Promotor detalha mudanças na lei, que equiparam o crime ao de racismo. Recentemente, dois casos foram denunciados à Justiça na comarca
INHAPIM- Desde janeiro de 2023, por meio de uma alteração legislativa, o crime de injúria racial passou a ser equiparado ao de racismo. Isso significa a possibilidade de aplicação de penas maiores àqueles que são responsabilizados por cometerem atos de discriminação em função de cor, raça ou etnia e o fato de tornar-se imprescritível, podendo ser julgado a qualquer tempo.
Na comarca de Inhapim, a prática criminosa tem sido combatida com rigor. Recentemente, o Ministério Público ofereceu denúncia contra duas pessoas pela prática de injúria racial. O primeiro caso ocorreu em 2016, quando uma mulher com 57 anos à época, abordou a sua cunhada na rua dizendo: “Sua macaca, você tem que limpar a casa da minha mãe, porque o tempo da escravidão ainda não acabou”, expressões referentes à cor da vítima. As ofensas teriam ocorrido devido a desavenças anteriores entre ambas.
Em outro caso, no dia 2 de junho de 2021, no distrito de Bom Jesus do Rio Preto, a mulher 44 anos à época, injuriou um homem que tinha 33 anos, ofendendo-lhe a dignidade, utilizando elementos referentes à raça e cor. Segundo apurado, ela abordou a vítima na rua, quando estava retornando do serviço, e, repentinamente, começou a proferir ofensas, chamando-o de “macaco”, expressão que utiliza elementos referentes à cor da vítima, causando-lhe mal injusto e grave.
As duas denúncias foram assinadas pelo promotor de Justiça Jonas Junio Linhares Costa Monteiro, que alerta para o crime e as mudanças na lei:
Quais principais mudanças, a lei está proporcionando no combate ao crime de racismo?
Essa lei recente veio a incrementar os instrumentos de combate na esfera criminal a esses atos de racismo. A nossa sociedade convive com esse problema, tem que ser discutido e enfrentado. Nossa constituição se preocupou com esse tema, o racismo é um dos poucos crimes que há previsão da sua imprescritibilidade, ou seja, é imprescritível, ele pode ser processado independente do tempo em que ocorreu. Mesmo que um fato tenha ocorrido muitos anos atrás, ele pode ser objeto de ação penal pela Justiça. Nós tivemos, logo depois da Constituição, a previsão de um delito de racismo, no sentido de ser algum ato contrário a toda uma etnia, um grupo da sociedade brasileira. Mas, temos mais perto de nós, de forma mais comum, o delito de injúria racial criado, posteriormente, na década de 90, que é para ofender uma pessoa específica, se utilizar de elementos étnicos, raciais. Estava na lei diferente da de racismo, inserido no Código Penal como um dos crimes contra honra, como você por exemplo fazer outras ofensas normais a outra pessoa. Ao longo do tempo, se concluiu que esses atos estavam muito mais próximos de um crime de racismo, do que simplesmente um delito contra a honra de injúria. Foi importante essa lei de 96 e agora essa de 2023, que traz para o próprio âmbito da Lei de Racismo esse crime.
Então, agora, a representação da vítima não se faz mais necessária…
Antes era preciso que a vítima fizesse uma representação perante a autoridade, o delegado, promotor e muitas vezes isso levava a um formalismo, a pessoa ficava constrangida de fazer isso. Agora basta que se tenha notícia da prática desse crime, não precisa que a própria vítima vá lá e assine esse termo. Basta que essa notícia chegue aos órgãos de Justiça, seja a Delegacia de Polícia ou a Promotoria e nós já podemos processar esses crimes. Tivemos aqui na comarca de Inhapim casos que eram mais antigos, mas, que havia a pessoa procurado a delegacia na época e nós então movemos duas ações penais por injúria racial. Esse é um delito que precisamos conscientizar a população da seriedade. Não é algo que possa ser normalizado perante a sociedade, que possa ser tratado como uma ofensa normal, porque a pessoa ao proferir essas ofensas racistas, ela ataca aquela pessoa que é alvo da ofensa, mas, indiretamente ataca também todo um povo, uma etnia, uma parcela da sociedade brasileira. Por isso, a maior gravidade desse ato e advertência de que ele será punido.
De que forma a sociedade pode auxiliar para que crimes como esse não fiquem impunes?
Nós como órgãos de atuação da Justiça podemos levar à frente uma denúncia, mesmo que a própria vítima não tenha feito isso. Fica um recado que todos da população que presenciarem ou tiverem conhecimento de que estão ocorrendo atos de ofensas raciais podem comunicar isso, inclusive de forma anônima, pelos instrumentos 181 ou site da Ouvidoria do Ministério Público de Minas Gerais.
Inhapim, recentemente, registrou dois casos com denúncias oferecidas pelo Ministério Público. Como está a atuação do MP no combate à injúria racial?
Há um aspecto de dar uma resposta a esses atos e um efeito preventivo também de conscientização. Então, movemos duas denúncias recentes em casos ocorridos na comarca de Inhapim, essas pessoas vão ser levadas a responder na Justiça por esse fato. Fica o efeito educativo/preventivo para a nossa sociedade. Muito tempo se pensou no Brasil que esse problema do racismo seria resolvido simplesmente se ignorando, não falando sobre ele. Mas, ele não deixa de existir pelo fato de se falar menos sobre ele, continua existindo de maneira muito forte na sociedade. Precisa ser discutido e medidas tomadas para reprimir e na esfera penal, nosso legislador está preocupado com tema, aprovando leis para aumentar as penas, facilitar o processamento nesse tipo de crime.
Alterações importantes tornaram inafiançável, além do aumento da pena. É possível uma prisão preventiva?
Sim. A inafiançabilidade é um instrumento importante, não quer dizer que automaticamente a pessoa vai ficar presa, mas, ela não pode se valer do instrumento da fiança para evitar uma prisão, por exemplo. E com relação ao aumento de pena, tivemos um aumento importante, a pena anterior era de um a três anos. Agora, a pena atual é de dois a cinco anos. Isso significa que é possível até uma medida de prisão preventiva contra uma pessoa, mesmo antes do final do processo. Geralmente, para que a gente consiga que a pessoa seja passiva de uma prisão preventiva, é preciso que ela responda a um crime com mais de quatro anos de pena. E agora, com a nova lei, temos o crime com a pena de dois a cinco anos, portanto, possibilitando a prisão preventiva. A pena ainda é aumentada se for cometida por duas ou mais pessoas.
Houve mudança para o tratamento do chamado racismo recreativo, que consiste em ofensas supostamente proferidas como “piadas” ou “brincadeiras”. O uso da internet também traz alterações?
Esse chamado racismo recreativo seria quando se utiliza a prática desses atos como uma forma de produzir alguma espécie de humor, como forma muitas vezes de divulgação, ganhar algum tipo de engajamento nas redes sociais. O legislador tratou disso e aumentou em um terço essa pena também. Essa discussão está muito forte na sociedade atualmente e atos de racismo não enquadrados em proteção no que se chama de humor ou dentro da normalidade da liberdade de expressão. São agressões sérias aos direitos humanos. O fato de ser uma atividade de humor não só não autoriza a pessoa as praticar esses atos como pela lei até aumenta a pena. Há um potencial muito maior de disseminação e até uma certa forma de normalizar algo quer não deve ser normalizado. Abrandar algo que na lei é tratado como um crime. Esses atos sendo praticados por redes sociais ou com intuito de recreação têm esse aumento.
Quais são suas considerações finais?
É importante as pessoas levarem para conhecimento dos órgãos de Justiça esses fatos, discutirem isso nas escolas, na imprensa. Que as pessoas se conscientizem da gravidade desses atos. A parte da lei é um ponto importante e outra ponta disso é a sociedade ajudando, participando e entendendo a gravidade desses atos.