A violência é um problema social que está presente nas ações dentro das escolas, e se manifesta de diversas formas entre todos os envolvidos no processo educativo. Isso não deveria acontecer, pois escola é lugar de formação da ética e da moral dos sujeitos ali inseridos, sejam eles alunos, professores ou demais funcionários.
Nas escolas, as relações do dia a dia deveriam traduzir respeito ao próximo, através de atitudes que levassem à amizade, harmonia e integração das pessoas, visando atingir os objetivos propostos no projeto político pedagógico da instituição.
No último dia 23, uma cena revoltante foi postada nas redes sociais e viralizou. Um adolescente de 15 anos, ao sair da escola Engenheiro Caldas, no bairro Santa Zita, foi abordado por quatro jovens na gruta do Santuário, estando um deles com um cão da raça pitbull para agredi-lo.
As imagens mostram alguns colegas da vítima conversando para que a agressão física não acontecesse, mas o jovem que estava com o cão afasta os adolescentes. É então que um dos jovens desfere vários socos contra a vítima, que mal conseguiu se defender.
O vídeo causou muita revolta e serviu para que o pai do menino, o fotógrafo Renato Ferraz tomasse as providências cabíveis.
O DIÁRIO DE CARATINGA, diante desta situação, abordou o tema “Violência nas Escolas”, em uma reportagem especial para mostrar a realidade e as medidas judiciais que podem e devem ser tomadas em casos como esse.
Relato do pai do adolescente agredido
“A gente que é pai não acredita na possibilidade de vir acontecer com você, ainda mais a gente que vive dentro de uma formação religiosa, a gente que vive focado no trabalho e sempre ensinou que o caminho, é o caminho do bem aos nossos filhos, a gente está sempre acreditando que ele está lá na escola e tá tudo naturalmente.
Como aconteceu? Normalmente ele sobe comigo, fico aqui aguardando no meu local de trabalho, ele chega da escola, e daqui vamos para nossa casa, no máximo 11h40 ele estará aqui, chega no estúdio para gente ir pra casa. Minha esposa me liga nesse dia e fala assim: ‘Renato, pode subir que nosso filho acabou de ligar avisando que vai almoçar na casa de um amigo dele’. Só que não é esse o hábito dele, já achei estranho, mas tudo bem. Você não imagina que vai acontecer, agora imagina isso num filme: chego em casa, faço meu almoço junto com minha família, vamos sentar à mesa que é um local sagrado, e o telefone toca: ‘Olha Elaine, aconteceu isso com seu filho e se fosse com o meu gostaria que me mandasse esse vídeo, vou te mandar’. A nossa reação foi largar tudo e querer saber onde ele estava, como ele estava, com quem estava e o chão cai. Você simplesmente fica perdido, desnorteado você não sabe o que fazer, obviamente a primeira coisa que fizemos foi ligar para a polícia e eles foram muito rápidos, a direção da escola também nos ouviu, mas é uma coisa que não desejo para pai nenhum.
Inclusive acredito que o objetivo maior de toda essa repercussão, é que se evite ao máximo que aconteça com outros pais, porque é uma dor muito grande você que tanto ama os seus filhos, vê-los apanhar. Tem um ditado muito antigo que diz assim: faça comigo, mas não faça com meus filhos.
É só sentindo na pele para você ver o quanto dói, você ver que seu filho que é do bem simplesmente apanhar sem saber porque estava apanhando.
Nunca tinha acontecido, meu filho é um garoto da paz, tranquilo.
Infelizmente nossas leis protegem os menores, sabemos que perante a lei não fica nem com o nome sujo. Mas, a polícia os identificou, ouviu todos, estão bastante cientes agora do que fizeram, eles tomaram muito susto com a repercussão.
Acho que as escolas são muito seguras, não vejo a culpa na escola, as pessoas não estão tendo mais valores, respeito dentro da própria casa, não estão tendo uma educação religiosa.
Quando uma pessoa começa agir de gangue, que leva um cachorro, não sei que outro fim poderia tomar, as pessoas que se envolvem com esse tipo de indivíduo correm muito risco.
Mas, desejo que ninguém faça nada contra eles, que busquem a Deus e que respeitem o próximo.
Meu filho é um garoto muito do bem, muito feliz, graças a Deus não ficou nenhuma sequela”.
Polícia Militar esclarece providências que foram tomadas
O tenente Jefferson explicou com detalhes as providências tomadas pela Polícia Militar em relação ao fato do garoto agredido.
A Polícia Militar identificou todos os agressores e os visitou, realizando um registro de agressão, e assim eles serão intimados a prestar depoimento na justiça.
O fato de um dos jovens estar com um cão da raça pitbull para ameaçar e amedrontar quem tentasse cessar a agressão, também fez com que a PM tomasse providências. “Visitamos novamente uma das pessoas envolvidas que estava com um cão da raça pitbull. Existe uma lei estadual que define a criação de cães da raça pitbull e de outras raças semelhantes, e que para uma situação desta cabe uma série de medidas que foram adotadas pela PM junto dos bombeiros militares. O cão foi apreendido e deixado aos cuidados da mãe do infrator que mora num local diverso, ela se comprometeu a tomar todas as providências previstas na lei, para que esse cão não seja mais utilizado da maneira que foi e receba os cuidados adequados”, pontuou o tenente Jefferson.
O militar ressaltou que nessas situações envolvendo alunos de escola durante a saída, chegada, ou mesmo dentro do estabelecimento de ensino, os adolescentes e as crianças que se envolvem nesse tipo de situação podem ser responsabilizadas, de acordo com cada tipo de situação. “Nesse caso foi feita ocorrência de agressão, mas já existiram outros casos de lesão corporal, já foi encontrada arma branca dentro de mochila de aluno, arma de fogo, é importante que os pais dos alunos, os professores, toda comunidade escolar fiquem antenadas e que ao perceberem qualquer tipo de desvio de conduta ou mesmo desvio disciplinar que faça o contato através do 190 ou diretamente a algum policial”.
No 62º Batalhão de Polícia Militar com sede em Caratinga existe a “Patrulha Escolar”, que segundo o tenente Jefferson se faz presente em várias escolas do município de forma interativa, entre diretores, professores e alunos. “Uma série de atividades é desenvolvida pelo patrulhamento escolar, e no próprio policiamento, todas as equipes ao entrarem em serviço, já possuem um cartão programa que norteiam as atividades que serão desenvolvidas durante o dia e dentre elas, em diversos momentos do dia, a PM se faz presente. Queremos deixar claro que essas ações envolvendo alunos cabem sim as devidas providências e solicitamos que essas situações sejam trazidas ao conhecimentos dos órgãos que possam atuar e melhorar o ambiente escolar”, conclui o tenente.
Envolvidos em agressão estão com audiência marcada, segundo a Polícia Civil
A reportagem do DIÁRIO DE CARATINGA também esteve com o delegado regional Ivan Sales para saber como a polícia judiciária agiu nesse caso.
O delegado informou que teve conhecimento do fato pelas redes sociais, e logo em seguida o pai da vítima esteve na delegacia para fazer a representação.
Foi apurado que o adolescente de 17 anos que bateu, falou que a vítima estaria organizando uma festa, teria criado um grupo no WhatsApp, e pediu para adicionar a namorada dele e que talvez o adolescente que ele passou a ter como rival estaria interessado em sua namorada.
O menor agressor foi questionado se a vítima havia mandado alguma mensagem para namorada dele ou ligado para ele, o que não aconteceu, portanto de acordo com o delegado o garoto apenas ouviu conversas de terceiros.
Depois de ouvir os comentários de colegas, o agressor comentou com o amigo dono do pitbull sua intenção, e marcaram de irem à escola.
O dono do cão arrumou ainda outros dois amigos para lhe darem suporte, que são os jovens Pedro Henrique Mendes Reis, 20 anos e Silézio Miranda Ouverney, 21, que foram de moto.
Foi feito um Boletim de Ocorrência Circunstanciado em relação aos menores, que será encaminhado para justiça e eles terão que participar de uma audiência. Quanto aos maiores foi feito o Termo Circunstanciado de Ocorrência e a audiência já está agendada para o dia 30 de janeiro.
“Não me sinto segura na sala de aula hoje”
A frase é da professora Márcia Marcelino dos Santos Coimbra, que exerce a profissão há 25 anos.
Em entrevista ao DIÁRIO DE CARATINGA, ela comentou que tem muito medo da reação dos alunos em decorrência de alguma medida que tenha que tomar dentro da sala. “Nunca fui agredida fisicamente, mas verbalmente sim. A gente tenta ter um relacionamento amigável, cobrando quando precisa, mas evito bater de frente hoje, principalmente com alguns casos específicos que a gente já conhece”, conta Márcia.
Márcia destaca que o relacionamento aluno-professor é desrespeitoso, principalmente por parte dos alunos. Na visão da professora, o profissional de educação não tem a devida valorização por parte das autoridades, das famílias e da grande maioria dos alunos.
Márcia já precisou intervir em agressões dentro de sala de aula e ressalta que por falta de experiência segurou o aluno que estava batendo e acabou sendo acusada de agressão, e também já se machucou. “Hoje tento evitar, peço aos alunos para separar. Acho que a escola do jeito que está tinha que ter um funcionário que fosse um segurança mesmo na porta da escola, a gente fica muito a mercê, qualquer pessoa que chegar com um pouco de força consegue dominar todo mundo, a maioria das funcionárias são mulheres. Já tive aluno acusado de homicídio, já fui ameaçada por ele uma vez, sei de vários alunos usuários de drogas, mas está além de nossas possibilidades de intervenção, dentro da sala a gente consegue manter, mas fora de sala é difícil”.
Márcia acredita que os alunos estão sofrendo abandono, já que a individualidade está muito grande, tanto por parte dos pais, quanto dos alunos. “Isso traz pra escola adolescentes cada vez mais complicados, com quadro de depressão, crianças com transtornos que até há alguns anos a gente não ouvia falar. O necessitar trabalhar existe, mas a gente tem que tentar abrir mão de certas coisas para acompanhar os filhos, não é fácil, tenho três filhos, mas se a gente conseguir acompanhar e direcionar, depois de adultos, vão seguir o caminho que ensinamos, mas se abandonar desde pequeno, se der sempre razão, vai perder seu filho muito rápido. Hoje, se a mãe quer que o menino fique quieto coloca um celular na mão dele, mas dentro da escola não tem celular, aí não fica quieto. Aí quando a gente chama atenção por causa do celular, parece estar arrancando um pedaço dele, se ele estiver passando mal, não consegue ligar pro pai, mas se você tomar celular dele, em meia hora o pai aparece na escola”, contou a professora.
A professora afirma que o número de educadores está cada vez menor, e ressalta que quem está fora e acha que vai chegar atualmente para dar aulas, pensando ser igual há 20 anos, não conseguirá. “Os alunos são questionadores, mas ao mesmo tempo não dão um pingo de atenção quando a gente responde, é frustrante”.
Promotora de Justiça fala sobre desafios que envolvem os conflitos escolares
A promotora de Justiça, Flávia Alcântara, concedeu entrevista para o DIÁRIO para falar sobre atuação do Ministério Público nos casos envolvendo conflitos escolares; os principais desafios que compreendem toda a sociedade na busca por disseminar a cultura de paz no ambiente escolar e disse que o caso de agressão que repercutiu nas redes sociais nos últimos dias, ainda não foi analisado formalmente pelo MP, mas já é de seu conhecimento.
Qual é a atuação do Ministério Público, considerando os casos de conflitos escolares?
O Ministério Público, na minha promotoria, que é da Infância e Juventude tem duas atuações: na área infracional e atuação cível. Nem todo ato de indisciplina escolar, o ato infracional ocorrido no âmbito escolar, vai ter uma repercussão no âmbito cível, que é para adoção de medidas de proteção. Mas, toda vez que é configurado um ato infracional a Polícia Civil instaura um Procedimento Apuratório de Ato Infracional e isso é remetido ao Ministério Público. Quando se trata de ato infracional cometido por adolescente, que é aquele que vai de 12 até 18 anos incompletos, esse procedimento pode gerar aplicação de uma medida socioeducativa, que é aplicada de acordo com a gravidade do fato e de acordo com os antecedentes do adolescente infrator, porque a gente tem que olhar sempre as necessidades pedagógicas que esse adolescente precisa, para então aplicar a medida socioeducativa. Quando é um ato infracional praticado por criança, que vai até os 12 anos incompletos, a gente não fala em medida socioeducativa. Essa criança é encaminhada para o Conselho Tutelar, para aplicação das medidas de proteção cabíveis.
A promotoria da qual a senhora é responsável tem recebido muitos casos relacionados a conflitos escolares e violência?
Não sei quantificar em termos de percentual, mas temos uma quantidade grande de atos infracionais relativos a conflitos escolares. São aqueles que ocorrem dentro da escola, nas imediações ou por conta das relações no âmbito escolar. Nem todos eles são relacionados à violência física, mas temos sim um alto número de atos infracionais relacionados à violência verbal, violência psicológica, aquelas intimidações sistemáticas. Isso tem sido muito comum aqui na comarca de Caratinga.
E quais são os principais desafios de lidar com estes conflitos dentro da escola?
Na verdade temos que mudar a postura, o enfrentamento e isso é algo que a gente tem que começar a construir aqui em Caratinga para buscar uma cultura de paz. Os adolescentes que se envolvem em atos infracionais têm que ser chamados para participar da solução desses problemas, da solução desses conflitos. Isso passa muito pela forma como a escola lida com a situação, a escola tem que construir o seu regimento escolar pensando nos atos de indisciplina, nas repercussões desses atos, nas sanções que devem ser impostas aos alunos, mas para isso ela tem que chamar toda a comunidade escolar para participar. Os alunos têm que fazer parte desse processo para identificar quais atos são contrários às normas da escola, quais atos são intoleráveis no ambiente escolar ou nas imediações das escolas e, a partir, serem definidas as sanções, as punições para esses alunos que infringirem essas regras. Esse movimento de começar a chamar os alunos envolvidos nesses atos de indisciplina e em ato infracional para fazer parte da solução do problema é um movimento que está ganhando corpo. Nós já temos alguns projetos envolvendo o Ministério Público, sistema de Justiça, Poder Judiciário e as escolas, em muitas comarcas, para tentar construir essa mudança de paradigma, de enfrentamento mesmo da questão, porque só o encaminhamento para o Poder Judiciário não resolve o problema. O adolescente pode ser até encaminhado para prestar serviço à comunidade, para cumprir uma medida de liberdade assistida, mas se ele não fizer parte desse processo, se ele não entender que tem que respeitar os direitos do outro colega, do professor, do funcionário da escola, ele não vai conseguir mudar seu próprio comportamento. E os conflitos escolares de certa forma refletem nos conflitos existentes na sociedade. Então, a gente também que ter um olhar atento pra isso. Muitos alunos que se envolvem em atos infracionais, atos de violência dentro da escola, também convivem com a violência fora dela, na família, na comunidade em que estão inseridos, isso também tem que ser olhado pela escola, pelo Poder Público de uma forma geral, pra gente tentar não só punir aquele adolescente, mas tentar entender todo o problema e fazer com que essas situações não se repitam. É um trabalho multidisciplinar, como na verdade tudo que envolve criança e adolescente. A gente tem que pensar nesse enfrentamento conjunto: escola, sociedade, Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, Poder Público Municipal com seus equipamentos (Cras, Creas). Todo mundo tem que fazer parte disso, para a gente tentar achar uma solução.
Recentemente, foi registrado um caso de agressão a um aluno da Escola Estadual Engenheiro Caldas. O caso já chegou ao MP?
Eu tomei conhecimento da situação porque a Polícia Militar me encaminhou a cópia do boletim de ocorrência na semana seguinte ao fato. Mas, o Procedimento Apuratório de Ato Infracional ainda não foi remetido pela Polícia Civil. Por conta disso, esse procedimento ainda não foi analisado formalmente pelo Ministério Público.
Via de regra esses casos chegam através de uma ocorrência ou podem ser denunciados diretamente ao Ministério Público?
Na grande maioria das situações a Polícia Militar é acionada, confecciona um boletim de ocorrência, encaminha para a Polícia Civil, que instaura o Procedimento Apuratório de Ato Infracional. Concluídas as diligências apuratórias, o procedimento é encaminhado para o Ministério Público, que tem três caminhos. A partir da análise do procedimento pode arquivar; oferecer remissão, que é uma espécie de perdão, que pode ser cumulado com alguma medida socioeducativa; ou pode oferecer representação em desfavor dos adolescentes envolvidos. Essa análise depende da conjuntura desse procedimento, dos fatos, dos antecedentes do infrator e da gravidade da conduta em si. Então, quando o procedimento é recebido no Ministério Público, a gente avalia, pede a Certidão de Antecedentes do infrator e, a partir daí, oferece a manifestação para o Poder Judiciário decidir.
É importante que as pessoas fiquem atentas que casos como esse não ficam impunes. Violência não é aceitável de forma alguma…
As pessoas ainda têm aquela falsa impressão de que o adolescente não é responsabilizado pela sua conduta. Apesar da gente não falar em aplicação de pena para o adolescente, o adolescente é sim responsabilizado pelo seu comportamento. Toda vez que um ato de violência configura um ato infracional e esse procedimento chega ao nosso conhecimento, o adolescente vai ser chamado e a ele vai ser aplicada uma medida compatível com o ato por ele praticado, com a intenção de fazer com que ele não reincida, com a intenção de fazer com que ele avalie o seu comportamento e não opte por esse caminho da criminalidade. Então, mesmo sendo praticado por adolescente o ato infracional é sim objeto de apuração pelo Poder Judiciário e ao adolescente, que pratica esse tipo de conduta, é aplicada uma medida socioeducativa.