Em 1985 o Brasil praticamente não existia na rota das grandes turnês. Poucos artistas de nome e no auge de suas carreiras visitavam as terras brasileiras. Fazer um festival de grande porte era um desafio. Quando Roberto Medina e Rubem Medina se propuseram a este desafio, foram tachados de loucos. Sem falar que a desconfiança pairava nos empresários das bandas estrangeiras. Reza a lenda que um empresário chegou a dizer para os Medinas: “Tá louco. Contam que no Brasil roubam até os instrumentos dos artistas. Não vamos tocar neste lugar”. O festival só começou a se tornar uma realidade depois que a banda inglesa Queen assinou o contrato. Com um grupo deste patamar já confirmado, os outros artistas viram que se tratava de uma coisa séria.
E não foi fácil fazer o Festival, mesmo com apoio da Rede Globo. O então governador do Rio de Janeiro foi contra a realização do festival. E ele teve um aliado forte: Nostradamus. Assim que o festival foi confirmado, um boato pipocou em todo o país. Foi plantada uma profecia de Nostradamus. Foi inventado que “um grande encontro de jovens na América do Sul perto do final do século terminaria com uma tragédia que causaria a morte de milhares de pessoas”. O boato foi inventado por um jornalista, que não queria a realização do festival. Ele tava de porre quando criou essa falácia. Roberto Medina até hoje não revelou quem foi este jornalista.
E pra piorar a situação, o cardeal dom Eugênio Salles, responsável na época pela arquidiocese do Rio de Janeiro, fez a seguinte declaração: “Música alienante e provocatória: As consequências de ordem moral e social devem preocupar pais e mestres”. Após essa fala, muitos pais proibiram os seus filhos de irem ao festival.
MÚSICA DA NOVA REPÚBLICA
Mas o Rock in Rio existiu porque o Brasil começava a respirar novos ares. A ditadura militar, imposta em 1964, chegava ao final e o país teria novamente um presidente civil, no caso o mineiro Tancredo Neves. O povo brasileiro ansiava por mudanças e o rock foi a trilha sonora desta época. 1985 foi o ano mais rock and roll da história do Brasil. Nunca se ouviu tanto este estilo de música.
E o Rock in Rio mexeu de vez com o show business brasileiro. Depois do festival mais bandas foram contratadas pelas grandes gravadoras, os estúdios de gravação se modernizaram, as turnês ficaram mais profissionais e surgiram publicações voltadas para este público.
As atrações do festival foram uma verdadeira salada musical. Por não terem experiências nesta área, os organizadores não souberam escalar os artistas. Então tivemos Kid Abelha e Eduardo Dusek na mesma noite que tocariam Scorpions e AC/DC. Sem falar que Erasmo Carlos estava programado para se apresentar no ‘dia do metal’ (19 de janeiro de 1985). No final das contas a apresentação foi transferida para o dia seguinte e os maldosos disseram aquele foi ‘o dia em que o tremendão tremeu’. Alguns artistas brasileiros foram hostilizados pelo público, mas Paralamas do Sucesso e Barão Vermelho souberam virar o jogo e fizeram apresentações históricas.
Além de ter nomes de primeira linha da música internacional, caso de Queen, AC/DC e Iron Maiden, o Rock in Rio serviu para resgatar a carreira de James Taylor e Ozzy Osbourne. Não custa lembrar que naquele período o ‘senhor das trevas’ estava tomado pela droga e sua agenda de shows tinha encurtado bastante. Hilário é lembrar que ele teve que assinar uma cláusula dizendo que não iria comer morcego no Brasil. A Sociedade Protetora dos Animais tinha medo que isso acontecesse e Roberto Medina foi obrigado colocar essa bizarrice no contrato.
Depois vieram outras edições e o festival se tornou internacional com eventos em Lisboa e Madri. A essência do primeiro festival se perdeu ao longo do tempo. Atualmente as pessoas vão ao festival para contar que foram, não é como em 1985, quando a música representava realmente um estilo de vida. O Rock in Rio de hoje também faz parte da ‘era da ostentação’.
Mas pelo menos ficou na memória que houve uma vez um verão, o verão de 1985. Como diz a música tema do festival: “Se a vida começasse agora / E o mundo fosse nosso outra vez…”. E pra muita gente a vida começou com a primeira edição do Rock in Rio.