*Eugênio Maria Gomes
Uma pergunta recorrente, desde que a primeira máquina a vapor entrou em operação: as máquinas roubarão nossos empregos? Mais de trezentos anos depois, já na era da inteligência artificial, a pergunta ganha força, no entanto já com outro viés: ficaremos desempregados, por conta das novas tecnologias? Antes de tentar responder a esta pergunta, algumas lembranças me vêm à memória, as quais poderão nos ajudar a entender um pouco mais essa temática, que nos assola de tempos em tempos.
Os da minha geração hão de se lembrar daquele senhor, empurrando uma bicicleta, com um balaio feito de taquara, buzinando à distância, anunciando que a dona de casa podia colocar a água parar ferver, coar o café, porque o pão estava chegando à porta. Veio a proliferação das padarias, a fabricação simplificada de pães, o pão de sacola. Milhares de novos empregos foram criados e, hoje, a tele-entrega leva o pão e tantos outros produtos, à sua casa, a partir de uma compra feita por telefone ou no aplicativo, pelo celular.
E o homem que deixava o litro de leite, em vasilhame de vidro, na soleira da porta ou na janela, para que tivéssemos o leite matinal, todos os dias? O leite foi parar numa sacola plástica, o entregador ficou sem emprego e se multiplicaram as cooperativas de leite, as produções de sacolas e a fabricação de geladeiras e freezers, gerando outros milhares e milhares de postos de trabalho. Aí resolveram colocar o leite em uma caixinha, e a indústria, o processo produtivo e os consumidores foram se adaptando.
Quando publiquei o meu primeiro livro, há quinze anos, ouvi de um amigo o seguinte: você acha que, com o advento do celular e da internet, alguém vai querer pegar em um livro? Sim, as pessoas continuam pegando e lendo livros impressos. A Literatura se adaptou ao novo momento e, hoje, oferece livros nos formatos digital e impresso. Assim como fez o jornal impresso, que continua levando seus conteúdos através da plataforma digital, sem abrir mão totalmente do papel. Ou seja, a tecnologia não acabou com o livro e nem com o jornal, pelo contrário, ofereceu espaço a eles para se inovarem, para serem mais lidos ainda. Mas, e os postos de trabalho, muitos não foram extintos? Acredito que a melhor resposta é que “foram substituídos”. Com ou sem papel, o livro precisa do escritor. Se a edição foi facilitada pelo uso das máquinas, se a prensa passou a ser menos utilizadas, é certo que ambos acabaram por indicar a necessidade de formação de outros profissionais, como produtores de conteúdo digital e operadores de novos equipamentos. O mesmo aconteceu em relação ao rádio…
Com a chegada da Televisão, teve início a conversa de que o rádio estava com os seus dias contados. Que nada! A fala dos pessimistas ganhou força com a chegada da internet, que aposentou as fitas cassetes, os DVDs, os CDs, reforçando a ideia de que o rádio, por fim, seria enterrado. Que nada! A música e a informação continuam nas ondas do rádio, que fortaleceu o sistema FM e migrou para dentro das plataformas digitais, disponibilizando seu produto na rede mundial de computadores. Ou seja, assim como a Literatura, ganhou mais alcance ainda.
Na medida em que as novas tecnologias vão diminuindo alguns postos de trabalho, por serem mais ágeis e precisas na realização de algumas tarefas, por outro lado, esta mesma tecnologia tem feito surgir novas demandas e criado postos de trabalho para muitas pessoas. Não podemos nos esquecer que, os programas de computador, as máquinas e os robôs, dificilmente conseguem fazer as coisas exatamente do jeito que fazemos e, quase sempre, precisam ser operados pelo homem. E, mesmo quando conseguem substituir totalmente o homem, em determinada atividade, acabam por criar oportunidades de trabalho e induzindo a adaptação do homem a essas novas tecnologias.
É claro que, em algumas atividades, muitas funções estarão, com certeza, extintas daqui a pouco. E não se assustem com isso, pois até no nosso dia a dia isso já pode ser observado, inclusive no processo inverso, com a tecnologia tentando suprir algumas funções que, por diversas razões, já não estão assim tão disponíveis mais, como é o caso da empregada doméstica, cada dia mais difícil de se encontrar. Esta profissional, que antes aceitava passar o dia todo no trabalho e ainda dormia por lá, hoje prefere trabalhar no sistema “diarista”, ou então migrou para outras atividades. O que a tecnologia tem feito é desenvolver máquinas que facilitem o trabalho doméstico, como as lavadoras, os fogões digitais, os robôs que varrem a casa e tiram poeira, a secadora e a passadora de roupas etc. Em todos eles, alguém da casa precisa “apertar o botão”.
Assim, não é difícil imaginar que, operadores de telemarketing desaparecerão em algum momento, assim como os operadores de caixas das lojas e dos bancos. Como aconteceu com o “trocador de ônibus”, que em muitas cidades já se tornou uma lembrança na memória dos passageiros. A impressão 3D está revolucionando áreas da medicina e da engenharia, as casas estão cada vez mais automatizadas e a tecnologia vai continuar alterando nossos hábitos, nossa rotina. Não podemos ficar, apenas, como observadores. Empresas e funcionários precisam se adaptar, porque a dinâmica do mercado é contínua, transformadora e exigente, e a concorrência não dorme.
As máquinas tomarão nossos postos de trabalho? Talvez, mas certamente criarão outros postos, novas competências. Algumas profissões ficarão obsoletas, como aconteceu com os telegrafistas (operador de telégrafo), o funcionário que ficava reorganizando as peças de boliche, o leiteiro que deixava a garrafa de leite nas portas, o mensageiro do telegrama, o operador de mimeógrafo e as atrizes do rádio. Ficaremos sem emprego? Só se quisermos, porque o sinal de alerta é contínuo e só precisamos estar atentos quanto ao desenvolvimento de novas expertises.
“Com a transformação digital nas empresas, a necessidade de aprender a lidar com as novidades é mais um dos impactos da tecnologia no mercado de trabalho. Em muitos casos, não se trata de perder espaço para os avanços tecnológicos, mas sim de saber como trabalhar com eles”.
*Eugênio Maria Gomes é escritor, palestrante e Diretor Geral da UNEC TV.