Margareth Maciel de Almeida Santos
Advogada e doutoranda em Ciências Sociais.
Pesquisadora CNPQ.
Moro perto de uma clínica que trata de pessoas com câncer, Clínica São Carlos, e como tenho em meu coração a missão de falar de Jesus. Procuro uma vez por semana ir até essas pessoas que estão internadas na referida clínica, para levar uma palavra de conforto.
Saio de lá, às vezes muito feliz, quando ouço que a minha visita foi uma graça de Deus e que é para eu voltar sempre. Outras vezes não me sinto muito feliz, pois aquele ou aquela que eu visitei na semana anterior não o (a) encontro mais. Fico a pensar que tiveram alta e procuro saber o motivo “dela” ou “ dele” não estar mais presente, quando muitas vezes sou informada que esta pessoa se encontra agora na morada do Pai .
A primeira vez que visitei, fiquei muito impressionada com uma senhora que sentia fortes dores e não encontrava uma posição de alívio. Fiquei a pensar no que seria melhor diante de tanto sofrimento: morrer ou viver?
Como estudo Bioética, tentei recorrer a esta, para obter alguma forma de resposta para aquilo que me atormentava, pois para mim a discussão era se valeria a extensão da vida, e consequentemente a qualidade do viver?
E o que você encontrou?
Segundo Barchifontaine, “a pessoa é o fundamento de toda a reflexão da bioética considerando-se a alteridade, isto é, a sua relação com outras pessoas. Retomamos a questão da vida, e da sua manutenção a todo custo. Quando se leva em conta apenas a sociedade, o que importa é a vida, sem entrar no mérito de sua qualidade. Quando a discussão envolve a qualidade do viver, então, não são somente os parâmetros vitais que estão em jogo, mas sim que não haja sofrimento. O que é fundamental não é a extensão da vida e sim sua qualidade”.
Para o referido autor, entender a Bioética como o resgate da dignidade humana, da qualidade de vida num momento em que as pessoas estão enfrentando a morte iminente e inevitável.
Poderíamos então dizer que o início da vida como também o seu fim são questões que demandam muitas reflexões e discussões?
Sim, posso citar que no início deste ano, ocorreu uma decisão inédita da justiça brasileira, em que a advogada Rosa Chiavana conquistou o direito de ter uma morte digna. Ela recebeu a chancela judicial de que não precisava passar por nenhum tratamento desnecessário, caso viesse a desenvolver alguma doença irreversível que iria comprometer sua capacidade física e sua consciência. Nas palavras da medicina, é a ortotonásia que é uma morte natural, onde o paciente pode optar em ir para a casa ou para um hospital de cuidados paliativos para que possa morrer com menos intervenções.
E o que seriam esses cuidados paliativos?
O cuidado paliativo é definido pela Organização Mundial de Saúde como o “cuidado ativo dos pacientes cuja doença não responde mais ao tratamento curativo. O controle da dor e de outros sintomas, o cuidado dos problemas da ordem psicológica, social e espiritual são o mais importante. O objetivo do cuidado paliativo é conseguir a melhor qualidade de vida possível para os pacientes e suas famílias”.
Existe ou não o direito da pessoa determinar o fim da própria vida?
Em temas tão polêmicos é necessário recorrer aos sábios. Frankl “aponta para a questão do sentido da vida, para a percepção do vazio existencial, e para o direito de exercer a liberdade da maneira mais radical, ou seja, decidindo sobre a própria vida. O autor afirma que o temor, em relação à legalização da eutanásia, se relaciona a um suposto aumento do poder dos médicos na determinação da morte. Por outro lado, os que a defendem retomam o princípio da autonomia e a priorização do que é qualidade de vida”.
Em 2013 a médica Virginia Helena de Souza, que chefiava a UTI do Hospital Evangélico de Curitiba, foi acusada de praticar esse crime com diversos pacientes. Segundo a acusação, a médica reduzia o nível de oxigênio provocando a morte dos pacientes.
Kipper discute que, “com todos os problemas econômicos do Brasil, ainda se mantêm os pacientes em estado terminal por muito tempo na UTI’s porque os profissionais de saúde temem as consequências do desligamento dos aparelhos e se sentem sozinhos neste momento”.
E qual a sua conclusão?
Pensei também a necessidade de refletir sobre aqueles que morrem antes do tempo, não porque querem, mas pela falta de atendimento e pelas condições sub-humanas que o cidadão é submetido. Esses fatos estão aí, presentes em todo momento, tanto na imprensa escrita, na internet e televisão.
Para Márcio Anjos a “importância de uma bioética para o terceiro mundo na qual a justiça para todos é uma questão importante, uma vocação para se pensar naqueles que são excluídos, os pobres, para quem não se discute a eutanásia voluntária e sim a involuntária”.
Essa discussão é fundamental, pois o Brasil é marcado pelas desigualdades exigindo do Estado uma responsabilidade, leia-se “assistência de saúde”. A saúde pensada como uma questão de justiça, pois sendo esta um bem fundamental, daria as pessoas o direito de cuidar do seu próprio bem estar. Esse bem estar que se relaciona com a solidariedade e a fé destacando aqui a relação de médicos e pacientes, Estado e cidadãos.
A cada dia tenho mais a certeza de que não somos donos do tempo. Este pertence a DEUS. É necessário termos consciência para que possamos querer fazer a nossa parte. Toda argumentação apresentada aponta para a proteção do outro, especialmente quando este “outro” se encontra em condições limitadas. Não só olhar o sofrimento e a dor do outro, mas ir ao seu encontro. Encontrar os que estão necessitados de um olhar com amor, da nossa participação em seu sofrimento. Fazer como Jesus: Ele ia sempre ao encontro do outro. Isso faz bem para o meu coração. E para o seu?