Poliana Miranda aborda os desafios da alimentação no dia a dia e estratégias para escolhas mais inteligentes
CARATINGA- A alimentação vai muito além de saciar a fome: é um dos pilares do bem-estar físico, mental e emocional. Para entender como escolhas diárias influenciam humor, disposição, concentração e até a qualidade do sono, o Diário conversou com a nutricionista Poliana Miranda. Ela explica por que o intestino é considerado “o segundo cérebro”, revela os erros mais comuns da rotina moderna e ensina como construir uma alimentação equilibrada sem restrições extremas.
O alimento como mensagem para o corpo
Segundo Pollyana, tudo o que consumimos envia sinais que impactam diretamente nossa saúde. “A relação da alimentação com o nosso bem-estar geral é extremamente direta e muito profunda”, afirma.
Ela explica que uma dieta variada, colorida e equilibrada em carboidratos, proteínas e gorduras ajuda a manter energia, foco e disposição. Vitaminas e minerais regulam o organismo e fortalecem o sistema imunológico. Já a saúde intestinal é determinante: “Mais de 80% da serotonina, hormônio do bem-estar, é produzida no intestino”, destaca a nutricionista. Ou seja: “Uma alimentação ruim significa intestino ruim e, consequentemente, humor alterado”.
Quando o intestino está bem nutrido — com ingestão adequada de fibras, água e substâncias como a glutamina — a digestão melhora, a absorção de nutrientes aumenta e há equilíbrio na microbiota, influenciando inclusive ansiedade e depressão.
Quando a rotina vira inimiga da saúde
No dia a dia corrido, muitos hábitos passam despercebidos. “A falta de organização e planejamento é um dos erros mais comuns”, pontua Poliana. A correria leva pessoas a pularem refeições, improvisarem lanches pouco nutritivos ou deixarem as compras para depois.
A consequência surge em sintomas como irritabilidade, estresse elevado, queda de energia e piora no sono. “Se eu não consumo calorias suficientes ou não equilibro macronutrientes, perco massa muscular, fico mais cansada e não tenho foco”, explica.
Outro problema é repetir escolhas ruins com frequência. “Errar um dia é normal. Mas quando isso se torna padrão, vira hábito — e hábito é o que define o resultado final”.
Os erros que mais se repetem
Entre os deslizes alimentares mais observados em consultório, Poliana cita:
- não planejar a lista de compras;
- deixar de lavar, cortar e armazenar alimentos previamente;
- não levar lanches na bolsa;
- optar sempre por pratos mais calóricos fora de casa;
- deixar vegetais de lado mesmo quando estão disponíveis.
“Parece simples, mas são esses detalhes que, repetidos todos os dias, comprometem o bem-estar e a longevidade”, afirma.
A tal da alimentação do equilíbrio
Para Poliana, o segredo não está em excluir grupos alimentares. “Nós temos que correr do terrorismo nutricional”, alerta. Ela defende a regra 80/20:
“É fazer o certo 80% do tempo — alimentação limpa, colorida, nutritiva — e deixar 20% para momentos sociais, afetivos, prazerosos”.
Frutas, verduras, legumes, proteínas magras, gorduras boas (como azeite e castanhas) e carboidratos de melhor qualidade (como cereais, tubérculos e versões integrais) formam a base de uma rotina saudável. Hidratação, sono e cuidado com a microbiota completam o pacote.
Alimentos que ajudam o humor, o foco e o sono
A nutricionista destaca grupos que fazem diferença real:
- Triptofano (precursor da serotonina): banana, aveia, ovos, queijo cottage, frango.
- Ômega 3 (especialmente DHA): linhaça, chia, nozes, salmão, sardinha, atum.
- Magnésio (relaxamento e sono): chocolate 70%, espinafre, castanhas, abacate, sementes.
- Fibras prebióticas (microbiota): maçã, aveia, alho, cebola, banana verde, biomassa.
- Probióticos: iogurte natural, kefir, kombucha, chucrute.
- Vitamina B12 e complexo B: ovos, carnes, leguminosas, verduras verde-escuras.
- Alimentos antioxidantes: chás verde e cúrcuma, frutas vermelhas, açafrão.
O que mais prejudica sem que a pessoa perceba
Além da má alimentação, estilo de vida desregulado pesa muito. “Se não regulo meu sono, se vivo em estresse constante e priorizo industrializados, refrigerantes e produtos cheios de aditivos, meu corpo vai dar sinais”, explica Poliana.
Queda de cabelo, unhas fracas, dor de cabeça frequente, intestino preso, cansaço constante e alergias podem ser reflexo direto desses hábitos.
Comer emocional é mais comum do que se imagina
Poliana explica que o famoso “comer emocional” é um comportamento bastante frequente e que a nutrição comportamental ajuda a compreender esses padrões.
“Uma das linhas que eu trabalho inclusive, que tem por objetivo entender a pessoa de uma forma mais ampla, aquilo que dificulta ela ter uma boa adesão, de acordo com as escolhas que ela faz, com o comportamento alimentar que ela tem, buscando entender questões emocionais, sociais, também considerando ali as dificuldades que essa pessoa tem voltada para o lado mental, aquelas travas, as crenças, uma relação negativa com o alimento”, pontua.
Ela afirma que existem diferentes tipos de fome, e resume os quatro principais: fome física, fome emocional, fome social e a vontade ou desejo de comer.
A fome física, explica a nutricionista, é a fome real.
“É aquela fome biológica. O nosso corpo dá sinal que ele precisa se alimentar, que ele precisa de energia. Sinto uma tontura, uma queda de energia, uma irritação… o estômago ronca, sinto desconforto e eu comeria qualquer alimento”, diz. É o momento em que a pessoa aceitaria “uma alimentação simples”, como arroz com feijão e ovo, ou “o que está disponível no almoço”.
Já a fome emocional “é uma resposta às nossas emoções”. Poliana exemplifica situações que podem desencadeá-la:
“Acabei de passar uma situação ruim no trabalho… terminei um relacionamento… tive uma situação no trânsito… estou no domingo à tarde sem fazer nada, maior tédio”.
Nesse caso, a escolha costuma ser por “algo específico… geralmente relacionado com açúcar ou gorduras, alimentos hiperpalatáveis”, porque a pessoa busca acolhimento emocional.
A fome social, por sua vez, surge do ambiente.
“Um encontro familiar, uma festa de fim de ano… reunião de família, confraternização de trabalho. Sou motivada a comer porque estou vendo uma mesa repleta de coisas bonitas… ou porque alguém ficou me oferecendo”.
Ela destaca também a pressão social, como no caso das bebidas: “Estou bebendo porque a pessoa me induziu a tomar só um drinkzinho, só uma cervejinha”.
Por fim, existe a vontade ou desejo de comer:
“É um desejo específico. ‘Nossa, eu quero muito comer o pudim que a minha avó faz’.”
Segundo ela, pode ter relação física, emocional, ou ambas.
Como agir em cada situação
A nutricionista orienta que a resposta à fome física deve ser prática: “O que tem disponível agora? Tipo arroz, feijão e batata…”
Já na fome emocional, o ideal é buscar outras formas de acolhimento. “Vou fazer uma atividade de lazer, sair para fazer uma caminhada, brincar com o cachorro, com o filho, colocar uma série, uma outra distração. Não buscar uma recompensa na comida”.
Na fome social, a palavra-chave é consciência:
“Preciso comer tudo que está aqui? Vou dar preferência para aqueles que eu realmente mais gosto… vou ter o poder de falar não”.
E sobre o desejo específico, ela reforça que não há culpa em escolhas afetivas. “Tem tempos que eu não como o pudim da minha avó, então não há problema. Vou dar essa liberdade”.
Mudanças pequenas que geram grandes resultados
Para quem deseja começar, Poliana alerta que é preciso abandonar o imediatismo. “O que faço hoje não necessariamente vai refletir amanhã… precisamos de tempo para nos adaptar, para inserir um novo hábito”.
Ela exemplifica ações simples que já impactam o bem-estar:
- “Tomar um copo de água a cada duas horas…”
- “Desligar o celular uma hora antes de deitar…”
- “Programar idas ao mercado três vezes na semana para comprar frutas e já deixar tudo higienizado…”
São, segundo ela, “pequenos hábitos, pequenas mudanças” que, repetidas, transformam a rotina.
Dietas restritivas: sedução e riscos
Sobre dietas da moda, produtos milagrosos e procedimentos rápidos, Poliana é clara:
“As dietas restritivas e promessas milagrosas não existem para mudar estilo de vida e comportamento… são geralmente temporárias e vão trazer malefícios para a saúde”.
Ela destaca a responsabilidade profissional diante do uso de medicamentos para emagrecer, como os análogos de GLP-1. “Não é ser contra… mas para quem? Por que estou usando? Estou adequando a minha alimentação? Me exercitando? ”.
E alerta: uso inadequado aumenta riscos sérios.
“Aumenta o risco de desenvolver diabetes, hipertensão, problema cardíaco, deficiências nutricionais… situações severas que vão reduzir a longevidade”.
O verdadeiro significado de comer bem
Ainda há preconceitos sobre nutrição.
“Vejo até hoje alguns preconceitos… de que fazer dieta é passar fome. Eu nem gosto do termo dieta”, diz Poliana.
Ela prefere falar em plano alimentar, porque busca “gerar uma mudança de comportamento, inserir hábitos que vão durar”.
Comer bem, afirma, não significa proibir tudo:
“Comer de maneira saudável a maior parte do tempo… não está relacionado a nunca poder comer um doce, ir a um evento, tirar férias e comer coisas diferentes”.
Para ela, prazer e nutrição podem — e devem — coexistir.
Mensagem final: consciência acima de restrição
A entrevista termina com um recado de reflexão:
“Nós precisamos ter crianças saudáveis, que se tornem adultos saudáveis e cheguem na fase idosa funcionais….
Poliana alerta sobre falsas soluções:
“Não se apegue às restrições, aos terrorismos… acreditar que um suplemento vai resolver o seu problema, um chá vai eliminar a gordura…”.
E reforça que o caminho é disciplina, equilíbrio e orientação adequada: “Não é preciso ter restrição, mas é preciso ter consciência”.










