VOLTA ÀS AULAS

* Cláudia Cardoso da Cruz Gomes

 

O início do semestre letivo é um momento muito especial, para pais, alunos, professores, enfim, para toda a escola. Muitas atividades são realizadas e uma em especial para receber seus alunos, razão de uma escola existir! E não é diferente nas escolas de ensino superior.

Neste início de semestre tivemos a satisfação de, ao receber nossos alunos, de sermos brindados com a declamação do poema, “Ai! Se sêsse” do poeta Zé da Luz, por uma aluna, do curso de letras, tão brilhante quanto o poeta.

 

Ai! Se sêsse!…
Autor: Zé da Luz

Se um dia nós se gostasse;
Se um dia nós se queresse;
Se nós dois se impariásse,
Se juntinho nós dois vivesse!
Se juntinho nós dois morasse
Se juntinho nós dois drumisse;
Se juntinho nós dois morresse!
Se pro céu nós assubisse?
Mas porém, se acontecesse
qui São Pêdo não abrisse
as portas do céu e fosse,
te dizê quarqué toulíce?
E se eu me arriminasse
e tu cum insistisse,
prá qui eu me arrezorvesse
e a minha faca puxasse,
e o buxo do céu furasse?…
Tarvez qui nós dois ficasse
tarvez qui nós dois caísse
e o céu furado arriasse
e as virge tôdas fugisse!!!

 

O que dizer de um poema que traz tantos “erros” no que se refere ao uso da norma culta da língua portuguesa?

O renomado linguista brasileiro Marcos Bagno, professor do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução da Universidade de Brasília, doutor em filologia e língua portuguesa pela Universidade de São Paulo, tradutor, escritor premiado diversas vezes por suas inúmeras publicações, dentre as premiações recebidas está o Prêmio Jabuti, a mais importante premiação do livro Brasileiro, se destaca hoje, especificamente, na área da sociolinguística estudando o tema preconceito linguístico. Em uma de suas obras, uma das mais conhecidas, “Preconceito Linguístico, o que é, como se faz”, ele instiga o leitor a pensar sobre a língua e questiona. “Você sabe   o   que   é   um igapó?  Na   Amazônia, igapó é   um trecho   de   mata   inundada, uma   grande   poça   de   água estagnada às margens de um rio, sobretudo depois da cheia. Parece-me uma   boa   imagem   para   a   gramática   normativa. Enquanto a língua é   um   rio   caudaloso, longo   e   largo, que nunca   se   detém   em   seu   curso, a gramática   normativa é apenas   um   igapó, uma   grande   poça   de   água   parada, um charco, um brejo, um terreno alagadiço, à margem da língua. Enquanto   a   água   do   rio/língua, por   estar   em   movimento, se renova   incessantemente, a   água   do   igapó/gramática normativa envelhece e só se renovará quando vier a próxima cheia.”

A metáfora criada pelo autor, bem como toda sua obra, causou e ainda causa muitos conflitos e até constrangimentos entre linguistas e gramáticos envolvendo também professores de língua portuguesa e até mesmo leigos no assunto, pois de forma equivocada alguns entendem que não precisamos mais aprender a norma culta, o que não é verdade. A leitura da obra nos conduz para a importância e beleza da língua e não somente da norma culta, que é imprescindível, e deve ser ensinada na escola.

Assim podemos afirmar que é inegável a beleza da língua que o ilustre autor utiliza em seu poema e mais uma vez volto ao linguista que diz “só existe língua se houver seres humanos que a falem”. E quanto ao poema e a apresentação da aluna nos cabe aplaudir com admiração!

 

*Cláudia Cardoso da Cruz Gomes é Coordenadora do curso de Letras e professora dos cursos de Letras e Pedagogia do Centro Universitário de Caratinga – UNEC