Margareth Maciel de Almeida Santos
Advogada e doutoranda em Ciências Sociais.
Pesquisadora CNPQ.
No dia 15 de julho, a Comissão de Políticas Sobre Drogas da OAB/RJ debateu a legalização da maconha e seus possíveis usos, principalmente no campo medicinal. O objetivo foi desmitificar o assunto e proporcionar um debate que superasse o preconceito. Antes de iniciar o debate, foi apresentado o filme“legal”, de Tarso Araújo e Raphael Erichsen, que fala sobre o uso medicinal da maconha, através da substância Canabidiol. Mesmo com a autorização dos órgãos de saúde, o acesso de quem precisa deste tratamento ainda é muito burocrático. O debate se deu em torno das doenças graves, sendo destacada a epilepsia. Muitos estudos têm chamado atenção para a Cannabis Sativa (nome científico da maconha) pelo seu potencial analgésico e pela sua capacidade de aliviar sintomas relacionados com doenças do sistema nervoso central. A autorização é dada a pacientes ou a seus representantes legais em caso de tratamento de doenças graves.
O que conta o filme “Ilegal”?
É um documentário que conta a história de cinco mulheres, com problemas diferentes, que descobrem na maconha uma possibilidade terapêutica que pode aliviar suas dores e a de seus filhos. O filme causou tanto impacto que após a primeira semana do lançamento, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo permitiu que os médicos paulistas prescrevessem a substância. Meses depois foi a vez do Conselho Federal e a partir daí a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) reclassificou o canadibiol tirando-o da lista dos medicamentos proscritos para os permitidos, o que acelerou muito o processo de autorização.
O que você pode nos contar sobre a descoberta do uso medicinal da Cannabis sativa?
Essa droga possui uma longa história na medicina. Li um artigo na Revista Brasileira de Anestesiologia, que na China, em 2737 a.C., o imperador Shen-Neng a prescrevia para tratamento de malária, gota, reumatismo e outras. A partir daí foi introduzida na Europa com Napoleão, que após ter ido ao Egito, levou amostras para a Europa Ocidental, as quais despertaram o interesse da comunidade científica pelos seus efeitos sedativos e alívio da dor. Depois foi os Estados Unidos que adotou a medicação como sedativa e anticonvulsivante.
No Brasil, até 1917, os derivados da planta podiam ser facilmente encontrados em tabacarias e farmácias, e até 1930, eram receitados por médicos e vendidos por herbanários e farmacêuticos, sendo consumidos. A partir do século XIX comissões de especialistas começaram a tomar posição sobre o comércio da substância e investigaram seu impacto sobre a saúde dos indivíduos. Após os resultados de investigações experimentais e estudos clínicos é consenso que a Cannabis sativa oferece benefícios aos pacientes sem possibilidade de cura como o câncer terminal e portadores de doenças neurológicas.
Segundo a interpretação oficial do Escritório das Nações Unidas para Drogas e Crimes (UNODOC), as Convenções das Nações Unidas Sobre Controle de Drogas, de 1961 a 1988 têm como principal objetivo regular o uso medicinal e científico de drogas, além de restringir e reprimir o comércio não autorizado.
No caso do uso medicinal da planta, ou seja, da substância ativa Canabidiol (CBD), quais são seus efeitos colaterais e como estes se diferem do uso da Cannabis sativa?
O Canabidiol (CBD) é uma das 50 substâncias químicas ativas encontradas na maconha e que, segundo estudos, tem utilidade médica para tratar de diversas doenças neurológicas, como epilepsia e esclerose múltipla, além de já ser uma substância autorizada nos Estados Unidos, Canadá, Uruguai entre vários outros países. Recentemente, li em uma reportagem do médico Dr. Dráuzio Varella onde ele diz que o Canabidiol não possui efeito psicotrópico, ou seja, não causa alterações de sentidos e nem provoca dependência. “Assim, sua ação ao entrar na corrente sanguínea e chegar ao cérebro, se limita a acalmar a atividade química excessiva do órgão, não constituindo, portanto, uma substância entorpecente e nem psicotrópica, argumento bastante usado na votação para reclassificação do princípio ativo”.
Qual é a importância da reclassificação do Canabidiol como substância controlada, permitindo seu uso como medicamento?
Apesar de ser um assunto que suscita grande polêmica, acredito que a liberação do Canabidiol para uso terapêutico no Brasil é um marco importante, uma vez que até o momento não havia qualquer tipo de regulamentação a respeito disso. Vejo essa reclassificação como uma oportunidade de ampliação da discussão na sociedade sobre esse assunto, que até o presente o momento foi tratado de maneira bastante preconceituosa, uma vez que há dificuldade em diferenciar seu uso com o da planta in natura, ou seja, da maconha. Na prática, essa medida vai ajudar a mobilizar esforços em torno da pesquisa da substância, facilitando a condução de estudos que possam levar ao desenvolvimento e registro de um medicamento nacional, beneficiando diversos pacientes de doenças como glaucoma, dores crônicas, epilepsia das quais há estudos confirmando a ação benéfica de tal substância.
Diante do exposto, qual seria a dificuldade para que haja uma autorização menos burocrática do uso do cannabidiol?
Penso que o problema é que depois do início das operações de repressão na década de 1970, surgiram os cultivos de grande-escala e o negócio passou a ser empreendido por pessoas também envolvidas com outros crimes. Com a intensificação do processo de urbanização, é que o hábito ganhou maior visibilidade entre os habitantes das zonas urbanas passando a ser considerado um problema e a figurar entre as preocupações do Estado. O mercado ilícito da planta tem assumido configurações violentas e relacionadas com outros crimes e também ao temor de estimular o uso-legal da droga.
Qual é a posição daqueles que são contra a legalização da maconha para uso medicinal?
Para os que são contra, os perigos da maconha já foram comparados aos do ópio, quando essa substância passou a ser proscrita no país. Os riscos à saúde das pessoas que consomem a planta e seus derivados estão ligados ao hábito de fumá-la, alegando ainda que o uso das propriedades psicoativas da planta também é contra indicado no caso de pessoas com propensão a problemas psiquiátricos.
Qual seria a sua conclusão em relação a esse debate?
Penso que se for para aliviar a dor, ou a cura de alguma doença, tem que ser legalizado. No entanto as questões devem vir à tona: Qual a política de drogas é a melhor para ser adotada? A proibição total ou a legalização da maconha em caso de doenças graves? A judicialização de medicamentos é ruim para o paciente? Como o Estado se posiciona?
Entender as demandas e as necessidades das pessoas que precisam da Cannabis ou drogas, através do Sistema Único de Saúde, como é essa relação? Posicionamentos amplos serão necessários para criar normas de formulação e disponibilização com a finalidade médica, por se tratar de uma substância que gera preconceito pela sua comercialização e utilização ilegal. Perspectivas científicas apontam a substância como opção de tratamento proporcionando finais de vida mais dignos para alguns pacientes.