A espiritualidade cristã como caminho para paz interior

Bispo fala sobre perdão, esperança e o papel da fé como fonte de cura e sentido

 

CARATINGA- Em meio ao barulho do mundo moderno, muitos buscam um espaço silencioso onde a alma possa respirar. Para a tradição cristã, esse espaço nasce da fé, da comunhão e do encontro com Deus.

Nesta entrevista, o bispo Juarez Delorto Secco convida os leitores ao olhar para dentro, refletir sobre perdão, acolhimento e esperança — elementos que, segundo ele, são pilares do verdadeiro bem-estar.

 

Para o senhor, o que significa bem-estar sob a ótica cristã?

O bem-estar, sob a ótica cristã, vai além da saúde física ou do conforto material. Ele é a harmonia entre corpo, mente e espírito, fundamentada na comunhão com Deus e com o próximo. Jesus nos ensina que o verdadeiro bem-estar é encontrado na vivência do amor, da justiça e da paz, que são frutos do Espírito Santo (Gl 5,22). É o estado de quem vive segundo o Evangelho, encontrando sentido na vida, mesmo em meio às dificuldades, porque sabe que está nas mãos de um Deus amoroso e misericordioso.

 

Espiritualidade é uma necessidade humana ou uma escolha individual?

A espiritualidade é uma necessidade intrínseca ao ser humano, pois fomos criados à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,27) e temos em nosso coração o desejo de transcendência e comunhão com o Criador. Contudo, a forma como cada pessoa vive sua espiritualidade é uma escolha individual. Deus nos deu o livre-arbítrio, e cabe a cada um buscar essa conexão com Ele. A Igreja nos ensina que a espiritualidade cristã é um caminho privilegiado para responder a essa necessidade, pois nos conduz à plenitude da vida em Cristo.

 

A Igreja é vista como lugar de acolhimento. O que torna o convívio comunitário tão importante para o bem-estar?

O convívio comunitário é essencial porque fomos criados para viver em comunhão, como reflexo da Trindade, que é uma comunidade de amor entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Na Igreja, encontramos apoio mútuo, partilhamos nossas alegrias e dores, e crescemos juntos na fé. O próprio Jesus afirmou: “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” (Mt 18,20). Esse acolhimento e partilha fortalecem o espírito, promovem a solidariedade e nos ajudam a enfrentar os desafios da vida com esperança.

 

Muitas pessoas carregam culpa, mágoa e ressentimentos. O perdão pode ser um caminho terapêutico?

Sem dúvida. O perdão é uma graça que liberta tanto quem perdoa quanto quem é perdoado. Jesus nos ensina a perdoar “setenta vezes sete” (Mt 18,22) porque o perdão cura as feridas do coração e nos reconcilia com Deus, com o próximo e conosco mesmos. Quando perdoamos, deixamos de carregar o peso da mágoa e abrimos espaço para a paz e a alegria. Além disso, o perdão é um ato de amor que nos aproxima do coração misericordioso de Deus.

 

Por que perdoar é tão difícil e ao mesmo tempo transformador?

Perdoar é difícil porque exige humildade, desapego do orgulho e a disposição de abrir mão da justiça humana para confiar na justiça divina. Muitas vezes, a dor causada por uma ofensa nos prende ao ressentimento, tornando o perdão um desafio. No entanto, quando nos abrimos à graça de Deus, o perdão se torna transformador, pois nos liberta da escravidão do ódio e nos permite experimentar a paz interior. É um ato que nos torna mais semelhantes a Cristo, que perdoou até mesmo na cruz.

 

Como a fé ajuda as pessoas a suportarem perdas, injustiças e incertezas?

A fé nos dá a certeza de que Deus está conosco em todos os momentos, especialmente nos mais difíceis. Jesus nos prometeu: “Eu estarei convosco todos os dias, até o fim dos tempos” (Mt 28,20). Essa presença divina nos fortalece e nos dá esperança, mesmo diante das perdas, injustiças e incertezas. A fé nos ensina a confiar no plano de Deus, que transforma o sofrimento em redenção, e nos dá a certeza de que, em Cristo, a morte e o mal não têm a palavra final.

 

Práticas como oração, leitura bíblica ou celebração litúrgica podem promover bem-estar?

Sim, essas práticas são fontes de graça e renovação espiritual. A oração nos coloca em diálogo íntimo com Deus, trazendo paz ao coração. A leitura da Bíblia ilumina nossa vida com a Palavra de Deus, oferecendo orientação e consolo. Já a celebração litúrgica, especialmente a Eucaristia, é o ápice da vida cristã, pois nos une a Cristo e à comunidade de fé. Essas práticas nos ajudam a encontrar sentido na vida e a experimentar a alegria que vem de Deus.

 

Num mundo individualista, materialista e acelerado, o que a fé oferece que ainda falta?

A fé oferece aquilo que o mundo não pode dar: sentido, esperança e amor verdadeiro. Enquanto o individualismo isola, a fé nos chama à comunhão. Enquanto o materialismo busca preencher o vazio com coisas, a fé nos ensina que só Deus pode saciar nossa sede de infinito. E enquanto o ritmo acelerado nos desgasta, a fé nos convida a descansar em Deus, que é nosso refúgio e força. A fé nos lembra que somos mais do que aquilo que possuímos ou fazemos: somos filhos amados de Deus.

 

Há bem-estar sem religião? Fé é sinônimo de espiritualidade?

É possível que uma pessoa experimente algum grau de bem-estar sem religião, mas a plenitude do bem-estar só é alcançada em Deus, que é a fonte de toda a vida e felicidade. A fé e a espiritualidade estão intimamente ligadas, mas não são sinônimos. A espiritualidade é a busca pelo transcendente, enquanto a fé cristã é a resposta a essa busca, fundamentada na revelação de Deus em Jesus Cristo. A religião organiza essa fé, oferecendo um caminho seguro para viver a espiritualidade de forma plena.

 

Uma pessoa que não frequenta igreja pode viver espiritualidade saudável?

Embora seja possível viver uma espiritualidade fora da Igreja, a fé cristã nos ensina que a vida comunitária é essencial para uma espiritualidade plena. A Igreja é o Corpo de Cristo, e nela encontramos os sacramentos, a Palavra de Deus e o apoio da comunidade. Jesus nos chama a viver em comunhão, e a Igreja é o lugar onde essa comunhão se realiza de forma concreta. Portanto, a espiritualidade saudável é fortalecida e enriquecida pela participação na vida eclesial.

 

Deixe um conselho de fé que gere paz interior.

Confie plenamente em Deus e entregue a Ele todas as suas preocupações. Como diz São Paulo: “Não vos inquieteis com coisa alguma; em tudo, pela oração e pela súplica, com ação de graças, apresentem os vossos pedidos a Deus. E a paz de Deus, que excede todo entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus” (Fl 4,6-7). A oração diária gera confiança, e essa confiança nos conduz à verdadeira paz interior, que só Deus pode dar.

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