*Eugênio Maria Gomes
Há alguns meses, de repente, comecei a me dar conta de que havia uma melodia no ar, ocupando todos os horários e cômodos da casa, cuja letra – cantada de forma alternada em Português e Inglês -, era repetida insistentemente: “Livre estou, livre estou. Let It Go, Let It Go!”. Eu não tinha a menor ideia de onde tinha saído tal música e só fui entender o contexto daquela cantoria desenfreada quando vi a pequena Maria, pela primeira vez, vestida com aquela roupa azul que me fora pedida de presente e busquei informações a respeito de Frozen, a Aventura Congelante.
Considerado um dos campeões de bilheteria da Disney, Frozen narra a aventura das princesas Elsa e Ana, que vivem no reino de Arendelle, congelado por conta dos poderes da primeira. O filme é o grande responsável pelo retorno da Walt Disney Animation Studios à condição de grande produtor de musicais de alta qualidade, pois Frozen não apenas ganhou o Oscar de melhor filme de animação, mas também o de melhor canção original: Let It Go!
Um título cuja tradução ao Português foi convencionada como “Livre Estou”, mas que nos aprisiona na cantoria dos milhões e milhões de pequenas princesas, em todo o mundo. Pois bem, eu também tenho as minhas princesas… Até a semana passada, era apenas a princesa Elsa. Agora, ganhei também a princesa Ana… E continuo a ouvir, insistentemente, a todo o momento, “Livre Estou, Let It Go”.
Vestida de Elsa, Maria passou a descer a escada de sua casa como se estivesse saindo do castelo, cantando a tal música e gesticulando como se fora detentora dos poderes congelantes. Até aí, tudo bem, já que o vovô a encontra, rotineiramente, três vezes por dia. Mas, aí surgiu a professora Ângela e o carnaval…
Eu já havia recebido o pedido para comprar a boneca que canta imitação da princesa. Não sabia, mas estava tendo sorte por não encontrá-la. Até procurei em muitas e muitas lojas, a cada vez que viajava. Minha sorte acabou quando a mãe da minha princesa descobriu a professora Ângela em Orlando, levando seu filho para o passeio no mundo encantado da Disney. Mesmo sendo mãe de um menino, ela pagou o seu preço: veio ouvindo “Let It Go” dos Estados Unidos até aqui.
A boneca não para de cantar! Dotada de um sensor de movimento, ao menor sinal de aproximação – às vezes sem nenhum sinal, mas apenas o efeito do vento ou da luminosidade -, a boneca canta, repetidamente, a tal melodia. No começo é bonito, engraçado mesmo, mas depois, torna-se insuportável…
O período de carnaval foi o segundo responsável por não conseguir parar de ouvir a tal “musiquinha”… Resolvemos aproveitar o feriado para fazermos uma viagem juntos. E, “juntos” para a Maria significa carregar toda uma parafernália de brinquedos, baldinhos de praia, fantasias e, claro, bonecas. Nem é preciso dizer que, entre elas, Elsa não faltaria. Enquanto escrevo este texto, Elsa está cantando, cantando, cantando…
Cantou em cada trecho da viagem: Caratinga a Teresópolis, de Teresópolis ao Rio, do Rio a Aparecida, de Aparecida a Penedo. A viagem, ainda, está em curso no momento em que escrevo este texto, mas sei que ainda cantará muito, em todos os lugares por onde passarmos. No carro, desta vez não pude ouvir MPB e Analígia… Alfredo, assim que colocou o ”Aviões do Forró”, ouviu o grito da princesa informando que a música estava atrapalhando a outra princesa a cantar “Livre Estou, Livre Estou, Let It Go!”.
A música cantada por Elsa encontra-se na lista das dez músicas mais cantadas em todo o mundo e, Jennifer Lee não teve saída a não ser pedir desculpas por fazer com que os pais, avós, tios, padrinhos e amigos tenham de escutá-la o tempo todo, em todo o planeta.
Por mais cansativo que seja escutá-la, “Livre Estou” há de nos trazer à lembrança o importante fato de que, geração após geração, somos invariavelmente encantados pelo sorriso aberto e pelo brilho no olhar que as crianças espelham ao verem suas princesas, seus duendes, seus heróis e fadas madrinhas flutuarem de um lado ao outro, com seus objetos mágicos embalando seus sonhos, seus desejos, sua imaginação…
De toda sorte, resta-me a esperança de que, pelo menos, duas coisas aconteçam em relação a essa música: que as próprias crianças se cansem dela daqui a pouco e que, como resultado de tanta exposição à melodia, elas aprendam e busquem o verdadeiro sentido de Liberdade: “Livre Estou, Let It Go”. Liberdade que se encontra cotidianamente ameaçada pelos mais variados perigos. Do autoritarismo ao consumismo; do egoísmo à falta de compaixão e de solidariedade.
* Eugênio Maria Gomes é professor e funcionário do Centro Universitário de Caratinga. É membro da Academia Caratinguense de Letras, do Lions Clube Caratinga Itaúna e da Loja Maçônica Obreiros de Caratinga. É presidente do MAC – Movimento Amigos de Caratinga.