* Cláudia Cardoso da Cruz Gomes
O título desta coluna é bem sugestivo e intrigante “Além da Palavra” o que está além da palavra? Uma infinidade de sentidos. Carlos Drummond de Andrade escreveu com maestria “Entre coisas e palavras – principalmente entre palavras – circulamos”. As palavras adornam o sentido. Elas são importantes? Importantíssimas! Elas registram aquilo que queremos dizer e aquilo que não queremos dizer. As palavras possuem poder encantatório, fazem parte da linguagem, que nas palavras de Rousseau “distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele tenha falado”.
Marilena Chaui, em sua obra Convite à Filosofia, cita Platão, filósofo grego, que dizia que a linguagem é um pharmakon, palavra grega que pode ser traduzida como remédio, veneno ou cosmético. Remédio quando se trata do conhecimento, da lógica, da descoberta de nossa ignorância e da humildade de aprender com os outros. Veneno quando somos seduzidos pelas palavras que ouvimos ou lemos sem fazer uma análise crítica e racional. Cosmético quando a linguagem é usada para mascarar ou dissimular ou mesmo ocultar uma verdade.
É inegável a força da linguagem e também o poder de cada palavra que pronunciamos. Algumas são mágicas como aquelas que ao serem pronunciadas, nos contos de fadas, possuem poder de realização, como abracadabra. Outras são vistas como tão ruins e são até evitadas como: câncer, demônio ou desgraça.
Na obra “Tabu do Corpo” o autor José Carlos Rodrigues cita um exemplo do poder das palavras sobre os indivíduos, descrevendo a seguinte situação “um povo do hemisfério norte costuma ingerir pela manhã, num estranho ritual, a secreção de uma glândula de um determinado mamífero, ao qual misturava-se líquido de uma cor terrivelmente negra: figurava, ainda, nessa tétrica cerimônia, uma gosma que determinados insetos vomitavam, células reprodutoras de aves e determinadas pastas gordurosas”. Se o leitor estiver atento perceberá que se trata de um café da manhã no qual se inclui leite, café, mel, manteiga e queijo. No entanto, a escolha vocabular causa certa repulsa a alguns. Isto significa que tanto para escrever como para falar precisamos escolher bem as palavras. As palavras, através da linguagem, encantam, constroem, destroem…
As palavras precisam combinar entre si, por exemplo, dizer “ele morreu graças a um câncer” pode causar estranhamento, pois a palavra graças não combina com a palavra morreu e nem com a causa da morte.
As palavras também precisam ser usadas de forma adequada no momento adequado. Algumas vezes precisamos substituí-las para que possamos nos expressar de uma forma mais suave e agradável. Esta é a função do eufemismo, figura de linguagem que tem como objetivo substituir, em determinado contexto, uma palavra ou expressão desagradável por outra, como nos exemplos a seguir: “Quando a indesejada das gentes chegar” (Em lugar de a morte) (Manuel Bandeira). “Verdades que esqueceram de acontecer” (em lugar de mentira) (Mário Quintana) “Ele vivia de caridade pública” (em vez de esmolas) (Machado de Assis) “…Para o porto de Lúcifer.” (Em vez de inferno) (Gil Vicente).
Cada palavra também precisa combinar com os gestos e as feições de quem a emite, se alguém diz que gosta de algo seu corpo precisa dizer o mesmo. O corpo fala!
Tudo isso é linguagem, verbal, não verbal, não é preciso ser um cientista para perceber sua importância, a linguagem nos diferencia dos animais, com ela somos capazes de expressar nossos sentimentos e de nos comunicar com os outros.
É preciso estar atento, pois a linguagem que usamos e as palavras que escolhemos tornam-se parte de nós. A linguagem impregna como um perfume. Portanto se soubermos ler, escolher e usar de forma adequada cada palavra, classificando-a como remédio, veneno ou cosmético, indubitavelmente saberemos interpretar o silêncio.
* Cláudia Cardoso da Cruz Gomes
Coordenadora do curso de Letras e professora dos cursos de Letras e Pedagogia do
Centro Universitário de Caratinga – UNEC
Mais informações sobre o autor (a): http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4203136H4