Relembrando minha posse na Academia de Teófilo Otoni de Letras, transcrevo minhas palavras ditas naquela oportunidade:
Discurso proferido na Academia de Letras de Teófilo Otoni
Meus amigos,
É com o coração descompassado e, como disse um amigo lá da roça, coração batendo fora do pique, que hoje tomo posse na Academia de Letras de Teófilo Otoni. O coração vibra diferente, movido pela emoção quando vejo meu trabalho reconhecido pelos membros de uma Entidade que pratica e reconhece a palavra literária como objeto capaz de nos inaugurar no mundo como presença criadora. Num país em que se faz fundamental a formação de mais leitores, por desejarmos uma sociedade mais crítica, mais inventiva e ágil, a Academia se apresenta como um lugar indispensável para a promoção cultural e política de uma sociedade por meio da leitura.
O texto literário nos fala e nos escuta. Ler é refletir-se no lago das páginas. O fenômeno literário acontece quando escritor e leitor se juntam numa conversa subjetiva, para construírem uma terceira obra que jamais será editada. Autor e leitor se abraçam silenciosamente amados. A literatura nos dá voz e abre a todos a oportunidade de criar. Impelidos pela aptidão inata e por bons textos, pode-se, também, escrever. E a fonte interior de onde brota a inspiração é como água de mina, quanto mais se tira, mais se tem. E de tanto escrever, consegue-se burilar a palavra, pois o importante não é só a escrita de uma aventura, mas aventura de uma escrita.
Literatura é a arte da palavra, o culto à palavra compromissada com o Belo. Palavra – dádiva de Deus, selo do Espírito Santo. A palavra é um endereçamento, uma forma de criar laços. Por ser tão importante, ela pode servir a muitos fins. Tanto pode construir como destruir. Talvez por isso o Mestre dos Mestres tenha dito: “o que mancha o homem não é o que entra pela boca, mas o que sai dela.” Na vida de cada um de nós, quantas palavras já nos feriram e quantas já nos alentaram. O grande escritor Bartolomeu de Queiroz pontuou: “Sou frágil o suficiente para uma palavra me machucar, como sou forte o bastante para uma palavra me ressuscitar.” Depende da intenção de quem a usa. Lembrar sempre: depois de falada, a palavra já não nos pertence mais, vai com o vento por onde o vento levar.
Mas deixo de lado os devaneios, não quero desviar do descompasso de meu coração. Não há satisfação maior para um autor de textos que ser aceito como elemento de uma Casa que convive permanentemente com a escrita e com a leitura. Vou me enriquecer no convívio com pessoas que prezam os conteúdos os quais persigo. Não sei se mereço estar aqui. Sou, apenas, uma contadora de histórias que não quer perder o sabor de ser criança. A quem devo agradecer? Agradeço a deferência desta Instituição e a muitos que acompanharam com carinho a minha lida. Primeiramente, agradecimentos a Deus, pela vida, pelo entusiasmo. À Mãe de Deus, pelo agasalho sob seu manto de luz. Depois, à minha família. Tive pais maravilhosos que me permitiram ser uma menina vibrante a brincar, a fazer estripulias. Pude nos teatrinhos de infância exercitar a criatividade e, nos circos armados perto de casa, fazer parte do respeitável público com o coração em festa. Tanto gostava dos palhaços, que um dia quis até fugir de casa para acompanhar o circo. Tive tanto chão onde plantar minhas fantasias, que me considero uma adulta realizada por ter podido abraçar sonhos e ilusões. O Colégio do Carmo, que me proporcionou viver uma das quadras mais felizes de minha vida, foi um templo onde rezei as ladainhas da amizade com as Irmãs e colegas que souberam me cativar e ocupam, até hoje, um espaço imenso dentro de mim. Nunca pensei em publicar nada, embora gostasse, desde cedo, de escrever histórias e compor músicas. Quando resolvi lançar meus livrinhos, tive ao lado meu irmão Cléber. Meu amigo Humberto Luiz. Sem medir esforços, projetou-me. Tão companheiro que, desde o primeiro lançamento esteve, e está até hoje, do meu lado como anjo bom. Agradecer é preciso ao meu primeiro editor André Carvalho. Ele acreditou em mim e me soprou junto com o balão azul – minha primeira obra – e desejou meu encontro com as estrelas. Agradecer a Caratinga e aos amigos preciosos. De forma especial, às crianças que, nas salas de aula, permitiram-me sondar a pureza e espontaneidade de sua alma e, assim, encantar-me com a linguagem e sensibilidade infantis. A partir daí, só pude deslizar a pena compondo barquinhos de papel e cirandas e pipas buscando a simplicidade e o colorido do mundo mágico dos pequeninos. Agradecer às diretoras de escolas e professoras. Elas fizeram meus livros serem amados. Elas entenderam meu trabalho de bandeirante e ajudaram-me a empunhar a bandeira dos que rasgam caminhos novos e desconhecidos. Além das crianças-alunas, às crianças-leitoras que, ao gostarem de meus contos, impeliram-me a escrever mais e mais. Finalmente, dedico a meus filhos e netos esta conquista por serem minha inspiração maior.
Ah! As crianças, meu público alvo. Por elas, deixo-lhes um apelo, que certamente já faz parte do trabalho dos acadêmicos, para que ajudemos os pequenos na formação do hábito de leitura. Pelo fato de o gosto pela leitura não nascer com o indivíduo, não é preciso trabalhar para que ele se estabeleça. E, na criança, esse hábito só acontece pelo prazer. Portanto, desde cedo, é interessante colocar livros na mão das crianças. Nesse aspecto, a família exerce papel importante por ser o primeiro alimento, o primeiro ensinamento e o laboratório onde se formam costumes e hábitos. E mais: A criança feliz será, quase sempre, um adulto feliz. Escritores e pessoas envolvidas com a literatura desde crianças, atestam que o livro ajudou a construir a felicidade de sua infância. Mesmo quando não sabem ler, é bom que as crianças manuseiem livros, brinquem com eles, façam uma pseudoleitura com a ajuda de um adulto e inventem histórias olhando as gravuras.
Um caminho que atrai a criança para a leitura é a poesia. Ela não pode faltar, pelo encantamento que desperta. Hoje ela é ferramenta indispensável para fins pedagógicos. A criança é lúdica, portanto o jogo de palavras, ritmo e rimas são condizentes com a alma infantil. Sem contar o lirismo e o mundo fantástico que habitam nela. A criança consegue com imensa facilidade tirar um elefante da cartola, pegar a palavra “namoradinho” e sair com ela de mãos dadas e ficar adivinhando luas. E até para nós, adultos, a poesia é bálsamo. Ela tem o condão de nos fazer melhores e mais prontos para amar e compreender e perdoar os outros. Psicólogos e pedagogos atestam a existência da sublimidade que nos acolhe quando mergulhamos em achados poéticos. E a poesia descobre quem gosta de escrever, por isso quem escreve, sempre gosta de poetar. E a função do poeta é ousar, é derrubar muros para ver o que há atrás.
As Academias de Letras, além de se empenhar pela literatura, assentam-se, também, no convívio harmonioso entre os acadêmicos. As virtudes de cada um fortalecem os ideais e motivam os encontros e reuniões. Lembrar que a vida é uma viagem e que nossa permanência numa Academia de Letras é parte desse navegar. O mais importante do que fazer uma boa viagem, é saber se estamos sendo bons companheiros de viagem. Há de se privilegiar o companheirismo, a solidariedade e o amor. Relacionar-se com a finalidade de crescer é acrescentar um elemento nosso na obra de todos. Viver não é só nascer e morrer. Acima de tudo, é viver o intervalo entre esses dois extremos, aproveitando bem essa migalha de tempo. Cada instituição tem o perfil dos que a compõem. Como nos alerta o desembargador e escritor Dr. José Fernandes Filho: “as instituições são como os homens que as dirigem: grandes ou pequenas como eles. Catedrais apontam para o infinito tomadas da ambição de servir. Túmulos, pés de chumbo, presos ao chão, são incapazes de andar ou olhar nos olhos.”
É com o coração batendo ainda em descompasso que agradeço a honra de ter um lugar nesta Academia de Letras, mesmo como sócio correspondente, e me inundar no convívio com valores humanos que me farão bendizer e confirmar a vida como sendo a arte do encontro. Vejam. A Hilda, que sendo multiartista vai me deslumbrar com seus dons. O Leuson cuja criatividade para reciclar materiais, com certeza com o passar dos anos, ele vai me reciclar, também, deixando-me novinha em folha. A Neusa e o Antônio Jorge, sempre disponíveis, vão me ensinar a ter o coração aberto a todos e a todo bem. Marlene, leitora assídua, dividirá comigo o conhecimento que somente os livros podem dar: conhecimento de mundo e de mim mesma. O Marcos Miguel, empolgado com as Letras, vai inventar neologismos e palavras bonitas para eu esparramar nos passos de todos que cruzarem a minha estrada. José Geraldo, apreciador do campo, amarrou a égua num toco muito grosso do sertão, e vai saborear comigo a rapadura fervendo no tacho e plantar em mim a simplicidade da fala matuta tão cheia de verdades. O João Batista ama poesia, sabe recitar poemas de encurtar caminhos e vai puxar para o alto as cordas do coração. A Amenaide é adepta da praticidade e vai me mostrar o essencial, pois o mundo de hoje não mais se rende a rebuscamentos desnecessários. José Salvador é perfeccionista e me ajudará a ver a sutileza dos detalhes em busca de fazeres perfeitos. O Antônio Sérgio aprecia a espontaneidade dos versos da cultura popular, esses versos que sabem provar que Minas Gerais são muitas. O Wilson, eu o quero sempre por perto para, na teia do misticismo, benzer e predizer coisas boas para meu futuro. O Leônidas com sua sensatez e alma de pesquisador, saberá me colocar no prumo toda vez que eu sair do sério com meus “causos” que têm sempre uma maldadezinha. Elisa Augusta é imprescindível, por ser descentralizadora, por saber delegar e dar oportunidade de comando a todos. O José Carlos com seu jeito metódico, conseguirá me disciplinar quando a fantasia passar da conta. E o Lleweelyn Davies Antônio Medina – magistrado, formal, justo, mas- dizem- nos momentos do dia a dia, deixa escapar as ternuras do coração. O Sérgio Abrahão tem a inquietude do jornalista: está a par de todos os acontecimentos, mas não se esquece da ética que anda brigando com a liberdade de expressão; esse direito, nos dias de hoje, tem se distanciado do respeito. Não posso me esquecer do Eduardo Amorim que, mesmo sem ser acadêmico, entrega-se de corpo e alma para o crescimento desta Casa de Letras. O Olegário é artista popular e tem seu talento enroscado no cordel, nas cantorias dos que nascem poetas. Escuta aí, Olegário: “Essa palavra saudade| conheço desde criança| Saudade de amor ausente| não é saudade, é lembrança| saudade só é saudade| quando morre a esperança.” “Quem quiser plantar saudade| primeiro escalde a semente| plante num lugar bem seco| onde o sol bate mais quente| que se plantar no molhado| quando nascer mata a gente.” E o Wilson Colares? É um dos baluartes desta Academia e faz dela um depositário de sua luta mais nobre e constante. Alguns outros não mencionei porque meu anjo da guarda candongueiro voou entre as nuvens.
Neste instante, cumprimento a Kátia Storck Moutinho , que adentra esta Casa da maneira mais bonita de chegar: trazendo um livro em cujas páginas poderemos conhecer seu espaço de dentro. Cumprimento o Marrippe. Um pouco nosso irmão por ter vivido algum tempo entre nós, caratinguenses, e nos ter brindado com a arte de suas mãos e com o afeto que, ainda hoje, compõe lembranças e admiração.
Permitam-me agora deixar meu coração derramar-se em preces de contentamento e orgulho por ter oportunidade de, mais uma vez, fazer parte de uma Academia de Letras ao lado de meu querido amigo Eugênio Maria Gomes. Sendo ele o mago da palavra boa, consegue, não só levar mensagens de incentivo e de elogios às pessoas, como sabe apresentar um texto enxuto, elaborado com estilo elegante e linguagem impecável. Sua vasta produção literária, revela um bom escritor, um fazedor de prosa poética, um lúcido formador de opinião. Sua sensibilidade para captar os fatos da vida cotidiana e para perscrutar a alma humana, envolve os leitores que acabam se rendendo à forma simples e verdadeira de dizer as coisas. Inteligente, dinâmico e bem humorado é um trunfo da Terra das Palmeiras e um amigo que sabe dividir , sem egoísmo, o próprio coração.
Enfim, meus queridos, agora companheiros, minha profunda admiração por essa Academia que ora me acolhe. Instituição ativa, fecunda, que tem cumprido os objetivos de uma Casa das Letras, quais sejam o de fomentar a literatura, zelar pelo idioma pátrio e promover cultura e arte. E mais: as Academias são o espaço propício ao sonho porque ele é o início de toda realização. Sonhar alto, mesmo quando o sonho é só um sonho, vale a pena sonhar. Mário Quintana nos presenteia com este verso: “Se as coisas são inatingíveis…ora! Não é motivo para não querê-las… Que triste os caminhos, se não fora, a presença distante das estrelas!
Finalizando, agradeço aos amigos de Caratinga. Os que ficaram e os que vieram. Aqui estão amigos que fazem parte de minha história e, pelo tempo de trocas, acertos e amabilidades, tenho uma dívida impagável com eles. Agradeço à acadêmica Lígia dos Reis Matos por nos saudar com palavras tão bonitas e eloquentes. Vindas de você, Liginha, só se pode esperar o que transborda em seu coração: generosidade. E, nas entrelinhas, saboreamos a poesia doce que seu dom sabe tecer.
Embora eu seja sócio correspondente, pretendo estar aqui mais vezes. Espero contribuir de alguma forma com o crescimento da Academia. Vou procurar plantar sementes em terra perfumada, fazer como Yeda Prates Bernis sugere: “Enterrei meu canarinho junto à roseira. Agora, a primeira rosa vai amanhecer cantando.”
Tenho dito