Egresso de escola pública em Bom Jesus do Galho, o matemático Maurício Corrêa Júnior é membro da Academia Brasileira de Ciências
BOM JESUS DO GALHO – Para alguns, a matemática é um suplício, mas para outros essa disciplina pode levar ao êxtase, caso de Edward Frenkel, que fez a seguinte declaração: “Quando fazemos matemática, o mundo exterior deixa de existir como quando fazemos amor”. Mas, para Maurício Barros Corrêa Júnior, 36 anos, é uma forma de buscar a comprovação pura e absoluta. E essa busca vem de sua infância. “Desde muito cedo, na escola, a matemática e a física me despertaram grande interesse e atenção, pois encontrei explicações para diversos fenômenos da natureza que eu já tinha muita curiosidade”, recorda.
O matemático cursou o segundo grau na Escola Estadual Padre Dionísio Homem de Faria, em Bom Jesus do Galho, possui graduação em Matemática, pelo Centro Universitário de Caratinga (UNEC); mestrado em Matemática, pela Universidade Federal de Minas Gerais-(UFMG); doutorado em Matemática, pela Universidade Federal de Minas Gerais, e pós-doutorado em Matemática, pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Tem experiência na área de Matemática com ênfase em Teoria Geométrica das Folheações Holomorfas e Geometria Algébrica. Atualmente é professor no departamento de Matemática da UFMG e bolsista de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Uma coisa que chama atenção no professor Maurício Corrêa Junior é o seu estilo. Ele faz parte de uma nova geração de matemáticos brasileiros que vêm alcançando reconhecimento, tanto no país quanto no exterior. Maurício Corrêa Junior foge dos estereótipos, pois se veste de maneira informal, se interessa por cultura pop e costuma se reunir com os amigos da banda Tarântulas Selvagens. Quanto às premiações, elas são muitas: Grande Prêmio UFMG de Teses (2011): Menção honrosa na área de Ciências Exatas e da Terra e Engenharias (2011); Prêmio UFMG de Teses edição 2011: melhor tese de Matemática defendida em 2010; Prêmio Capes de Tese 2011; II Prêmio Paulo Gontijo de Matemática 2011 e Special Session Speaker- Mathematical Congress of the Americas-2013. Atualmente é membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências.
O matemático também participa de congressos pelo mundo. Suas visitas são constantes ao Japão, ao Peru e a diversos países da Europa, onde ministra aulas para professores desses lugares.
De férias em Bom Jesus do Galho, ele conversou com a reportagem e, com jeito didático, mostrou que essa disciplina não é um ‘bicho de sete cabeças’ como muitos pensam. Então, se Humberto Gessinger, junto dos Engenheiros do Hawaii, costuma se questionar “E eu… O que faço com esses números?”, é só perguntar ao professor Maurício Corrêa Junior que ele terá a resposta.
Professor, ainda prevalece o mito de que ensinar matemática é difícil?
Não é verdade que o ensino da matemática é difícil. O que de fato é um desafio é desmistificar isso por meio de aulas estimulantes, mostrando para os alunos que matemática não é uma matéria cheia de teorias impregnadas de técnicas que aparentam ser artificiais e sem sentindo. Para que isso aconteça, é preciso que o professor tenha profundidade no conhecimento da matemática e tenha paixão pela disciplina. O aluno tem que perceber que matemática não se limita apenas a números e fórmulas, e que ela está presente no seu dia a dia, no seu celular, GPS, automóveis, computadores, televisão, que por sua vez usam matemática desenvolvida há cerca de 300 anos.
Numa sala com muitos alunos, muitas vezes os que apresentam um ritmo mais lento de aprendizagem entediam os de aprendizado mais rápido. Como resolver esse impasse no ensino cotidiano?
Esse é um tipo de problema que podemos encontrar em qualquer nível de ensino. Já fui professor de ensino básico, e sei que tal problema aí é bem mais desafiador, mas também dou aulas para cursos de doutorado e percebo que alguns alunos têm facilidade; outros, nem tanto. O ideal é tentar fazer uma leitura da turma já nos primeiros dias de aula. Se a maioria tem dificuldade, a aula tem que ser direcionada a estes sem prejuízo do cumprimento da ementa. Já os alunos com mais facilidade de aprendizagem, geralmente aplico conteúdos que vão além das aulas, pois sei que na maioria das vezes tais alunos até mesmo dispensam o acompanhamento do professor. Por si só, eles desenvolvem suas atividades.
Ainda falando sobre a sala de aula, o senhor viaja para o Japão, Europa e América do Sul, onde leciona para professores. Como tem sido essa experiência?
Na verdade é uma honra, pois sou convidado por tais professores/pesquisadores para ensinar as teorias e técnicas da minha área, a que domino. Ao mesmo tempo é uma troca de ideias e experiências. Muitas vezes tais pesquisadores se tornam meus colaboradores científicos e dos meus alunos de doutorado. Muitos desses pesquisadores já são seniores, com vasta experiência, e tendo sido formados nas mais conceituadas universidades da Europa, Estados Unidos e Japão. Portanto, para mim é uma grande felicidade e um atestado de reconhecimento do meu trabalho científico.
Certa vez, o cientista Stephen Hawking provocou polêmica ao declarar que se investe demais nas Ciências Humanas, quando o importante seria a matemática e a física. O que o senhor pensa sobre essa declaração?
Concordo com Hawking que a matemática é a espinha dorsal do conhecimento, pois não há nenhuma descoberta profunda que não passe pelos crivos da matemática. Mas discordo quanto a não se investir tempo no estudo de outras ciências. Acho que ele não disse por mal, foi só uma opinião apaixonada de um físico teórico no exercício do seu ofício. Até o final do século 19, existiam os que se chamavam de “universalistas”, que eram cientistas que trabalhavam em diversas áreas de conhecimento, como matemática, física, química, biologia, medicina. E todos esses universalistas tem em comum o profundo conhecimento e desenvolvimento da matemática. Isto é, sem o domínio da matemática, não existiria um universalista. Hoje em dia, por razões óbvias da quantidade absurda de conhecimento e informação produzida, é impossível que um cientista seja universalista. O último universalista foi um matemático francês chamado Henri Poincaré.
Gérard Vergnau, pesquisador com formação em matemática e psicologia, disse que ‘ensinar matemática é dar sentido à ciência’. O que o senhor pode dizer sobre isso, já que faz parte da Academia Brasileira de Ciências.
Gérard Vergnau sintetiza bem nessa frase a função da matemática na ciência como um todo. A matemática dá embasamento teórico para que, de forma rigorosa, se confirme uma descoberta científica, mesmo que esta ainda não tenha suprimo nossa expectativa terrena da confirmação experimental.
Meu ingresso na Academia Brasileira de Ciências deu-se pouco depois que defendi minha tese de doutorado na UFMG. Os resultados da minha tese, de minhas publicações e o reconhecimento da comunidade científica tornaram possível a minha indicação e nomeação a membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências, que é uma posição para jovens cientistas brasileiros de destaque.
Dentre as muitas premiações em seu currículo, tem a de melhor tese de Matemática defendida em 2010. Como foi para o senhor conseguir tal feito?
Recebi a notícia desse prêmio com grande satisfação e honra. Eu já havia sido premiado com prêmio de tese de matemática da UFMG e uma menção honrosa na grande área de Ciências Exatas. Depois disso, sabia que minha tese concorreria a esse prêmio nacional, mas confesso que foi uma feliz surpresa. Minha tese foi fruto de anos de dedicação e muito esforço. Abri mão várias vezes de fins de semanas e feriados, perdi muitas noites de sono regadas a muito café. Tenho muito que agradecer à minha mãe, à tia Vanir e ao meu pai “Chico”, aos meus irmãos e sobrinhos, e à minha esposa pelo apoio nesse período. No fim, veio esse reconhecimento. Mas como diz um ditado: “a sabedoria é uma árvore de raízes amargas e frutos doces”. Vale também lembrar uma frase de um conterrâneo de Bom Jesus do Galho, saudoso Butica, que dizia: “voar é fácil, difícil mesmo é pousar”.
O senhor teve sua formação fundamental em escola pública. Questiona-se sempre a qualidade de ensino nestas instituições. Qual avaliação o senhor tem da escola pública, e o que fazer para melhorá-la?
Posso dizer que tive alguns bons professores, e que isso me ajudou. O problema da qualidade de ensino é uma questão muito complicada, pois em nosso país não há uma valorização da carreira do professor. Hoje, conheço de perto a formação de professores que atuam em ensino fundamental, e sinto o desestímulo deles em ingressar na carreira. O motivo supracitado do desvalor da carreira é o principal problema. Na minha visão, poderia haver somente uma solução a médio e longo prazo. Isso teria de se iniciar na melhoria das condições de trabalho dos professores, melhoria de salários e principalmente uma continuada formação técnica, pois não é possível que um professor ensine sem profundidade e paixão pela teoria que se dedica a ensinar. Vale lembrar o imperador do Japão que disse a um professor para não se curvar diante dele; em seguida, disse o imperador “um país sem professores não é merecedor de um imperador”. Nosso problema no fim das contas é de natureza cultural. Na minha modesta opinião, no nosso país existem muitos “imperadores” para poucos professores.
O senhor estuda o comportamento geométrico de soluções de equações diferenciais complexas em variedades algébricas. Poderia explicar esse estudo para nós, que somos leigos nesse assunto?
Muitos fenômenos da natureza que de alguma forma evoluem com certa variação do tempo possuem modelos matemáticos que são certas equações diferenciais. Na minha pesquisa, investigo tais equações sobre espaços cujos pontos são soluções de sistemas de equações polinomiais. Trabalho com geometria algébrica complexa que tem aplicações em teoria das supercordas e supersimetria. Existem modelos de universo com 10 dimensões, sendo 4 dimensões correspondendo ao espaço –tempo, mais 6 dimensões dadas pelo o que chamamos de “variedade Calabi-Yau”. Eu estudo o comportamento geométrico desses objetos.
O que mais te fascina na matemática?
A fascinante expectativa da concepção de uma descoberta por meio de muito rigor, e a comprovação dela como uma verdade pura e absoluta.