Quando eu era garoto – e lá se vão muitos anos -, aluno da Escola Estadual Menino Jesus de Praga e que funcionava no então “colégio das irmãs”, uma das ocorrências mais comuns era chegarmos em casa, com uma marca de vacina no braço, aplicada sem qualquer tipo de pedido de autorização prévia ao vacinado ou aos seus pais. Naquela época, sem qualquer tipo de tecnologia digital disponível e sem o “cartão de vacinas”, muitos pais sequer tomavam conhecimento de que os filhos tinham sido vacinados, a não ser, obviamente, que aquele bracinho inflamasse (e acontecia!) ou que a criança tivesse uma febre ou algo assim.
Não posso precisar se as coisas aconteciam assim porque vivíamos sob a égide do regime militar ou se era mesmo por falta de interesse e de informação dos pais ou dos responsáveis pelas crianças. Mas sei que foi assim, de vacina em vacina, que erradicamos doenças graves, que matavam nossas crianças ou as deixavam inertes em redes, camas ou em cadeiras de rodas. Também por isso surgiu o respeito do povo brasileiro pela ciência e sua crença na vacina.
Isto está muito perceptível neste momento quando, mesmo com alguns responsáveis pela saúde pública federal insistindo em dificultar a vacinação, a maior parte da população brasileira está vacinada e cerca de 90% dela afirma, categoricamente, que deseja completar o ciclo vacinal. Ou seja, a despeito de ter elegido o presidente, que escolheu o ministro da saúde, e do fato de que ambos insistem em negar a eficácia e a segurança das vacinas, o povo brasileiro não dá muita atenção para essa pregação ideológica, quando o assunto é a manutenção de sua saúde.
Quando eu vejo um professor, um advogado, um engenheiro, uma dona de casa ou qualquer outra pessoa ou profissional que não seja da área de saúde, insistindo para que o povo acredite em terraplanistas, em defensores de esdrúxulas ideologias – sejam de esquerda ou de direita -, e que neguem a ciência e se incorporem ao minoritário coro de negacionistas, eu até entendo, porque às vezes outras questões contribuem para formar esse tipo de pensamento, tais como a religião, a forma de criação que tiveram, suas experiências pessoais ou o nível de cultura a que tiveram acesso. Porém, quando ouço algo assim vindo de uma pessoa que fez o juramento de Hipócrates, que teve acesso a uma gama enorme de informações, que conhece a história e a funcionalidade dos institutos de pesquisa, que sabe como funciona e como é exigente o processo para publicação de artigos científicos em revistas especializadas, de fato, conceituadas, acho muito estranho e penso que ela jamais deveria colocar em dúvida o progresso e os avanços da Ciência.
É claro que qualquer um, inclusive o médico, pode ter suas convicções pessoais. No entanto, é no mínimo estranho ele se utilizar dessas convicções para se contrapor à Ciência, aos estudos técnicos às pesquisas, para inibir o acesso das pessoas ao tratamento disponível e aprovado pelos órgãos da área de saúde, em todo o mundo. Ele pode – e deve -, ponderar, acrescentar informações, mas jamais dizer que “a Ciência está errada”. Ah, mas o médico tal é da seita x, da religião y, e não pode renunciar às suas convicções pessoais. Neste caso, talvez seja melhor que ele repense as suas atividades.
O atual ministro da saúde, por exemplo, consegue prestar um desserviço ao país. Aliás, consegue se igualar, em sua atuação, ao ministro anterior, que nem médico era. Essa semana, em entrevista a uma rádio, ele disse que o país já registrou cerca de 4 mil mortes por conta da vacinação. E ele diz uma mentira dessas, em rádio nacional, para depois se retratar nas redes sociais, informando que errou nos números, que foram apenas 11 casos, em um contingente de mais de 300 milhões de doses aplicadas e que mesmo assim são casos que ainda estão sendo estudados, pois os pacientes tinham outras comorbidades. Ora, quando o ministro da saúde, o presidente ou uma autoridade pública, formadora de opinião, faz algo assim, ele acaba por influenciar algumas pessoas.
Felizmente, aqui no Brasil, o povo brasileiro quer a vacina. Associado ao seu consolidado histórico de adesão à vacinação e da crença na ciência, o povo também tem a seu dispor as boas informações. Porque não se trata, aqui, de ser de direita, de centro ou de esquerda, mas de buscar a boa informação. Os E.U.A estão vacinando? O Reino Unido também? A Irlanda, a França, o Canadá e até a Rússia? A maioria dos países estão vacinando? Ora, porque então ficarmos presos nessas falácias de que não podemos acreditar em tudo o que a Ciência diz, que estão instalando chips em nós, que vamos sucumbir, que querem matar a metade da população mundial etc. etc. etc?
Sabemos dos interesses econômicos dos laboratórios. Sabemos também dos interesses escusos de alguns líderes mundiais, mas também não deixamos de pensar a quem realmente interessa a não vacinação do brasileiro. Assim como os negacionistas têm suas teorias para justificar a não vacinação, os que a aprovam também têm as suas, coisas do tipo “não vacinar os idosos é bom, pois assim eles morrem e as aposentadorias somem” ou “os mais doentes não vacinam, morrem, e dão menos despesas ao SUS”.
Enfim, existem teorias mirabolantes de todos os lados. Mas, o povo brasileiro segue firme na construção de sua Pátria, colocando e tirando mandatários, errando e aprendendo com o seu voto, firme na defesa da democracia e estendendo o braço para a vida, para a ciência, para a vacina.
Vivas à Ciência. Vivas à Vacina. Vivas ao Povo Brasileiro!
*Eugênio Maria Gomes é professor e escritor.