Ildecir A.Lessa
Advogado
O relatório da Comissão Nacional da Verdade relata que, no período iniciado em 1968 foi marcado pelo fechamento do Congresso Nacional, pela tortura de adversários políticos e pela morte e desaparecimento de mais de 400 pessoas. Analistas de diversas matizes apontam que o regime militar deixou para o país uma herança maldita para a economia, como o agravamento de alguns dos problemas que ainda marcam o noticiário econômico brasileiro, como o endividamento do setor público e o aumento da desigualdade social.
Os serviços públicos como a educação eram restritos e sofreram uma clara erosão de investimentos do Estado. O desenvolvimento da indústria se deu à custa de muito endividamento público. A dívida externa brasileira cresceu em mais de 30 vezes. Se o PIB cresceu como nunca, a repressão limitou o poder de barganha dos sindicatos, e o salário dos trabalhadores amargou duas décadas de reajustes abaixo da inflação. Na verdade, pouco se ouve falar em corrupção durante a ditadura. Mas isso não quer dizer que ela não existiu. Isso porque, o ambiente do regime militar era “ideal para práticas corruptas“. As Empreiteiras Brasileiras e a Ditadura Civil-Militar, 1964-1988, analisa mais profundamente essa relação. Os mecanismos de fiscalização eram inexistentes ou estavam amordaçados. Alguns vieram à tona, como o caso, por exemplo, do Relatório Saraiva, que envolve a suposta cobrança de propina por parte de Delfim Netto, então ministro da Fazenda, em obras de engenharia e financiamento para equipamentos de usinas hidrelétricas. Delfim sempre negou a acusação. O SNI (Serviço Nacional de Informações), o órgão de espionagem da ditadura, flagrou alguns ministros, empresários e agentes públicos cobrando propina e recebendo recursos ilegais por parte de empresas para ter favorecimentos.
No início do regime, o crescimento foi baixo por conta das medidas tomadas para conter a inflação, que chegava a quase 100% ao ano. Mas, a partir de 1968, a economia deslanchou. Inaugurava-se um período de cinco anos que ficou conhecido como “milagre econômico”, quando o país cresceu a taxas elevadas e sem precedentes. Os militares alcançaram resultados bem positivos do ponto de vista econômico na primeira metade do regime: conseguiram controlar a inflação (em um primeiro momento), aumentaram a produtividade da economia, modernizaram a máquina pública e o parque industrial. Além disso, fortaleceram o Estado, que passou a ter um protagonismo significativo nos investimentos em infraestrutura. Os militares incentivaram a entrada do capital estrangeiro, estimularam exportações e implementaram medidas para proteger o investimento financeiro, como a correção monetária. Foram feitas reformas fiscais, tributárias e financeiras. A criação do Banco Central (1964), que administra nossa política monetária, data desse período. O governo também apostou em grandes obras. Vieram a Ponte Rio-Niterói, a usina de Itaipu, usinas nucleares de Angra, polos petroquímicos e Rodovia Transamazônica (até hoje não concluída). Mas grande parte desse “milagre” só foi possível graças ao dinheiro internacional. Era uma época de crédito farto no exterior. O capital estrangeiro chegou ao Brasil tanto pelas chamadas multinacionais, que encontraram no nosso país um ambiente mais favorável, quanto por empréstimos tomados de instituições internacionais. Os militares investiram ainda num programa de desenvolvimento do parque industrial. A Zona Franca de Manaus, por exemplo, foi formada nessa época, com isenção de impostos às empresas que por lá se estabeleciam. A ideia era substituir importações, ou seja, incentivar a produção nacional de bens que vinham sendo importados com um alto custo em dólar à balança comercial externa.
O crescimento durante a primeira metade do regime militar aumentou a oferta de postos de trabalho, que por sua vez ajudou a expandir o consumo interno. A fartura de emprego atraiu muita gente das zonas rurais, inchando as cidades, que não estavam preparadas para receber esse excedente populacional. Em 1960, mais da metade da nossa população vivia no campo. Já no fim da ditadura, sete em cada dez brasileiros já moravam nas cidades. Na visão dos militares aconteceu efetivamente, o chamado milagre econômico. Com essa lembrança histórica e, com Bolsonaro colocando muitos militares no seu governo, quem sabe repete no Brasil mais um milagre econômico!