Ildecir A. Lessa
Advogado
Em artigo anterior “O Estado Democrático de Direito” foi assinalado que “Não se pode, em razão dos últimos acontecimentos, fazer muitas previsões sobre os caminhos da política brasileira, nos próximos meses, considerando que, as transformações no país costumam ocorrer de forma muita rápida”. Contudo, numa análise fria da turbulência que atingiu a medula do Brasil e se esparramou nos Poderes Executivo e Legislativo, mostrou ser tão profunda, que chegou perto do osso, que faz trazer à memória, o grito de Rui Barbosa, “O Plano Contra a Pátria”, que derrubou o Império em 1889, haveria de perguntar agora, entre surpresa e sobressalto: onde está o povo brasileiro na era da turbulência? Porventura, ainda há povo brasileiro? A crise política atual tem definição na ofensiva política restauradora da direita neoliberal e, a decisão do governo neodesenvolvimentista de Dilma Rousseff de adotar uma política de recuo passivo diante de tal ofensiva, premida pelas revelações de atos supostamente ilícitos que arranham seu governo, aliado a fraqueza demonstrada pela presidente, com uma política econômica problemática, gerando descontentamento amplo da sociedade. Ao que parece, a oposição não quer esperar eleição em 2018, mas derrubar a presidente com o processo de impeachment que, pode ser uma ameaça a democracia no país. Isso vem sendo dirigido por Eduardo Cunha (investigado) Maluf (condenado), dentre outros Tudo isso, chama a atenção, nesse momento de turbulência! Com esse estado de turbulência política, como fica a nação? Fica como a nação que se extingue, sociedade que se decompõe, organização que se deixa desmantelar. Nunca se viu um quadro como este. O pessimismo e a insegurança, invadem a alma do povo brasileiro: quem amanhã escrever sobre o Brasil, poderá estar escrevendo o fim de uma nação, que sucumbiu sobre os destroços da ausência de caráter e espírito cívico de governança de seus líderes, fragmentados de pensamentos e, de um povo passivo, que acostumou a viver simplesmente com a visão de que: “isso não é comigo”.
O libelo a ser escrito fará um relato fiel desse descalabro das últimas décadas, de um sistema político sem dignidade, que provocou uma separação catastrófica dos “nós e eles”. Esse estado de coisas gerou uma descrença no povo de seu ingresso na civilização do futuro e correr o risco de privar-se da possibilidade de conservar um lugar na galeria dos Estados livres e soberanos. Os governos do PT, inclusive o atual, expressou interesses heterogêneos de uma ampla frente política neodesenvovimentista que, distribuiu para a sociedade de massas, uma alimentação mais digna com proteínas na mesa, acesso melhor à educação, a expectativa de ter moradia, acesso a bens de consumo, veículos, viagens, lazer, etc. As gigantescas esperanças depositadas na eleição de Lula, em 2002, vieram se frustrando de forma paulatina . As expectativas de ao menos um Estado de bem-estar social foram substituídas pelos ajustes fiscais que reduzem as aposentadorias, verbas sociais e políticas de inclusão e, tornaram rotina o alto número de desempregados e as perdas do poder salarial para agora, diante do descalabro da falta de governança aliado à corrupção institucionalizada, lançar àquelas massas, desgraçadamente, no medo, na insegurança, na sujeição, na humilhação (as famílias estão endividadas), formou um contingente de pessoas amocambadas, envolvidas que foram com o “Estado do bem– estar social”.
O que está acontecendo no país, onde apontam que Dilma perdeu o que lhe sobrava de credibilidade com a nomeação – no momento suspensa pelo Supremo Tribunal Federal – do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a Casa Civil. Um processo de impeachment aberto no Congresso, baseado em alegações não comprovadas das chamadas pedaladas fiscais, tudo isso veio como investida contra o espírito do povo, que afrouxou os esteios do edifício social, o que inquieta e aflige. Fica a lição da precariedade de um progresso assombroso, que poderá trucidar o que de melhor havia no coração das crenças humanas. Se abrir um espaço, para uma interpretação do desalento que se apodera dos jovens e lhes entristece a alma, seria a causa mais profunda, como um peso nessa era de classes desfalecidas. A fadiga do Estado trouxe a compressão social e, sequestraram em cada criatura a nota particularizadora e afirmativa do individual. Contudo, muitas vezes, como se sabe, a sociedade precisa chegar à beira do precipício para reunir forças, curar suas feridas e voltar a construir o futuro. Assim é que, precisou a ditadura de 1964 chegar aos extremos selvagens e arbitrários de 1975 para que se começasse a falar em distensão e a redemocratização ganhasse fôlego para aos poucos empolgar a sociedade. Também precisou que se atingissem os 230% de inflação anual em 1985 para que se tivesse início, com o Plano Cruzado, todo um esforço técnico e político dedicado à estabilização monetária, que finalmente obteria sucesso alguns anos depois. E preciso ainda foi, que a lama da corrupção, das negociatas e das camarilhas escorresse pelas frestas do Palácio do Planalto para que se delineasse o caminho do impeachment do presidente da República em 1992 e se partisse para a inauguração de outro ciclo político no País. Não será preciso lembrar a crise do mensalão, em 2005. Apesar de ter feito tremer as estruturas da Presidência e do sistema político, ela não impediu que Lula se reelegesse em 2006 nem possibilitou a eliminação dos maus hábitos que impregnam e atropelam as relações entre o Executivo e o Legislativo. As fases da operação Lava Jato estão dando o tom que norteia o País no momento presente, com suas surpreendentes e explosivas descobertas, com a construção de uma diretriz de cunho nacional, como lição de que a história de uma nação, deve ser construída com o Império da Lei, apesar de que essa operação, não fará o Brasil melhorar. Lembrando que, o processo penal é meio de proteção do cidadão contra os arbítrios do Estado. O realismo está aí: os políticos têm deixado a desejar, como se estivessem sido contaminados por uma espécie de corporativismo parlamentar.
O Executivo e o Legislativo não estão respondendo ao que deles espera a sociedade e se converteram numa caricatura de si mesmos. O Judiciário persegue há tempos a sua reforma, e como não chega, começou a reformar sua estrutura, com atuações rigorosas, alcançando a comunhão com a sociedade, devendo ser controlado qualquer excesso inconstitucional, com fugidas de excesso, exposição mediática, prevalecendo o Estado Constitucional. Presente o estado de turbulência, com todo esse quadro, tudo materializado em manifestações populares de um lado e de outro, chuvas de ações judiciais, mídia explosiva, tudo a provocar verdadeiro caos social. Vem isso aliado a ausência de aparecimento de lideranças de novo tipo, que expressa a falta de uma oposição democrática suficientemente lúcida, unida e corajosa para abrir mão de ganhos imediatos e se apresentar como opção para a sociedade. Por isso, o Brasil dos dias atuais vive-se numa situação cortada por dilemas, paradoxos e interrogações, em que não há nenhum príncipe (o estadista) ao estilo Maquiavel e desapareceram os príncipes modernos de que falava Antonio Gramsci, os partidos políticos, dedicados a organizar ideias e interesses em torno de um projeto de sociedade. A crise atual é tão somente uma expressão de tudo isso, um detalhe certamente relevante e emblemático, a despertar essa grande nação, com um grito de guerra: onde está o povo brasileiro na era da turbulência? Porque, se ainda o País não conseguiu se adaptar plenamente às profundas mudanças sociais e às transformações da democracia que se seguiram à globalização e à configuração da “sociedade da informação”. Se a modernidade deixou de ser “sólida” e se tornou “líquida” (Bauman, 2001), se os “fluxos do poder”, ficaram menos importantes do que o “poder dos fluxos” (Castells, 1999), se a sociedade se tornou complexa e reflexiva (Gildens,1991), então, não há de se surpreender com o mau funcionamento do País, sendo contudo necessário, mudar os rumos, consertar o desastre, de forma rigorosa e democrática, mudar o quadro desolador aqui apontado, cada um brasileiro assumir que “isso é comigo” , para escrever uma nova história , depois da turbulência.