Neste momento em que escassez de água no Brasil tem ocupado amplo espaço na mídia, é importante que cada cidadão faça uma profunda reflexão sobre a escassez de água e como a mesma tem causado crise na humanidade. Só para ilustrar, recentes manchetes noticiaram, por exemplo, que a nascente de um dos rios mais importantes do Brasil, o Rio São Francisco, secou no município de São Roque de Minas e que somente na região metropolitana de São Paulo, a maior do país e uma das maiores do mundo (a 7ª em população) corre sério risco de faltar água, já que os dois sistemas (Cantareira e Alto Tietê) responsáveis pelo abastecimento de mais de 10 milhões de pessoas vêm quebrando seguidos recordes de volume negativo nos últimos meses.
Neste momento de escassez de água até termos como “volume morto”, pouco difundido entre a população passa a ser de domínio público, pois a necessidade de aproveitar no reservatório de água situado abaixo das comportas das represas, essa água que nunca foi utilizada para atender a população passa ter importância crucial.
Este cenário tem levado muitas pessoas a mudarem de comportamento em relação a escassez de água e algumas ações (individuais e/ou coletivas) tem sido adotadas para economizar água, seja pelo amor ou seja pela dor, recorrendo a caminhões-pipa para abastecerem suas residências, a tomarem banhos de balde, a efetuar estocamento de água, abertura de poços artesianos, dentre outras.
Entretanto, logo que as chuvas ocorrem, os reservatórios enchem e o abastecimento é normalizado, lamentavelmente muitas pessoas retornam ao seu cotidiano, isto é, deixam de economizar água, compondo o grupo que faz parte da “cultura do desperdício”. A saída de uma situação de desconforto (pela limitação ou escassez da água) para a normalidade no abastecimento leva à parte da população para uma zona de conforto e um rápido esquecimento da gravidade, já que a situação de escassez é recorrente.
Salienta-se que a quantidade da água disponível é suficiente para abastecer a vida caso a ação do homem não fosse predatória. O uso irresponsável dos recursos hídricos está fazendo da água doce potável um bem cada vez mais raro e precioso. Normalmente, a água doce não seria um recurso finito porque ela se renova a partir da evaporação. Entretanto, a velocidade da degradação deste recurso é muito superior à velocidade de renovação. A velocidade de renovação é extremamente lenta, podendo durar décadas ou séculos. O processo humano de degradação das águas é contínuo e cada vez mais intenso. O despejo de substâncias tóxicas, lixo e esgoto sem tratamento vêm condenando à morte rios e lagos de água doce. Diante da gravidade da situação e sabedores de que estoques de água doce estão sendo diminuídos pelo despejo diário de 2 milhões de toneladas de dejetos humanos são eliminados nos cursos de água em todo o mundo e que mais de 80% das águas residuais do planeta não é coletada ou tratada, conforme alertam especialistas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) é preciso com urgência repensarmos o modelo “desenvolvimentista” vigente.
Devido a grande importância da água na vida e no cotidiano das pessoas percebemos que não podemos mais desperdiçá-la. Neste contexto governo e sociedade podem e devem num esforço conjunto se organizar e fiscalizar o uso correto da água, bem como se encarregar de distribuí-la igualmente e punir severamente todos aqueles que desobedecerem as regras.
É inegável que hoje temos um problema causado pela escassez, devido principalmente à distribuição desigual de água no planeta e agravado pela má gestão, que sempre foi pontual e setorial, deixando de ser integrada para resolver a questão das bacias hidrográficas brasileiras de modo mais sistêmico. As consequências dessa crise são claras para países como o Brasil. Ainda que tenhamos 14% de todos os recursos hídricos do mundo, grandes cidades, como São Paulo, estão no limite da escassez.
Enfatiza-se as consequências da má gestão dos recursos hídricos o que gera consequentemente escassez de água, que representa um dos maiores desafios para as próximas décadas. A soma de todas as atividades humanas sejam agrícolas, industriais, de serviços, lazer e outras, resulta em um consumo aproximado de 20 milhões de litros por ano por habitante do planeta.
Dados do Relatório sobre Desenvolvimento Humano do PNUD de 2006 apontou que 1,2 bilhão de pessoas foram atingidas diretamente pela escassez de água. De acordo com o relatório, 2,7 bilhões devem ser atingidas até 2025, 2,6 bilhões não contam com saneamento básico e 1,8 milhão de crianças morrem anualmente por infecções transmitidas por água insalubre.
Esse panorama tende a se agravar, uma vez que a demanda por água continua a crescer devido ao aumento populacional de cerca de 90 milhões de habitantes por ano no mundo, aliado a fatores como a necessidade de produzir maior quantidade de alimentos e a rápida industrialização dos países em desenvolvimento, nos quais a indústria aumentou o consumo de água em cerca de 30 vezes apenas no século 20.
Para o enfrentamento da crise, uma das principais saídas estaria na realização de mais pesquisas científicas, tanto básicas como aplicadas, que levem, sobretudo, à redução do consumo e ao reuso de água.
A pesquisa sobre o assunto é fundamental e deve ser multidisciplinar, envolvendo todos os elementos possíveis que constituem a paisagem natural e os sistemas hídricos. Os estudos precisam ainda ser sistemáticos no sentido do constante monitoramento dos resultados que deverão ter longa duração.
O acesso à água e saneamento é uma questão ética
A crise da água vem aumentando, mesmo com alguns avanços obtidos para atingir os objetivos estabelecidos em 2000. O Projeto do Milênio das Nações Unidas foi estabelecido em 2002 para desenvolver um plano de ação que habilite os países em desenvolvimento a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a reverter o massacre da pobreza, da fome e das doenças que atinge bilhões de pessoas. As equipes das dez forças-tarefas do Projeto Milênio, congregando 265 especialistas de todo o mundo, foram desafiadas a diagnosticar os principais impedimentos ao alcance dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e a apresentar recomendações de como superar os obstáculos, colocando as nações no caminho certo para atingir as metas até 2015.
Estas recomendações mostram claramente que, após cinco anos, a ONU continua conclamando os países a assumir o acesso seguro à água potável como prioridade máxima em suas agendas. O mais grave é o fato de que as metas estabelecidas para 2015 não visam a eliminar, e sim reduzir, a tremenda injustiça social da falta de acesso seguro à água e ao saneamento básico para todos os habitantes da Terra. De acordo com a força-tarefa, expandir a cobertura de água e saneamento não requer somas colossais de dinheiro, nem descobertas científicas inovadoras. Quatro em cada dez pessoas no mundo não têm acesso nem a uma simples latrina de fossa não-asséptica e são obrigadas a defecar a céu aberto. Obviamente, o conhecimento, as ferramentas e os recursos financeiros estão disponíveis para pôr fim a esta infâmia.
O fornecimento de água para a humanidade articula-se estreitamente às prioridades estabelecidas pelos homens. Os usos que damos à água refletem, no fim das contas, os nossos valores mais profundos. “A água é, primeiramente, uma questão política e ética. Nenhuma outra questão merece mais atenção por parte da humanidade. Ela determina a paz universal e o futuro de todos os seres vivos. Grande parte dos conflitos políticos e sociais no futuro deixará de ter como causa o petróleo e serão provocados pelas disputas em torno da água, é hoje praticamente um consenso e isto não pode ser ignorado. Segundo Mohamed Bouguerra (As Batalhas da Água: por um bem comum da humanidade. Editora Vozes, 2004. 238p) necessitamos, hoje, da formulação de uma política global para a água, fundada sobre o plano da ética, e que sirva de guia para definir uma partilha equilibrada dos recursos. “Dessa maneira se poria fim aos embates indignos que os detentores do poder e alguns grupos de pressão exercem sobre este recurso. Se a política da água precisa ser integrada à viabilidade econômica, não é menos indispensável que ela englobe também a solidariedade social, a cooperação com os países mais desprovidos, a responsabilidade ecológica e a utilização racional desse recurso, para não comprometer as necessidades das gerações atuais e futuras e dos demais seres vivos que partilham conosco a água do globo”.
Marcos Alves de Magalhães é Engenheiro Agrônomo (UFV), Mestre em Engenharia Agrícola na área de concentração em Manejo de Resíduos (UFV) e Doutor em Engenharia Agrícola na área de concentração em Recursos Hídricos (UFV). É professor do Centro Universitário de Caratinga (UNEC) do curso de Engenharia Ambiental e Sanitária.
Mais informações sobre o autor: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4770499E6