Eduardo Cindra explica por que tantos encontram no tatame um caminho para o equilíbrio
CARATINGA – No tatame onde vidas se encontram e histórias começam, o professor e atleta Eduardo Cindra, faixa-preta desde 2018 e quase duas décadas dedicadas ao jiu-jitsu, fala com a serenidade de quem sabe que a arte suave vai muito além das quedas e finalizações. Para ele, cada treino é uma aula de autocontrole, cidadania e humanidade — dentro e fora do kimono.
Em entrevista ao DIÁRIO, Eduardo recebeu a reportagem com a serenidade de quem vive o jiu-jitsu não apenas como trabalho, mas como vocação. Suas respostas são atravessadas por respeito, disciplina e uma profunda compreensão do impacto que a prática causa na construção de indivíduos mais conscientes, resilientes e equilibrados.
O tatame como espaço de cura, escuta e transformação
Para Eduardo, não há dúvida: “O jiu-jitsu, se não for a melhor, está entre as melhores ferramentas de transformação social”.
Ele fala com propriedade. A cada dia, observa alunos que chegam carregando angústias do cotidiano, desafios familiares, situações de estresse e conflitos internos. A convivência próxima permite que esses desabafos apareçam naturalmente: “Eles sempre conversam com a gente, sempre passam as situações do dia-a-dia. Tentamos orientar, ajudar, dar uma instrução ou outra, alinhar para que consigam superar obstáculos”.
Aos poucos, a atividade física deixa de ser apenas um treino. É encontro, convivência, apoio, pertencimento. A foto tirada ao final de cada sessão, com todos abraçados, comprova isso: ali nasce uma espécie de família estendida, onde respeito e cuidado são regras silenciosas.
Respeito que se aprende no gesto: abaixar a cabeça
Eduardo se detém em um detalhe simbólico que muitos desconhecem: ao entrar e sair do tatame, todos abaixam a cabeça. Ele explica: “Cumprimentamos abaixando a cabeça não por reverência ao tatame, mas para mostrar — especialmente a quem está de fora — que aqui dentro existe organização e respeito”.
O gesto se repete também ao cumprimentar o colega depois da luta: “É uma forma de dizer ‘eu te respeito’ e de agradecer pelo treino que foi feito”.
Em uma modalidade onde há torções e finalizações, o respeito é o alicerce. Uma luta só acontece até o limite da segurança, e basta um toque, os famosos três tapinhas, para tudo parar. Esse tipo de educação emocional molda comportamentos.
Lidar com pressão, derrotas e frustrações: o treino invisível
As lutas são intensas. A adrenalina sobe. O corpo é exigido. A mente, desafiada. É nesse ambiente controlado que surge o aprendizado mais profundo. “Todos os dias somos testados dentro do tatame. Isso nos ensina a ser resilientes e a ter humildade”.
O professor conta que, na vida, as pessoas são constantemente colocadas à prova: uma prova da escola, uma entrevista de emprego, uma discussão no trânsito. O praticante de jiu-jitsu, porém, está acostumado ao estresse: “Quando vai fazer algo que coloca pressão, consegue respirar mais tranquilo. Aqui a gente passa por desafios todos os dias”.
Aprender a perder, a recuar, a recomeçar — tudo isso é treinado ali.
Hierarquia, disciplina e constância: valores que moldam cidadãos
A estrutura do jiu-jitsu — os graus, as faixas, os instrutores, os mestres — ensina organização. Em tempos em que muitos rejeitam regras, o tatame recupera a importância delas. “O jiu-jitsu resgata a essência humana. Fomos feitos para movimentar e para ouvir os mais experientes”.
Eduardo vê o reflexo disso no comportamento dos alunos fora da academia: mais responsabilidade; mais disciplina com horários; mais comprometimento com tarefas; mais respeito por colegas e superiores.
E ainda acrescenta: “O aluno aprende a defender sua bandeira, sua equipe — assim como alguém aprende a defender o lugar onde trabalha”.
É cidadania sendo construída golpe após golpe, treino após treino.
O medo de começar e o cuidado com quem chega
Essa transformação, porém, só acontece em academias preparadas para receber iniciantes com respeito e responsabilidade. Eduardo reconhece: “Não posso mentir: nem toda academia trata o aluno iniciante da melhor forma. Mas em boas mãos, o jiu-jitsu é totalmente seguro”.
Os principais medos que chegam até ele são: de se machucar; o receio de lutar com alguém experiente e o temor, no caso das mulheres, de treinar entre homens.
Para quebrar essas barreiras, Eduardo adotou uma política que virou marca do seu espaço: “Aqui, ninguém entra lutando. Primeiro aprende, se adapta, conhece a modalidade, constrói confiança”.
A pessoa começa sem kimono, treina meses até se sentir confortável, e só então faz suas primeiras lutas — sempre com instrutores experientes, nunca em confrontos desiguais. Ele também dá autonomia total ao público feminino: “As mulheres que quiserem treinar só entre elas, treinam só entre elas. Sem problema nenhum”.
O foco é acolher, não afastar.
A grande lição: resiliência
Quando questionado sobre qual aprendizado do jiu-jitsu deveria acompanhar qualquer pessoa, Eduardo não hesita: “Resiliência. Se a pessoa não aprender a ser resiliente, ela não sobrevive no jiu-jitsu”.
Ele explica que a arte suave ensina a recuar quando necessário, a corrigir o curso, a recomeçar do zero. “Às vezes insistir no erro gera prejuízos maiores. No jiu-jitsu e na vida”.
A transformação, segundo ele, é evidente especialmente nos alunos que seguem até as faixas altas. “Os que chegam à roxa, marrom, preta têm uma mudança muito grande — física e mentalmente”.
É um processo de maturidade, paciência e consciência.
Um convite para quem deseja começar
No fim da conversa, Eduardo deixa seu conselho a quem busca bem-estar, mas ainda teme dar o primeiro passo. “Se estiver em boas mãos, o jiu-jitsu não só ensina defesa pessoal — ele ensina a viver melhor. Testa, experimenta, começa devagar. Mas não deixa o medo te parar”.
E completa: “O jiu-jitsu transforma todo mundo que se mantém nele”.
No tatame, ninguém caminha sozinho. E cada treino é uma nova chance de se tornar uma versão melhor de si mesmo.










