“A pena foi calculada considerando a gravidade concreta das condutas”, destaca advogado e cientista político Jorge Folena
DA REDAÇÃO – O julgamento histórico do ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que culminou em sua condenação a 27 anos e 3 meses de prisão, levantou uma série de questões jurídicas e institucionais de grande relevância para o Brasil. Para entender os detalhes dessa decisão e suas implicações, conversamos com o advogado e cientista político Jorge Folena, especialista nas áreas de Direito Constitucional, Administrativo, Tributário e Civil.
Graduado em Direito pela UFRJ, com mestrado na mesma instituição e doutorado em Ciência Política pelo IUPERJ, Folena desenvolve pesquisa de pós-doutorado sobre o Supremo Tribunal Federal e terras indígenas, abordando questões de subalternidade (pós)colonial. Além disso, foi professor de Filosofia do Direito e Ciência Política na Universidade Cândido Mendes.
Na entrevista a seguir, Folena explica de que forma a Lei 14.197/2021, sancionada pelo próprio Bolsonaro, se tornou central nas acusações contra ele, detalha os crimes pelos quais foi condenado, analisa a dosimetria da pena, os regimes de cumprimento e prisão domiciliar, e ainda discute as consequências eleitorais e institucionais desse julgamento.
De que maneira a Lei 14.197/2021, sancionada por Bolsonaro quando presidia, está envolvida nas acusações contra ele? Ou seja: quais crimes imputados a ele já estavam previstos nessa lei, e como isso impacta o processo judicial?
Veja, essa lei foi sancionada pelo próprio Bolsonaro em 2021, revogando a antiga Lei de Segurança Nacional e criando os crimes contra o Estado Democrático de Direito. Ela tipificou condutas como a tentativa de abolição violenta do Estado Democrático, golpe de Estado e incitação às Forças Armadas para agir contra os poderes da República. O curioso é que ele, que sancionou a lei, acabou sendo enquadrado nela. Isso deu base jurídica clara para o STF processá-lo, porque os atos de 2022 e 2023 se encaixaram diretamente no texto legal aprovado na sua própria gestão.
Quais foram exatamente os crimes pelos quais Bolsonaro foi condenado pelo STF na decisão de 11 de setembro de 2025, e como cada um desses crimes é definido juridicamente?
O Supremo entendeu que Bolsonaro cometeu três crimes principais: 1) Tentativa de golpe de Estado – previsto na Lei 14.197, quando se busca depor governo legitimamente constituído por meios ilícitos. 2) Abolição violenta do Estado Democrático de Direito – também da lei de 2021, ao tentar impedir ou restringir o exercício dos poderes constitucionais. 3) Incitação de militares contra os poderes – quando promoveu discursos e ordens veladas para que Forças Armadas questionassem o resultado das urnas. Cada crime foi examinado separadamente, mas vistos em conjunto formaram um quadro de ataque frontal às instituições.
Como o STF fixou a dosimetria da pena para Bolsonaro (27 anos e 3 meses + multa), e quais fatores agravantes ou atenuantes foram considerados para chegar a esse montante?
A pena foi calculada considerando a gravidade concreta das condutas, o fato de Bolsonaro ocupar a Presidência e usar o cargo para atacar a própria democracia, além da repercussão nacional e internacional. Como agravantes, pesaram o cargo de chefe de Estado e a continuidade das ações mesmo após alertas institucionais. Não houve atenuantes significativos, porque ele não demonstrou arrependimento nem colaborou com o processo. Assim se chegou a mais de 27 anos, distribuídos entre os crimes, além de multa.
Qual é o regime de cumprimento previsto para a condenação de Bolsonaro, em regime inicial fechado, e quais são os procedimentos legais esperados para que essa pena comece a ser cumprida?
O regime inicial fixado é o fechado, por conta do tamanho da pena. Mas, como ainda cabe recurso, ele permanece em prisão domiciliar. Para início efetivo do cumprimento, será necessário o trânsito em julgado ou uma decisão colegiada de segunda instância que determine a execução provisória da pena.
Quais são as implicações da condenação para a inelegibilidade de Bolsonaro — por quanto tempo ele fica impedido de concorrer, conforme a legislação eleitoral vigente?
Aqui é direto: a Lei da Ficha Limpa prevê inelegibilidade imediata de oito anos após condenação por órgão colegiado em crimes contra o Estado. Isso significa que, mesmo antes do trânsito em julgado, Bolsonaro já está inelegível. Se a pena for mantida, ele ficará de fora de pelo menos duas eleições presidenciais.
Bolsonaro está em prisão domiciliar no momento da condenação. Quais são os critérios legais para manutenção desse regime de prisão domiciliar ou tornozeleira após condenação, antes do trânsito em julgado?
O STF levou em conta fatores de segurança e saúde para manter a domiciliar, mas isso é provisório. A regra é o recolhimento em estabelecimento prisional. O monitoramento por tornozeleira serve para garantir que ele não viole restrições enquanto os recursos ainda estão em andamento.
Quais foram os votos que formaram maioria contra Bolsonaro, e quem divergiu (por exemplo, quem votou pela absolvição ou em partes diferentes da acusação)?
A maioria foi robusta: nove ministros acompanharam integralmente a condenação. As divergências foram pontuais. Dois ministros defenderam penas menores ou enquadramento parcial, mas não houve absolvição completa. Isso demonstra consenso institucional forte quanto à gravidade dos atos.
Como a defesa de Bolsonaro reagiu à decisão — que teses foram mantidas até o fim, quais recursos jurídicos podem ser interpostos e quais são os possíveis cenários de reversão ou atenuação da condenação?
A defesa insistiu até o fim na tese de liberdade de expressão e de que não houve ato direto de execução do golpe, apenas discursos. Com a condenação, cabem embargos de declaração no próprio STF, depois eventual recurso ao STJ e, em tese, ao próprio Supremo em habeas corpus. Mas a chance de reversão é mínima; o máximo que pode ocorrer é a redução da pena em algum detalhe da dosimetria.
De que forma essa condenação representa um precedente para o sistema jurídico brasileiro, especialmente em casos de ex-presidentes e crimes contra o Estado Democrático de Direito? Que riscos e oportunidades institucionais decorrem desse julgamento?
O precedente é histórico. Pela primeira vez, um ex-presidente foi condenado por tentar subverter a democracia. Isso mostra que a lei se aplica a todos, inclusive ao mais alto mandatário. O risco é o de politização excessiva do Judiciário; a oportunidade é reforçar que o Estado Democrático não é retórico, mas concreto, protegido por normas e sanções severas.
Considerando o tempo total da pena, e que outros réus no mesmo julgamento também foram condenados, como o STF diferencia as penas entre os acusados (Bolsonaro, generais, ministros, auxiliares), em função de autoria, participação e responsabilidade nos atos imputados?
O Supremo aplicou a diferenciação conforme a posição hierárquica e a relevância das condutas. Bolsonaro, como chefe de Estado e articulador, recebeu a pena mais alta. Generais e ministros tiveram penas menores, mas ainda significativas, por coautoria e adesão ao plano. Auxiliares e apoiadores receberam sanções mais leves, já que atuaram como partícipes e não como líderes. A lógica foi clara: quanto maior a responsabilidade e o poder de mando, maior a pena.
