Margareth Maciel de Almeida Santos
Doutora em Sociologia Política
Membro do Instituto Nacional dos Advogados do Brasil (IAP)
Talvez o meu testemunho sobre a pandemia causada pelo novo coronavírus, na qual estamos perdendo familiares, amigos e conhecidos, possa ser um notável relato para atentar as pessoas sobre a crueldade desse momento. A verdade é que nunca pensamos que vai acontecer com a gente, não pensamos que podemos ser vítimas dos efeitos que esse vírus pode causar.
Eu vi o estrago que ele fez na minha vida quando tirou de mim a minha melhor amiga: minha mãe. Apesar de ter presenciado os esforços dos médicos, que fizeram o possível e o impossível para salvar pessoas contaminadas em uma unidade hospitalar batizada como “UTI do Coronavírus”, o sentimento era de insegurança, que acabou por se tornar em uma dor difícil de descrever. Acho que era o medo da morte, o medo de perder uma pessoa que me amava de forma incondicional. Minha mãe foi colocada em uma maca e subiu para a referida UTI, me deixando a lembrança de seu olhar distante, parecendo entender o que estava acontecendo e o que viria a acontecer. Sua morte passou a constar nas estatísticas de óbitos decorrentes da COVID-19 no Brasil e no mundo.
É triste também relatar a expectativa de muitos pacientes, de que após o tratamento correto logo se recuperariam, no entanto, a experiência não deixa dúvidas sobre a possibilidade de sequelas que podem, posteriormente, levar a um resultado fatal. Minha mãe, caso se recuperasse, poderia passar a apresentar um quadro de insuficiência renal e talvez outros problemas da saúde, que poderiam ser graves, por já ter a idade de 86 anos. A intensidade e o sofrimento de todos os que estavam naquela UTI travou em mim a esperança de vê-los voltar ao “status quo”, porém sei que esse não foi o resultado alcançado por muitos.
Eu acredito que Deus foi misericordioso, pois minha mãe não ficou entubada por muito tempo, não sofreu. Dez dias após a sua internação ela se foi… Após ser informada pelas minhas filhas sobre o ocorrido, também recebi a notícia de que estava contaminada pelo vírus. Foi justamente no dia do falecimento da minha mãe e, por isso, não pude comparecer ao seu sepultamento. Os primeiros quinze dias de luto, vividos em isolamento na sala onde eu passava as tardes com ela e nos ambientes onde ficávamos horas conversando, me fez refletir sobre tantos absurdos que nós humanos cometemos. Eu falo, nós, porque sei das minhas imperfeições, das minhas omissões, mas no momento em que me conscientizo clareia a necessidade de ser uma pessoa melhor. Difícil!!!
Quando falo do tratamento correto, posso dizer, que após relatar para os médicos, sobre meu resultado positivo, fui orientada a tomar alguns medicamentos, que não sei dizer se foram esses que me curaram. Posso dizer que não tive sintomas como perda de paladar, olfato e nem perdi o apetite. Pelo contrário, parecia que havia em mim um vazio que precisava ser alimentado e assim minha fome aumentava a cada dia da quarentena. O tal vírus nem me ajudou a emagrecer!
Com a pandemia tudo mudou, a forma de nos relacionarmos em sociedade, seja em família, no trabalho, com os amigos ou colegas. Nada será como antes! Penso que nem o amor será o mesmo. Ao mesmo tempo que para mim acredito que este será maior, fico indignada quando vejo a negação da maioria dos gestores públicos em relação à própria existência da pandemia que já tirou a vida de pelo menos 130 mil brasileiros. A urgência da vida parece negligenciada e a escassez de aparelhamentos e materiais parecem mais evidentes. As próprias pessoas nas ruas, nos bares, parecem não se importar com o tremor do vírus.
O egoísmo e a falta de solidariedade na sociedade nunca teve fim! A maldade e a mentira estão presentes em pandemias, epidemias, guerras civis e me parece aflorar ainda mais nesses tempos. A troca de favores ainda perdura e principalmente as irresponsabilidades éticas do ser humano, apesar de vermos nitidamente as histórias sofridas pela população brasileira, como a falta de recursos essenciais. Isso pode afetar as nossas vidas de forma incalculável. Furtar e roubar parece que assolou quase todas as instituições. Um horror dentro da pandemia do coronavírus!
Sei que não sou a única pessoa que tem a insatisfação de testemunhar essa pesada experiência e de sentir a insegurança em saber que estamos em uma guerra, na qual o inimigo sofre mutação e ataca sem dó e sem piedade.
Diante de todo o cansaço e de toda a perturbação, posso dizer que a minha maior arma é a fé em Jesus Cristo. Ele é quem me sustenta!
“Para aonde irei, para onde fugirei, se estás no alto da montanha ou nos confins do mar!”