• Eugênio Maria Gomes
José saiu de casa às sete horas, informando à empregada que voltaria assim que pudesse, para lhe pagar o soldo do mês, pois havia se esquecido de passar no banco. Tinha uma reunião importante com alguns fornecedores e precisava separar alguns relatórios que seriam usados no encontro. A empregada que esperasse, afinal, dez dias de atraso no pagamento é muito pouco perto do atraso salarial praticado por algumas empresas neste período de crise econômica. Passou na padaria e solicitou um pão na chapa, um copo de café com leite, três pães de queijo e uma garrafa de água mineral, para viagem, pois faria o desjejum enquanto analisava alguns documentos, antes da reunião.
A funcionária do caixa, devido a uma falha na anotação feita pela atendente do balcão, deixou de cobrar a água mineral, informando-lhe o valor de R$6,25 e recebendo de José uma nota de R$10,00 para efetuar o pagamento. Como troco, também por falta de atenção, devolveu-lhe R$4,75. José, com as duas mãos ao volante, era só alegria antes de dar partida no veículo, já que havia lucrado R$1,00, além de receber uma garrafa de água mineral de cortesia. O dia prometia!
Ao chegar ao local de trabalho, já um pouco após o horário de entrada, passou logo pelo setor de controle do ponto e, percebendo que não tinha ninguém por perto, registrou, cravado, sete horas. Faria bonito quando o chefe verificasse a folha no final do dia.
Recebeu os fornecedores, discutiu preços, questionou a qualidade como bem convém a um representante da empresa e definiu as quantidades que seriam adquiridas. Ao final do demorado encontro forneceu a sua conta bancária para depósito do esperado percentual que receberia a título de “agrado” por parte da empresa fornecedora. Saiu às pressas após o encontro para poder pegar o dinheiro necessário para pagar a empregada. Estacionou em fila dupla e, ao chegar na área dos caixas eletrônicos, fez jus aos seus cabelos brancos entrando na fila destinada aos atendimentos preferenciais, não obstante ter, apenas, cinquenta e nove anos. Deu certo!
Retornou à sua casa, pagou a empregada e foi encontrar um amigo que prometia dar um “jeitinho” de reabilitar a sua carteira de motorista, suspensa por excesso de multas. O tal “amigo” lhe adiantou por telefone que havia aprendido a “mexer no sistema” e retirar os seus pontos. Ele não tinha certeza se daria certo, mas não lhe custaria nada tentar, pois, o amigo somente receberia o valor combinado se a “coisa” funcionasse.
Almoçou com o amigo e lhe entregou todos os dados. Despediu-se e, no caminho de volta ao trabalho, telefonou para outro amigo em São Paulo que lhe prometera uma “encomenda” muito especial: um diploma de segundo grau, necessário para a sua inscrição em um concurso público. Receberia o documento em dez dias.
Chegou à empresa, fez alguns atendimentos e terminou o último dia do mês atordoado, já pensando na Declaração do Imposto de Renda que precisava entregar e nas “maracutaias” que faria para reduzir a alta carga de impostos. Terminado o serviço, tomou um banho e foi assistir ao jornal da noite:
“O juiz federal Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal do Paraná, aceitou nesta terça-feira (28/07) a denúncia formal do MPF (Ministério Público Federal) contra o presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, e mais 12 citados por crimes de corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro no âmbito da operação Lava Jato…”.
José não se conteve: “É isso mesmo Serjão, prenda essa turma toda… Bando de corruptos, corja de ladrões! No próximo movimento contra a corrupção estarei na rua. Quero ver todo mundo preso, vamos passar o Brasil a limpo!”.
Infelizmente, esse é um comportamento muito comum, em muitos de nossos compatriotas. Esquecem-se, eles, que não há pequena corrupção nem grande corrupção. Esse mal social não comporta gradação. Se há alguma relação entre a prática cotidiana de José e a prática daqueles que hoje se encontram sob a mira da Justiça Federal de Curitiba, é que a segunda não existiria se não houvesse a primeira!
E o fim dessa mazela, desse cancro que está corroendo nosso país, só se iniciará quando nós, o povo, os brasileiros comuns, começarmos a mudar nossas práticas, começarmos a resistir à tentação de nos comportarmos corruptamente.
E, principalmente, não podemos esquecer que só um povo corrompido tolera, passivamente, um governo corrupto…
• Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.