José Celso da Cunha*
MICENAS: O Tesouro de Atreu. (Continuação)
Logo abaixo do arco de descarga da abertura de entrada encontram-se as duas pedras que servem de lintel ao portal, razão da sua função estrutural. Os construtores desse período sempre buscavam aliviar as pressões e cargas diretas em um lintel, ou pedra de fechamento de uma abertura, com arcos de descarga, como no caso do Tesouro de Atreu, construído com a técnica do arco de avanço. As duas pedras que fazem parte do lintel do portal desse monumento são de proporções ciclópicas. A que compõe a parte interna, conformada com a curvatura do interior da cúpula, pesa em torno de 120 toneladas, e sua dimensão é aproximadamente: 8 m de largura, 5 m de comprimento e 1,2 m de espessura.
Os construtores desse mausoléu não pouparam criatividade, conhecimento e ousadia para conceber e construir a mais bela estrutura da Idade do Bronze no Peloponeso: a cúpula em forma de ogiva, um domo de proporções nunca imaginadas pelos construtores do Peloponeso. Foi utilizada a mesma técnica do arco de avanço, conhecida dos engenheiros da região nesse período. O problema é que, enquanto o arco de avanço é uma estrutura plana, destinada a possibilitar a construção de aberturas em paredes e muros, uma cúpula é uma construção tridimensional, de grandes dificuldades técnicas e de projeto. Teoricamente, um domo, tolo ou cúpula projetada com a técnica do arco de avanço seria o resultado geométrico da rotação completa em torno do eixo vertical de um arco plano, formando uma superfície interna côncava, contínua, cuja seção transversal perpendicular ao eixo seria formada por circunferências criadas em cada nível. Do ponto de vista prático, a construção dessa cúpula consistiu em se criar camadas de pedra dispostas em círculo, com a face interna tangente à circunferência de cada nível, de tal modo que cada camada superior avance radialmente em direção ao centro de alguns centímetros em relação à camada inferior. De camada em camada assentada, há o estreitamento sistemático e controlado do diâmetro construído, que diminui de alguns centímetros em cada nível, até que na última camada resulte uma pequena abertura central coberta por uma placa de fechamento da cúpula. O resultado é uma estrutura em formato de falsa calota, uma ogiva, com incríveis 14,6 m de diâmetro no nível do terreno, e 13,4 m de altura, na parte mais alta da estrutura, construída com 33 camadas sobrepostas de blocos de pedra bem ajustados e intertravados. As paredes internas são lisas, formando uma superfície contínua, interrompida apenas nas aberturas das duas portas existentes e nos arcos de descarga sobre os respectivos lintéis. A porta interna, com 1,6m de largura e 2,5m de altura, localizada do lado norte da cúpula, permite o acesso a uma caverna cortada diretamente na rocha, uma espécie de câmara onde possivelmente ficavam depositados os tesouros e oferendas. O estilo dessa porta e o seu sistema estrutural são os mesmos introduzidos no portal da entrada. Aqui também a abertura é encimada por uma lintel de pedra plana, protegido pelo arco de descarga constituído das mesmas pedras da cúpula.
As aberturas foram construídas com fortes pilares laterais feitos de blocos cuidadosamente cortados, assentados e conformados com a geometria interna da cúpula. O sistema estrutural é composto de detalhes construtivos especiais, com base em conhecimentos de cantaria, do corte ao assentamento dos blocos destinados a compor a geometria tridimensional da cúpula, com suas dificuldades próprias. Além de fazer parte da estrutura do portal, necessária para garantir a segurança e a estabilidade da abertura, as pedras posicionadas nas extremidades, interna e externa, foram também preparadas para fazer parte da estrutura da própria cúpula. O que se observa nessa bela construção de grandeza e poder, é uma perfeita adequação entre engenharia e arquitetura, concebida na percepção da arquitetura, com suas expectativas simbólicas, e a função estrutural, resultado da competência da engenharia aplicada, ambos dignos dos deuses do Olimpo.
Conclui-se que os construtores micênios, senhores do Peloponeso na Idade do Bronze, conseguiram suplantar os arquitetos minoicos, sobretudo no campo das construções monumentais, em que as pedras de grande tamanho foram a sua grande contribuição. Enquanto em Tirinto os arquitetos introduziram a construção de uma grande muralha, visando à proteção de seus habitantes contra invasores externos, e galerias constituídas com arco de avanço, tanto no plano ou em situações não conformes, Micenas aparece com outros atributos, ainda mais surpreendentes. No primeiro deles, introduzem uma arquitetura visivelmente preocupada com o acabamento das suas construções para causar impacto visual aos visitantes e registrar a autoridade dos reis que habitavam aquela cidadela, sua cultura e seu avanço técnico nos campos da construção e das artes. O Portão dos Leões e a qualidade da cantaria empregada na face externa da muralha no seu entorno são exemplos desse capricho. O segundo deles, seguramente o mais surpreendente, é que seus arquitetos criaram condições de construir mausoléus especiais, com pedra polida, com grandes cúpulas abobadadas, para eternizar a moradia de seus heróis e reis mais queridos. O Tesouro de Atreu, o maior e o mais bem-concebido de todos os demais mausoléus da civilização micênica no Peloponeso, encerra um ciclo de construtores criadores gregos, que souberam avançar na técnica herdada de seus antepassados, melhorando sistemas construtivos já consolidados, permitindo avanços jamais imaginados na arquitetura. Dessa forma, observa-se que o verdadeiro Tesouro de Atreu, ou da tumba de Agamenon, jamais fora saqueado ou mesmo destituído da sua riqueza; ele ainda permanece incólume a nos encantar pela sua monumentalidade e, sobretudo, por nos permitir apreciar a habilidade e conhecimentos técnicos na arte de construir para sempre dos herdeiros de Perseu.
[1] *José Celso da Cunha, engenheiro civil, doutor em Mecânica dos Solos-Estruturas pela ECP- Paris, escritor e ex-professor da Escola de Engenharia da UFMG. É membro da ABECE, do IBRACON, da Academia Caratinguense de Letras e membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni. E-mail: [email protected].
[1] **Com base na série do autor: “A História das Construções” ― www.autenticaeditora.com.br .
As fotografias das construções apresentadas neste artigo foram tiradas pelo autor.