Ildecir A. Lessa
Advogado
A contemplação que fazemos das coisas é uma observação importante. Observa-se o mundo, o indivíduo, a sociedade, os políticos e tantas outras coisas que gravitam em torno do nosso cotidiano. Garimpamos os acontecimentos, num constante trabalho de arrancar as camadas de acontecimentos, alguns com uma daquelas escovinhas de arqueólogo, cuidando para não apagar um pedaço no processo, outros arrancando lascas. Há momentos, que nos lembramos de nossa infância, os primeiros passos, conflitos e inseguranças. Terror e pavor, quando nos lembramos da Segunda Guerra Mundial, a fome no mundo, o terrorismo, a dominação da tecnologia, enfim a vida líquida. Operações e mais operações da Polícia Federal, prendendo políticos outrora importantes guias do povo, reverenciados, amados e respeitados. Isso porque, veio à lume, que esses políticos, utilizaram de dinheiro do povo, em benefício próprio e de familiares. É o caos, é a Era da Incerteza.
Tentamos dar sentido a todas essas coisas, a partir de novos indícios, interpretações e também circunstâncias. Estamos numa trajetória, num caminho perigoso, até mesmo não sabemos como chegamos até aqui, seja uma pessoa, um país, uma organização, um partido ou um grupo terrorista, uma empresa, um empreendimento, seja lá o que for. Deve-se fazer a análise do percurso. Contudo, é difícil compreender o mal estar que passa no Brasil, sem olhar para outro lugar. É preciso compreender que o futuro nos constitui tanto quanto o passado, mas sempre com a sensação da incerteza. É uma insustentável leveza do ser (Kundera). Sempre pensamos que, no futuro efetivamente será frutífero, mas, em seguida vira pretérito sujeito a interpretações múltiplas. Mas a ideia de futuro nos move no presente. E, por nos mover, influencia de modo decisivo o que somos neste momento. Nosso presente é tão impactado pelo futuro que somos capazes de imaginar quanto pelo passado que tentamos compreender. Em parte, é o futuro que alinhava o mal-estar sentido hoje por tantos em tantos lugares. Precisamos muito de uma paleontologia dos fósseis do amanhã. Ou de uma psicanálise dos traumas futuros. Como pensar que o Brasil chegaria a esse descalabro nas instituições, sem líderes, sem rumo, sem governo, sem moral, levando a grande massa de brasileiros, a uma verdadeira incerteza.
Que decisões tomar, em meio ao caos criado? É difícil dimensionar o impacto de uma ideia de futuro sobre o mal-estar disseminado deste momento. O inverno está chegando… O futuro de hoje é uma ilusão . O que será de fato ninguém pode dizer que sabe. No Brasil, esta ideia se impõe depois de um período de crença de que o Brasil tinha superado um patamar simbólico, uma espécie de ranço histórico, e que seguiria avançando. A melhor síntese é o discurso de Lula, em 2009, no dia em que o Brasil foi escolhido para sediar os jogos olímpicos. Um discurso sobre o eterno país do futuro que finalmente havia chegado ao presente – e este presente era grandioso. Lula consumou, naquele momento, uma alquimia: a ideia de futuro que movia o presente se tornou, em seu discurso, o próprio presente. Hoje, é difícil acreditar que a maioria esteja vislumbrando um futuro de potência. Talvez este seja o único consenso, entre tantos muros. Criou-se uma raiva que soa como desespero. E o ódio daqueles para os quais não basta vencer o outro na esfera pública, é preciso também destruí-lo, fede a medo. O passado de alguém ou mesmo de um povo pode ser devastador, e muitos sucumbem à impossibilidade de superá-lo. Mas não conseguir imaginar um futuro que não seja uma utopia pode ser tão ou mais arrasador. Lidar com as fraturas do passado é justamente conseguir dar um sentido a elas que permita reinventar uma vida. É penoso, ou talvez até impossível, reinventar uma vida sem conseguir imaginar um futuro no qual se possa viver.
Nossa trajetória é uma trajetória de observação do presente passado, tentando chegar ao futuro, mas em meio a tantos acontecimentos previstos e imprevistos, não temos dúvidas de que estamos caminhando na Era da Incerteza.