Eugênio Maria Gomes
Não existe, apenas, um tipo de inteligência. Existem várias. Sim, a tal da inteligência, como muitos ainda a percebem, quantificada apenas através dos números, caiu por terra. E por uma razão muito simples: após um período de acompanhamento de pessoas submetidas ao famoso teste utilizado para medir sua habilidade de pensar e de raciocinar – o famoso QI, Quociente de Inteligência -, a ideia tradicional de inteligência sucumbiu face ao resultado, quando foi demonstrado que muitas delas, de altíssimo QI, tiveram menos sucesso na vida que outras consideradas pouco inteligentes pelo mesmo teste.
Inteligência Linguística, Lógica, Motora, Espacial, Musical, Interpessoal, Intrapessoal, enfim, uma multiplicidade de inteligências. São tantas que é preciso o mínimo de inteligência para compreendê-las e, um pouco mais, para aplicá-las. Nos últimos tempos, algumas áreas do conhecimento – de maneira especial a Administração e a Psicologia -, descobriram a possibilidade da utilização, a favor do homem e do trabalho, das Inteligências Emocional e Espiritual.
Parece coisa de Administrador e de Psicólogo para fazerem com que as pessoas sejam mais felizes e, ao mesmo tempo, mais produtivas, mais amigas das empresas, mais defensoras de seus postos de trabalho, mais focadas em resultados etc. Mas não é.
De fato, a Inteligência Emocional é percebida pelos melhores funcionários, pelos mais bem sucedidos gestores, pelos verdadeiros líderes das organizações. Ela tem o seu alicerce no fato de que o homem é, comprovadamente, fruto do binômio Razão e Emoção. A Inteligência Emocional é o uso equilibrado dessas duas condições. Ela permite ao Ser Humano pensar antes de agir, lidar com as emoções sem deixar que elas comprometam o seu dia, o seu bem estar e, principalmente, a convivência com os seus pares. Quem tem Inteligência Emocional evita, o máximo possível, colocar- se no lugar de vítima, assumindo o controle e a responsabilidade de sua carreira e de sua vida.
Já a Inteligência Espiritual procura impulsionar o Ser Humano um pouco além da razão e da emoção. Ela está relacionada ao seu propósito de vida, posicionando-se através do equilíbrio, do autoconhecimento e de realizações. É claro que este tipo de inteligência, por mais que pareça, não tem nenhuma ligação com religiosidade ou paranormalidade. Tem sim uma relação profunda com valores, com princípios, os quais até estão presentes nas religiões, mas, independentemente delas, precisam estar presentes na postura, no papel desempenhado pelo homem em relação ao ambiente e às pessoas. É o que preconiza o conceito deste tipo de inteligência.
Trata-se de um tipo de Inteligência voltada para levar as pessoas a atingirem um estado mais elevado de consciência, fazendo com que se relacionem melhor com os outros, levando-as à busca de melhores padrões de civilidade. Baseia-se na constatação de que, onde são praticados valores e princípios éticos, familiares, conscientes, ninguém maltrata ninguém, as pessoas não prejudicam ou ofendem as outras, ninguém tenta passar a perna em ninguém e, cada pessoa, antes de tomar qualquer atitude, colocar- se no lugar do outro.
São, portanto, muitas as Inteligências, por isso são denominadas Inteligências Múltiplas. Todos podem desenvolvê-las, exceto aqueles que, anatomicamente, possuam algum distúrbio. Porém, nem todos conseguem aplicá-las, apesar da demonstração usual de que as possuem. Trata-se de uma questão de treinamento…
Na última semana, as redes sociais estamparam, de forma clara, a utilização, ou não, desse conjunto de inteligências, de maneira especial a Inteligência Espiritual, aquela que os cientistas estão dizendo que se encontra em um ponto do cérebro humano, denominado “Ponto de Deus” e que foi batizado de “Ponto do Equilíbrio, da Lucidez e da Mansidão”.
Muito triste ver as pessoas comparando tragédias, medindo dores e sofrimentos, como se a miséria humana pudesse ser medida em função de uma bandeira, de um idioma ou de uma nacionalidade. Entende-se, perfeitamente, que se critiquem os meios de comunicação por dar maior ou menor atenção a determinado assunto; que se responsabilizem governos, políticos e empresários por suas atitudes irresponsáveis; que concentrem maior ajuda à tragédia que mais lhe tenham tocado o coração, porém, o básico da civilidade não admite que alguém, munido do mínimo de inteligência, ofenda um povo inteiro – como aconteceu com o francês -, desdenhe de sua dor, apenas porque não foi dado a Minas Gerais ou aos Gaúchos, pelos governos e pela mídia, a mesma importância em suas respectivas tragédias.
Se assim pensarmos, os analfabetos (e olha que são milhões!), deverão festejar a cada morte de um professor, de um cientista, de um profissional liberal ou de qualquer pessoa que sobressaia por sua formação; os pobres (também são milhões!), deverão tocar seus tambores e bater suas panelas a cada morte de um rico ou componente das Classes A, B e C; os desempregados (10% dos trabalhadores brasileiros) deverão comemorar a morte de cada trabalhador brasileiro que esteja ocupando um posto de trabalho. Sim, porque alguém para registrar frases em sua rede social, do tipo “Que se dane a França”, “Nossa tragédia foi pior – eles que se matem” ou, “Povinho metido, que morram todos”, demonstra algo que vai muito além de sua inveja, de sua pequenez: demonstra a sua falta de lucidez, de compaixão. Demonstra a inexistência daquele “Ponto de Deus” em seu cérebro, em sua vida.
Os mineiros sofreram e estão sofrendo, muito, com a tragédia das barragens. Os gaúchos ainda sofrem com a perda de seus jovens na Boate Kiss. Está evidente a irresponsabilidade das pessoas e dos governos nestas tragédias, assim como a menor importância dada a elas, pelos maiores veículos de comunicação do país, se comparadas à cobertura do ataque terrorista a Paris. Mas, nada disso pode motivar o sentimento de desprezo, de desrespeito, de descaso com a dor dos outros. Até porque, “Os sofrimentos humanos têm facetas múltiplas: nunca se encontra outra dor do mesmo tom”.
Aqueles que desdenharam da dor e do sofrimento que atingiram centenas de famílias francesas esqueceram-se de um valor fundamental da civilização: A Solidariedade!
Aqueles que desdenharam da dor e do sofrimento que atingiram centenas de famílias francesas, manifestando livremente sua opinião, ainda que espúria, utilizaram-se de um valor fundamental da civilização: A Liberdade!
Por acaso, liberdade e solidariedade são valores que hoje desfrutamos, e até banalizamos, porque milhões de franceses lutaram e perderam suas vidas por eles, o consagraram em sua Revolução e em sua Constituição e deram ao mundo moderno as noções básicas de civilidade!
Demonstraram do “alto de sua inteligência, serem pouco inteligentes…”
- Eugênio Maria Gomes é escritor, professor e pró-reitor de Administração da UNEC – Centro Universitário de Caratinga. Secretário de Cultura do Grande Oriente do Brasil – Minas Gerais (GOB-MG) e membro das Academias de Letras de Caratinga e Teófilo Otoni.