Ildecir A.Lessa-Advogado
Houve plena divulgação na imprensa mundial da morte, aos 91 anos, em Leeds, na Inglaterra, do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, nesta segunda-feira (9). A causa da morte não foi informada. Bauman foi casado com a também socióloga e escritora Janina Bauman desde a época do pós-guerra. A esposa também faleceu em Leeds, em 2009. Zygmunt Bauman deixa três filhas.
Esse sociólogo polonês foi um dos intelectuais mais respeitados da atualidade. Seus livros venderam mais de 200 mil cópias. Entre eles, “Amor líquido” é talvez o livro mais popular de Bauman no Brasil. É neste livro que o autor expõe sua análise de maneira mais simples e próxima do cotidiano, analisando as relações amorosas e algumas particularidades da “modernidade líquida”. Vivemos tempos líquidos, nada é feito para durar, tampouco sólido. Os relacionamentos escorrem das nossas mãos por entre os dedos feito água. Em seus escritos, declina Bauman sobre o que acontece no mundo atual: “houve um tempo em que conceitos eram sólidos. Ideias, ideologias, relações, blocos de pensamento moldando a realidade e a interação entre as pessoas. O século 20, com suas conquistas tecnológicas, embates políticos e guerras viu o apogeu e o declínio desse mundo sólido. A pós-modernidade trouxe com ela a fluidez do líquido, ignorando divisões e barreiras, assumindo formas, ocupando espaços diluindo certezas, crenças e práticas”.
Ainda dá a lição sobre o medo da solidão, na modernidade, quando escreve: “Estamos cada vez mais aparelhados com iPhones, tablets, notebooks, etc. Tudo para disfarçar o antigo medo da solidão. O contato via rede social tomou o lugar de boa parte das pessoas, cuja marca principal é a ausência de comprometimento. Este texto tem como base a ideia do “ser líquido“, característica presente nas relações humanas atuais. Inspirado na obra “Amor Líquido” – sobre a fragilidade dos laços humanos . As relações se misturam e se condensam com laços momentâneos, frágeis e volúveis. Num mundo cada vez mais dinâmico, fluído e veloz. Seja real ou virtual”. E arremata Bauman na fluidez de sua escrita: “É um mundo de incertezas, cada um por si”.
Temos relacionamentos instáveis, pois as relações humanas estão cada vez mais flexíveis. Acostumados com o mundo virtual e com a facilidade de “desconectar-se”, as pessoas não conseguem manter um relacionamento de longo prazo. É um amor criado pela sociedade atual (modernidade líquida) para tirar-lhes a responsabilidade de relacionamentos sérios e duradouros. Pessoas estão sendo tratadas como bens de consumo, ou seja, caso haja defeito descarta-se – ou até mesmo troca-se por “versões mais atualizadas”. Para os leitores de Bauman, à unanimidade, é o maior escritor contemporâneo, de quase todas as línguas e de quase todas as literaturas. Com sua morte, essa verdade se espalhará mais ainda, pelo mundo , pois vai ser por demais dita e repetida em todos os lugares do globo. Não há um só continente que não tenha sido contaminado pelos livros de Bauman. Por isso e muito, muito mais, justifica que tenhamos Bauman em nossa alma literária, que prestemos a ele nossa reverência, que não pode ser acrítica ou submissa, mas sim ativa e inteligente como foram seus trabalhos escritos , e que saiamos do lugar comum dos textos mais conhecidos, como de Amor Líquido . Que cada texto de seus inúmeros livros, deixados agora, no Espólio de Bauman, sejam, em sua sincera despretensão de exegese, um convite amoroso à leitura das obras literárias de Zygmunt Bauman.
Sua intensa vida diluiu, tornou-se líquida, com a morte das células, pois na liquidez da vida, a morte chega cedo, como anota Fernando Pessoa “En Cancioneiro”; “A morte chega cedo. Pois breve é toda a vida, O instante é o arremedo. De uma coisa perdida”. Assim, ficamos com essa triste notícia da morte de Zygmunt Bauman, buscando resposta em uma das falas mais emblemáticas do sociólogo: “Estamos todos no mesmo barco. Essa é a primeira vez na história em que o mundo é realmente um único país, em certo sentido. E não há reversão. Logicamente, podemos tentar construir muros impenetráveis ao redor do nosso lugar escolhido, onde queremos ser felizes sozinhos, sem compartilhar com os outros, mas essas são tentativas fracassadas. Não darão certo a longo prazo. O fato é que nós somos, agora, interdependentes.”