O homem que leva livros para a praça

Como Gilson Jipão fez da leitura um ato de afeto e bem-estar público

 

CARATINGA- Alfabetizado aos 8 anos, Gilson da Costa Esmael, conhecido como “Jipão”, só descobriu o universo profundo da literatura alguns anos depois, na antiga 5ª série do 1º grau, quando foi apresentado a autores que mudariam para sempre sua relação com o mundo.

Décadas depois, com centenas de livros lidos e uma paixão contagiante pela leitura, Gilson transformou esse amor em gesto público: criou um clube de leitura na Praça Dom Pedro II, onde compartilha livros, conversa com leitores e tenta resgatar, no coração da cidade, a mesma chama que acendeu nele ainda jovem.

Nesta entrevista especial, Gilson Jipão fala sobre suas primeiras influências, revela o impacto emocional da leitura, explica como nasceu o clube na praça e comenta os desafios de incentivar o hábito em tempos de telas e distrações constantes.

 

Quando a leitura entrou na sua vida? Houve um livro ou alguém que despertou esse hábito em você?

Fui alfabetizado aos 8 anos de idade, em 1974. Esse foi o ano do meu primeiro contato com a escola, pois saí de Sapucaia, distrito de Caratinga, no ano anterior, 1973. Porém, o contato com a literatura e com os melhores escritores aconteceu na antiga 5ª série do 1º grau, no Polivalente.

Na disciplina de Língua Portuguesa, meu primeiro contato com um livro foi com “O Quinze”, de Rachel de Queiroz, indicado por Ivonete Martinel, minha primeira professora de português. Esse livro foi o primeiro romance da escritora modernista. Publicado em 1930, é uma obra regionalista e social que traz como tema central a seca de 1915, que assolou o Nordeste.

Já na disciplina de História do Brasil, me encantei por Joaquim Nabuco, um dos abolicionistas mais respeitados do século XIX, através do livro “Minha Formação”, indicado por Joaquina Monteiro. E foi aí que começou minha paixão pelos livros e pela leitura.

 

Muitas pessoas dizem que ler é uma forma de viajar sem sair do lugar. Qual foi a maior “viagem” que um livro já te proporcionou?

É fato: “Ler é viajar sem sair do lugar” é uma frase épica atribuída a Mário Quintana. Ele mostra que a capacidade de ler e interpretar faz com que o leitor viaje por mundos imaginários, atravessando universos apenas pela imaginação, envolvendo mente, coração e espírito sem sair do conforto de casa.

A maior viagem que tive foi com “O Alquimista”, do escritor brasileiro Paulo Coelho, que está entre os dez autores mais influentes do mundo.

“O Alquimista” é um clássico contemporâneo sobre o poder transformador dos sonhos. Combinando espiritualidade, sabedoria e misticismo, é uma inspiradora história de autodescoberta que vem transformando a vida de milhões de leitores há mais de trinta anos. Uma bela história de Santiago.

 

Em sua experiência, como a leitura contribui para o bem-estar emocional e mental?

A leitura em voz alta para as crianças nos primeiros anos de vida estimula e oferece benefícios cognitivos. Para os adultos, ajuda na memória, no foco, no raciocínio, na redução do estresse, na criatividade e na inteligência emocional.

Nos dias de hoje, com o avanço da tecnologia, ela também auxilia na empatia e no senso crítico, melhora a comunicação, aprimora a escrita e, o mais importante, amplia o vocabulário.

 

Às vezes as pessoas dizem que “não têm tempo para ler”. O que você responderia para quem quer começar, mas se sente incapaz de criar esse hábito?

Uma pessoa que já tem o hábito da leitura consegue ler um livro de 100 a 150 páginas em um dia e ainda memorizar o conteúdo. Para quem está começando, é recomendável iniciar lendo sobre algo de que gosta. Por exemplo: se gosta de futebol, comece lendo notícias esportivas.

Para incentivar o hábito: Crie um ambiente propício; estabeleça metas realistas: poucas páginas por dia ou um capítulo por vez; após a leitura, tente se lembrar do que leu antes de seguir adiante; associe a leitura a momentos prazerosos: antes de dormir, em filas, em intervalos; escolha livros variados e do seu interesse. Converse sobre o que leu, participe de clubes de leitura; faça anotações para interagir com o texto; elimine distrações como o celular; leia matérias em jornais e revistas e evite aparelhos eletrônicos. Importante: no início, anotar parte do que leu ajuda a fixar.

 

Como nasceu a ideia do clube de leitura na praça e qual é a proposta principal desse projeto?

Estava assistindo a uma reportagem, em 2021, publicada pela Pró-Livro, que dizia que o brasileiro lê, em média, 3,96 livros por ano — um número que considero muito baixo. Países como Índia, Tailândia, Noruega e França leem, em média, 5 livros por ano.

Nessa mesma reportagem, vi uma mulher no Ceará que mantinha um clube de leitura na porta de escolas. Então pensei: “Eu, aqui em Caratinga, tenho entre 700 e 800 livros lidos”. Resolvi partilhar com outras pessoas que amam livros.

Hoje, o clube de leitura já é uma realidade. A proposta principal é trocar informações e oferecer um ponto de encontro para amantes da leitura, onde o leitor pega um livro e deixa outro.

 

Que tipo de público frequenta — crianças, jovens, adultos, idosos?

O público na Praça Dom Pedro II é bastante diversificado e varia conforme o foco e o formato do encontro. Geralmente, os participantes são pessoas interessadas em literatura, que desejam compartilhar experiências, aprofundar a compreensão das obras e socializar.

Quando participo de semanas literárias na região, com apoio de diretores e professores, a presença de crianças é sempre muito boa. Em 2024, fizemos um belo trabalho em Inhapim e Piedade de Caratinga, de forma voluntária.

 

Manter projetos culturais nem sempre é fácil. Quais os maiores desafios para sustentar o clube e expandi-lo?

O primeiro desafio é a logística: encontrar um local adequado em Caratinga e ter apoio para deslocar até a praça, levando cerca de 500 livros. Também há a questão do estacionamento, do descarregamento e do suporte.

Mas o que mais entristece é perceber que as pessoas estão lendo menos, devido à competição com estímulos digitais (redes sociais, vídeos curtos), à falta de tempo e interesse, à dificuldade de concentração causada pelo excesso de telas, à leitura por obrigação nas escolas e à falta de acesso ou custo elevado dos livros. Somam-se a isso a ausência de políticas públicas de incentivo e os ambientes inadequados para leitura. Com tudo isso, às vezes distribuo apenas 15 a 20 livros por sábado — muito pouco. Deprimente.

 

Um livro que mudou sua vida?

“O Diário de Anne Frank”. Sabe aquele livro que você lê várias vezes e nunca cansa da história? E essa, especificamente, é real.

Em 2025, completaram-se 80 anos de uma das histórias mais tristes da humanidade. “O Diário de Anne Frank” reúne as anotações de uma garota judia sobre tudo o que viveu com sua família, além das impressionantes atrocidades cometidas pelos nazistas contra os judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Depois dele, passei a ver com outros olhos todas as atrocidades ocorridas em Auschwitz.

 

Um autor ou autora que te inspira?

É difícil escolher apenas um, pois são estilos diferentes que me fazem viajar. Prefiro citar alguns dos maiores escritores brasileiros: Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Jorge Amado, além de Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles na poesia. Entre os contemporâneos, Paulo Coelho, que está entre os dez autores mais influentes do mundo.

 

O livro que você mais gostou de indicar para alguém?

Ao longo dos anos, sempre tive a monomania de indicar “Dom Casmurro”, de Machado de Assis. Hoje, prefiro analisar os níveis de leitor — que variam desde o pré-leitor, que começa a identificar letras e palavras, até o leitor crítico.

Portanto, para cada tipo de leitor, um livro adequado ao seu nível de leitura.

 

Um lugar ideal para ler?

Na canção Nem um Dia, o poeta Djavan diz: “Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro, e o pensamento lá em você”.

Mas é preciso cuidado: se o pensamento estiver muito na namorada ou no namorado, a concentração na leitura diminui. E se o dia estiver muito frio, é bom se agasalhar, pois o frio em excesso também atrapalha.

Um lugar ideal para ler deve combinar conforto, boa iluminação e tranquilidade. Pode ser um canto aconchegante em casa, com almofadas e uma boa poltrona; uma biblioteca com silêncio e aroma de livros; ou espaços ao ar livre, como parques e jardins. Um ambiente com cheiro de café também é uma excelente combinação.

Glson “Jipão” destaca que a leitura auxilia na empatia e no senso crítico

Vera, Fernando Campos, Raul Miranda e participam do Projeto “Leitura na Praça”

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