Trabalho infantil: quando o país escolhe roubar a infância
Ainda há quem aplauda crianças que trabalham cedo. Dizem que isso “forma caráter”, que “tira da rua” e que “ensina responsabilidade”. Mas que tipo de país precisa roubar a infância para ensinar dignidade?
Nas ruas de Belo Horizonte, crianças vendem balas nas portas de restaurantes enquanto adultos jantam tranquilos. Muitas estão acompanhadas por mães, tias ou avós. Não estão ali por escolha. Estão ali porque a pobreza foi naturalizada — e o trabalho infantil, normalizado. Quando são expulsas por seguranças, aprendem cedo outra lição: o incômodo não é a exploração, é a presença delas.
A justificativa se repete: o dinheiro é “extra”, serve para comprar comida melhor, um celular, um tênis de marca. Como se desejo de consumo justificasse a violação de direitos. Como se fosse aceitável trocar escola por moedas.
E então surge o bode expiatório da vez: o Bolsa Família. Aponta-se o dedo para o programa, como se ele incentivasse o trabalho infantil. Não incentiva. O Bolsa Família existe justamente para manter crianças longe do trabalho e dentro da escola. Quando isso falha, não é o programa que erra — é o Estado que se ausenta.
O problema é mais profundo. É estrutural. É um país que oferece renda mínima, mas não garante escola atraente, ensino de qualidade, transporte digno nem perspectivas reais de futuro. É um sistema que cobra frequência escolar, mas não entrega sentido à educação.
Enquanto isso, crianças aprendem cedo que estudar demora e trabalhar rende. E o passo seguinte é conhecido: da venda de balas para o mercado informal, do mercado informal para o tráfico, do tráfico para a estatística da violência. Nada disso é acaso. É método.
Diante desse cenário, cresce o discurso do extermínio: “tem que matar traficante”, “tem que acabar com tudo”. Mas ninguém quer matar a fome, a desigualdade ou o abandono. A violência vira espetáculo, enquanto as causas seguem intactas.
Proteger a infância exige mais do que indignação seletiva. Exige políticas públicas contínuas, conselhos tutelares fortalecidos, escolas que dialoguem com a realidade dos jovens e famílias amparadas de verdade. Exige presença do Estado onde hoje só há ausência.
Aceitar o trabalho infantil é aceitar um país menor, mais desigual e mais violento. É formar trabalhadores precoces e cidadãos descartáveis.
Se o Brasil continua permitindo que crianças trabalhem para sobreviver, a pergunta não é se elas serão adultos responsáveis. A pergunta é: responsável por qual futuro — e para quem?
Eliane Aquino, secretária nacional de Renda de Cidadania do MDS nos apresenta os seguintes resultados sobre o Bolsa Família:
Em setembro de 2025, o Benefício Primeira Infância (BPI) alcançou 8,4 milhões de crianças de até seis anos, com repasse total de R$ 1,19 bilhão do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS).
O programa também atendeu 623 mil gestantes, com R$ 28,9 milhões pelo Benefício Variável Gestante (BVG), e 302 mil famílias com bebês de até seis meses, com R$ 14,4 milhões pelo Benefício Variável Nutriz (BVN).
“Estudos comprovam que o acompanhamento sistemático dessas ações reduz a mortalidade infantil e materna, combate a desnutrição, diminui a evasão escolar e corrige defasagens de aprendizagem. Assim, o Bolsa Família cumpre um papel estratégico na promoção da saúde, da educação e da equidade social”.
Esses compromissos também reforçam o papel de estados e municípios na oferta de serviços públicos de qualidade. Creches, escolas, unidades básicas de saúde e CRAS são fundamentais para apoiar as famílias no cumprimento das condicionalidades e garantir a oferta de direitos.
Ainda nos conta que, os estudos mostram que conseguimos reduzir o trabalho infantil e as violações de direitos, especialmente entre crianças e adolescentes. O Bolsa Família veio para mudar essa realidade. O que queremos é que as crianças que hoje estão no programa não precisem ser beneficiárias no futuro e, para isso, as condicionalidades têm um papel fundamental. O comprometimento das gestões públicas em garantir boas creches, saúde e educação de qualidade é essencial para romper o ciclo da pobreza entre gerações”, completou Eliane Aquino. Cita a experiência de Alexandra Guinsonares, 25 anos, mãe de quatro filhos e moradora do Rio Grande do Sul, mostra o impacto concreto dessas políticas. Beneficiária do Bolsa Família, ela conta que o apoio financeiro foi essencial para garantir o básico aos filhos e retomar os estudos. “O Bolsa Família representa esperança. Sei que aquele dinheiro vai estar ali e vai me ajudar. Posso terminar meus estudos para conseguir um trabalho melhor e dar um futuro aos meus filhos”, projetou.
Mais do que o auxílio financeiro, Alexandra reconhece o valor de cumprir as condicionalidades de saúde e educação, pilares do programa. “Cuidem dos seus filhos, porque eles são o futuro. Temos o SUS, as vacinas, as escolas. É preciso insistir para que estudem. Sem educação, a gente não é nada”.
Assim gostaria de lhes dizer que mesmo com a manutenção do Bolsa Família em 2025, um fenômeno preocupa educadores, assistentes sociais e gestores públicos: cresce o número de crianças e adolescentes que demonstram desinteresse pela escola e manifestam o desejo de trabalhar cada vez mais cedo.
Neste Natal, enquanto celebramos o nascimento que simboliza cuidado, proteção e recomeço, é impossível ignorar as infâncias que seguem interrompidas pela pobreza, pela desigualdade e pela ausência do Estado. Crianças que deveriam brincar, aprender e sonhar ainda ocupam as ruas, trabalhando para sobreviver em um país que insiste em cobrar delas uma maturidade precoce.
Que o Natal nos incomode. Que ele nos faça lembrar que proteger a infância não é caridade, é responsabilidade coletiva. Não basta indignar-se diante das cenas de exploração — é preciso transformar essa indignação em compromisso com políticas públicas, educação de qualidade, famílias amparadas e territórios cuidados.
Que 2026 chegue como um ano de ruptura com a naturalização da injustiça. Um ano em que a escola volte a fazer sentido, em que nenhuma criança precise trocar o caderno por moedas, e em que o futuro não seja um privilégio, mas um direito.
A esperança que o Natal anuncia não é ingênua: ela exige ação, presença e coragem. Que possamos, como sociedade, escolher proteger nossas crianças — porque nelas não está apenas o amanhã, mas a possibilidade de um país mais justo, humano e digno.
Que 2026 nos encontre mais responsáveis, não por termos trabalhado cedo demais, mas por termos cuidado melhor de quem ainda está começando a vida.
Nossa Senhora trouxe em seu ventre o nosso Salvador, Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, que se fez próximo para enxergar — e assumir — a nossa miséria humana.
Ele veio para nos ensinar a ver além das aparências, a olhar o mundo com o coração. Porque Jesus é amor, é compaixão, é presença que transforma.
Que esse amor nos conduza à paz, à justiça e ao cuidado com os mais vulneráveis.











