Ildecir A.Lessa
Advogado
Algo está acontecendo na República Federativa do Brasil, que ninguém é capaz de decifrar. Lula na prisão, impossibilitado de disputar as eleições e com quase 40% das intenções de voto nas pesquisas. Isso a poucas semanas de ir às urnas. Mercados, analistas políticos, não decifram. O Brasil está na condição de um laboratório político. Lula não saiu à rua contra sua detenção, nem gritou em massa que é inocente. O que então esse Brasil vê em Lula para querer continuar votando nele com maior afinco que em todos os outros candidatos? Talvez uma miragem, mas quem conhece o deserto sabe a força até mesmo espiritual que traz a esperança de poder encontrar um poço de água fresca.
O Comitê Internacional de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou, sexta-feira (17/8), posição favorável ao exercício pleno dos direitos políticos do ex-presidente Lula na campanha eleitoral à Presidência da República, mesmo que esteja preso. A ONU entende que Lula tem direito de exercer a condição de candidato na eleição de 2018 até que se esgotem os recursos pendentes de sua condenação, tudo sob a ótica do art. 25 do Pacto de Direitos Civis da ONU.
Na avaliação do ministro da Justiça de Michel Temer, Torquato Jardim, a decisão da ONU, “não tem relevância jurídica”, classificando a decisão da ONU como uma “intromissão política e ideológica indevida em tema técnico-legal”. A Procuradoria-Geral da República, reafirma que Lula não reúne condições legais de ser candidato, preferiu não se pronunciar sobre a decisão da ONU. O Ministério das Relações Exteriores, Itamaraty, colocou sob dúvida o cumprimento da liminar emitida pelo Comitê de Direitos Humanos da ONU a favor do ex-presidente Lula. O professor de direito da FGV-Rio Michael Mohallen diz que “o Brasil enfraquece organismos internacionais ao não cumprir decisões baseadas em tratados dos quais foi signatário voluntariamente”. Há algo que os outros candidatos não devem, entretanto, esquecer: os sonhos que Lula, da prisão, continua oferecendo como um chamariz aos milhões de brasileiros que querem ainda votar nele se a lei permitisse continuarão vivos no coração desse Brasil laboratório, que abriu os olhos, que reflete mais do que ontem, que é mais livre para processar os políticos, que já não os perdoa por tudo como antes.
É como a guerra liderada por Antônio Conselheiro, cenário de um reflexo eloquente das contradições que existiam naquela época e ainda persistem nas relações sociais. O fanatismo religioso, a ignorância, a crença em milagres e na salvação no além substituem o estudo objetivo das causas pelas quais a massa camponesa seguiu o seu líder, organizou-se e pegou em armas com tanta obstinação, dando um exemplo de heroísmo como encontramos poucos na história contemporânea. Veio a explicação messiânica, pré-lógica, carismática e finalmente pré-política do movimento. Canudos só pode ser entendido cientificamente como um movimento político. Quando Antônio Conselheiro fundou o arraial de Canudos, fê-lo decidido a marcar uma nova etapa na luta que vinha liderando.
Durante esse período o peregrino foi preso, perseguido pelo clero e travou uma escaramuça com a polícia. Decidido a estabelecer uma base territorial para o movimento percorreu, várias terras, até chegar à região de Canudos. Antônio Conselheiro não se considerava mais o peregrino, o missionário secular, o evangelizador que palmilhara o sertão no desempenho da missão divina. “Julgava-se o Conselheiro”. Ao que parece, temos um novo Conselheiro, em pleno Século XXI, que tem uma habilidade ímpar, de organizar as massas para seguir em frente, à terra prometida. Conselheiro Lula!