Populares buscam diálogo com Executivo e Legislativo para permanência em área desapropriada pelo município de Caratinga em 2009
DA REDAÇÃO– No dia 9 de setembro, várias pessoas demarcaram lotes em um terreno situado à rua Dona Leleca, nas proximidades do Conjunto Habitacional, no bairro Santa Cruz. Essas pessoas disseram que não têm casas próprias e que não estão tendo condições de pagar aluguel. Elas também cobraram programas voltados para moradias populares em Caratinga.
O movimento está perto de completar um mês e de lá para cá, as famílias já promoveram duas manifestações na Câmara de Vereadores de Caratinga, em busca de apoio para que possam permanecer no local e fixar moradia. Após inúmeras tentativas de negociação, eles conseguiram um contato com representantes da Prefeitura e da Câmara.
No entanto, o caso é complexo e envolve três partes: os populares, a Prefeitura de Caratinga e uma pessoa que se considera proprietária do terreno.
DIÁLOGO COM O MUNICÍPIO
Na última quinta-feira (28), os representantes do movimento participaram de reunião realizada no gabinete do prefeito. O chefe de gabinete, Hernandes Huebra representou o prefeito e o vereador Ronaldo da Milla (PSB), a comissão que foi designada na Câmara de Vereadores de Caratinga, para acompanhar este caso.
O presidente da Associação dos Sem Casa de Caratinga, João Lourenço, o ‘João Cabeção’, fez um balanço positivo do encontro e disse que a associação irá providenciar a documentação exigida pela Prefeitura de Caratinga, para que o assunto possa ser passado diretamente ao prefeito Dr. Wellington. “O que foi feito aqui foi até muito bem aproveitado. Nosso objetivo foi buscar parceria com o município. O município pediu e é viável, a análise do cadastramento. Foi feita uma votação entre a comissão, com três pessoas aprovando, uma discordando, e vamos cumprir esse acordo. Vamos levar uma boa informação para as famílias, mostrando que o município quer entrar numa parceria com a gente. Também quero agradecer ao vereador Ronaldo da Mila que veio, o presidente da Câmara que montou uma comissão séria. E dizer as famílias que já vamos começar a construir agora de alvenaria, não vamos ter barraca mais não. Daqui uns dias vão se ver casas lá de tijolos, porque tem família morando debaixo de lona”.
João Cabeção ressaltou a intenção de manter o diálogo com o Executivo e destacou que a lista já conta com 300 famílias e outras 184 na lista de espera. “Só discordei quando a Prefeitura falou pra nós entrar (sic) em uma lista de espera. Isso não é viável pra nós, que está lá dia e noite capinando, roçando e alguém entrar na nossa frente. Quem está na lista de espera pode ficar tranquilo, desde que não tenha imóvel, que não vendeu lote nas ocupações de 94 pra cá; porque
neste ano foi feita a ocupação e eu tenho todo o cadastro de quem vendeu ou não. Então, lá vai ser um cadastro limpo. Também peço desculpa a sociedade, que se eu errei foi tentando acertar. Meu pensamento é ajudar a comunidade”.
O chefe de gabinete Hernandes Huebra classificou o momento com uma “conversa inicial”, para o município tomar conhecimento, principalmente, em relação à documentação que a associação possui e qual a real situação social das pessoas que estão na lista demarcação de terrenos. “Então fiz o pedido pra como a gente vai se tratar de uma ação pública é preciso que tenha conhecimento dos documentos que ele (João Cabeção) tem. Ele chamou o município numa parceria, falei que o município é parceiro desde que esteja correto, em qualquer situação. Hoje já abriu esse diálogo como o prefeito pediu. É transparente, para que seja solucionada essa questão. Quando fiz pra ele o pedido dessa lista é para que o município tenha conhecimento e que passe pela Secretaria de Ação Social para saber a real situação de cada família que está na lista dele, além que o município já tem uma lista nessa área para casas populares”.
IMBRÓGLIO JUDICIAL
De acordo com a Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, o Loteamento Itaúna, situado no Bairro Santa Cruz, área de propriedade de Márcio Lúcio Magalhães, irmão do à época procurador-geral do município, Salatiel Ferreira Lúcio seria utilizada para construção de 121 casas pelo programa Minha Casa, Minha Vida.
Ainda segundo a Ação, a área desapropriada pelo município de Caratinga em 10 de março de 2009 mede 20.638,70 m², tendo sido acordado com o proprietário, “sem escritura pública”, o valor de R$ 726 mil, dividido em seis parcelas, cujo pagamento seria iniciado no mesmo mês, ou seja, março do corrente ano.
A decisão de primeiro grau, proferida em 17 de junho de 2009, deferiu a liminar, ressaltando que não havia sido celebrado o negócio jurídico mediante escritura pública e que, de acordo com os autos, o imóvel teria sido avaliado por valor muito superior ao valor de mercado, uma vez que em 27 de novembro de 2008 o requerido Márcio Lúcio Magalhães adquiriu de um casal, por apenas R$ 30.000, metade de uma área de terras legítimas de 60.371,00 m², dentro da qual se encontra a área desapropriada, sendo que na época do negócio o município avaliou o referido terreno, que é superior à área desapropriada, em R$ 150.000.
De acordo com o documento, tal avaliação se refere a uma área “muito maior que o terreno desapropriado. Registre-se que as avaliações promovidas para aquisição do imóvel pelo município levaram em conta que a infraestrutura do loteamento já estaria pronta, ou seja, tal avaliação foi feita em perspectiva, conforme declaram os membros da Comissão de Avaliação e corretores em depoimentos prestados ao Ministério Público.
Conforme frisado pelo Ministério Público, como o Decreto Expropriatório foi editado em 10 de março de 2009, o valor do imóvel deveria corresponder apenas ao terreno, sem as obras de infraestrutura, relativo à data da edição do Decreto. Ainda ressaltou que as obras que estariam sendo realizadas no local, “pelo que declarou Márcio Lúcio, não foram
licitadas, o que ao certo viola os princípios da administração pública”. Com isso, a obra foi embargada.
O advogado Salatiel Ferreira Lúcio falou sobre o desenrolar deste caso na Justiça e fez algumas considerações sobre a invasão promovida no mês de setembro. “O meu irmão esteve lá com três viaturas e mostrou pra ele a escritura. Mesmo que fosse do município, qual o direito que o cidadão tem de invadir um terreno público? Aliás, aquele terreno já era para ter ali casas populares, mas infelizmente o promotor na época entendeu que não deveria ser feito e está dando o que está dando hoje. Se tivesse resolvido aquela situação na época, ali estariam casas populares. Hoje não tem porque inclusive está na Justiça, já ganhamos a ação aqui em Caratinga e o Ministério Público recorreu. É uma situação que eles sabem de quem é o terreno muito bem e outra coisa, se fizer um levantamento vai encontrar lá pessoas que já têm casa e está lá simplesmente por invadir. É só pegar os nomes e vamos levantar se essas pessoas realmente não têm moradia. Agora, a forma de adquirir moradia não é dessa forma”.
ALEGAÇÕES DE AMEAÇAS
Após a reunião de quinta-feira (28), João Lourenço e Salatiel trocaram alegações de ameaça. Em entrevista à Sistec, João Cabeção ressaltou o desejo de “deixar a público” que teria sido ameaçado pelo advogado. “Ele deixou bem claro que poderia me matar. O gesto que ele fez, falando: ‘Estou te avisando’. Se acontecer alguma coisa com João Cabeção, pode procurá-lo, pois essa ameaça partiu dele. Têm testemunhas que viram ele me ameaçando
e as câmeras de segurança estão aí para provar. Vou sentar com meu assessor jurídico para ver a providência que vamos tomar”.
Por outro lado, Salatiel Ferreira Lúcio negou a acusação, afirmando que as pessoas em Caratinga lhe conhecem e sabem da sua “reputação e conduta”. “Não ameacei ninguém. Fiquei sabendo aqui na Prefeitura que eles estavam comentando que sabiam onde é o meu escritório e onde a Martinha minha irmã mora. Desci e disse para eles que se estivessem com intenção de invadir o meu escritório eles seriam muito bem recebidos, que vá lá para eles provarem como que seriam recebidos. Porque já invadiram o terreno do meu irmão numa atitude totalmente de desrespeito à lei. Não sou pessoa que tem uma conduta irregular com relação a isso, só disse a ele o seguinte, que não vá ao meu escritório me ameaçar porque não vão ser bem recebidos. Não disse mais nada, tinham pessoas lá e ouviram, que vieram também me falar o que ele disse antes. Acho que o que ele disse antes é mais uma ameaça. Não sou de ameaçar ninguém, sou advogado, conheço os meus direitos, inclusive o rapaz que estava junto com ele subiu até minha sala e disse pra mim que se eu fosse homem, que eu subisse lá no morro. Então, isso é ameaça ou é carinho? Não tenho medo dessas ameaças. Mas, houve uma advertência para que eles não fizessem isso, porque se fizerem vai ter troco, lógico que vai, na Justiça ou para defender a minha posse. Estão querendo distorcer as conversas, agora se vier me agredir, a toda ação há uma reação. Estou tranquilo, acho que quem está errado nessa história não sou eu. Quem está errado é quem está invadindo terreno dos outros”.