulamentada pela Instrução Normativa 100 da Agência Nacional do Cinema (ANCINE): “(…) sendo que no horário nobre, a veiculação de publicidade fica limitada a 105 minutos em canais de conteúdo infantil e adolescente e a 90 minutos nos demais canais de programação”. (http://www.ancine.gov.br/faq-lei-da-tv-paga).
Dessa forma, perceber que a publicidade nas TVs pagas é maior que nas abertas gera um certo alívio, já que o acesso a esse veículo de informação, felizmente, nesse caso, ainda é relativamente pequeno no país. Mas o fato é que, seja com maior ou menor tempo, a publicidade está presente nas TVs e, por uma série de motivos que não cabe discutir nesse artigo, as crianças são um público numeroso, assíduo e influenciável. Se a publicidade pode manipular, os pais/adultos devem estar vigilantes, atentos às reações que ela provoca nas crianças e, na medida do possível, não satisfazer os desejos “consumistas” que as propagandas tentam criar no público mirim.
De acordo com a Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), o mercado de brinquedos no Brasil fechou o ano de 2014 com um faturamento em torno dos R$ 9,5 bilhões – crescimento acima de 11% sobre R$ 8,5 bilhões de 2013. A venda do segmento linhas de brinquedos – bonecos e bonecas em geral e seus acessórios – liderou o ranking de maior destaque de 2007 até 2012, com porcentagens que variaram de 19,5% a 16,2%, respectivamente. (http://www.abrinq.com.br/download/A_forca_do_brinquedo_Estatisticas_2013.pdf).
Não por acaso, o tema da redação do Enem de 2014 – Publicidade Infantil: perigoso artifício –, inesperado para a grande maioria dos estudantes, levanta esta questão tão importante e, ao mesmo tempo, diluída e despercebida nas muitas informações da vida cotidiana da sociedade.
Uma reflexão necessária reporta ao papel do governo brasileiro na condução do processo de educação pelo lúdico, pelo brinquedo. O país possui 1 70 mil escolas e 23 milhões de alunos no ensino fundamental, segundo o presidente da ABRINQ,
Synésio Batista da Costa, que antecipa: “em poucos anos, o governo se transformará no maior cliente do setor”.
Entre os dias 07 e 10 de abril, em São Paulo, acontecerá a 32ª Feira de Brinquedos (ABRIN), patrocinada pela ABRINQ. A feira, que acontece anualmente, há 32 anos, é considerada o maior evento do setor de brinquedos da América Latina, e tem por objetivo fomentar negócios entre empresários, fabricantes, distribuidores, lojistas, importadores, atacadistas e demais integrantes da cadeia produtiva desse campo.
Se quisermos compreender mais sobre a influência da publicidade nas nossas crianças, vale a pena acompanhar os lançamentos de brinquedos dessa feira. Ela é o demonstrativo de como o marketing, cujo papel, entre outros, é despertar desejos e incentivar a realização deles, alcança, com relativa facilidade, esse filão que é o público mirim, principalmente quando os produtos evolvidos são os copiados dos desenhos ou das músicas. O ideal, talvez, é que exista um marketing mais ético, especialmente, quando o público-alvo for a criança, uma vez que ela não tem poder de compra, mas tem uma capacidade nata para o encantamento.
P.S. Na semana passada, depois de relutar um pouco, presenteei meu neto com uma boneca, a Peppa Pig. O sentimento de alegria que o envolveu quando apertou-a num abraço, joga por terra, quase tudo que escrevi neste texto.
* Karina Brasil Pires Coelho. Professora no curso de geografia do Centro Universitário de Caratinga – UNEC, Graduada em História – FUNEC, Pós-graduada em Geografia Física – UFMG, Mestre em Geografia e Análise Ambiental – UFMG, Doutora em Geografia – Tratamento da Informação Espacial – PucMinas
Mais informações sobre a autora em http://lattes.cnpq.br/0437311373321693