Neste Outubro Rosa, oncologista e pacientes conscientizam sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama e de colo do útero
CARATINGA- Mulher: seu corpo, sua vida. Esse é o tema da campanha do Ministério da Saúde em 2024 para conscientização sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama e de colo do útero, em alusão ao mês Outubro Rosa.
Em alusão à data, o DIÁRIO traz uma entrevista com a médica oncologista Samira Cotta, que apresenta importantes orientações. As pacientes Ana Margarida e Sabrina Santos relatam suas experiências e lições a partir da descoberta da doença. E o Núcleo, ferramenta fundamental de apoio a estes pacientes, reforça sua estrutura e importância da prevenção e tratamento.
Qual maior desafio na conscientização sobre a prevenção do câncer de mama?
Outubro Rosa é um mês de falar sobre prevenção, conscientização, mas vejo ainda um pouco de limitação quando a gente vai conversar sobre isso, no sentido de restringir esse outubro à prevenção secundária. Isso é um ponto que sempre me incomodou muito. Quando se fala em outubro, rosa, geralmente vem à mente das pessoas fazer exame. Muito preso na questão de que está na hora de fazer mamografia, ultrassom, passar no médico. Isso é válido, mas, a gente precisa ampliar essa discussão da prevenção, porque quando a gente fala em exame, até do próprio autoexame, da mamografia, estamos falando de prevenção secundária, que é fazer o diagnóstico mais cedo, identificar por imagens aquela condição, às vezes em pacientes até assintomáticos, que é o conceito até que a gente tem de rastreamento. Mas, a prevenção no sentido de o que posso fazer para a doença não acontecer. Nesse sentido, falamos de prevenção primária. Na prevenção primária que está nosso maior desafio, porque fazer uma mamografia, ultrassom, não é difícil. Mais difícil é a gente fazer movimentos pessoais. Aí que penso que é a parte mais delicada que seria mudar o estilo e os hábitos de vida. A gente contempla a discussão sobre alimentação que não é simples. Tem muitas pessoas que pensam que se alimentam muito bem e a hora que a gente vai conversar um pouco melhor vê várias arestas. A parte do sedentarismo que está muito frequente. A gente vive hoje num mundo de muitas facilidades, então não é tão simples assim uma pessoa que era sedentária começar a se movimentar. Várias exposições de poluentes, álcool, cigarro. E aí tem vários outros pontos na mudança do estilo de vida que devem ser abordados, que incluem sono, manejo de estresse. Às vezes vai caber em determinadas pessoas discutir como é a forma de trabalho. Como reeditar, às vezes como se realocar a depender do nível de estresse que essa pessoa sofre. Mudar a forma de viver, de se relacionar com o mundo acho que é a parte mais difícil e mais desafiadora quando se fala em prevenção.
Qual a importância do autoexame e da mamografia? Existe uma frequência recomendada e idade para começar a realizá-los?
O autoexame orientamos sempre. Desde mulheres até mais jovens, por uma questão de conhecer o próprio corpo. Entender as modificações, identificar pequenas alterações que possam demonstrar que algo não está normal, essa área da mama ou do meu corpo aqui tá diferente. O autoexame na verdade é uma forma de autoconhecimento físico também e não tem uma idade pra começar a fazer. As mulheres devem ser estimuladas a se examinar, mesmo em idades mais jovens, mas sobretudo após os 35, 40 anos. Sobre a mamografia, a Organização Mundial de Saúde, a Sociedade de Oncologia e de Mastologia estão tendendo a recomendar de rotina após os 40 anos. Teve uma época, há não muitos anos, que era acima de 50 anos, a gente já puxou isso para 40, mas lembrando que existe uma individualização. Se são pacientes que possuem histórico familiar de câncer isso acaba sendo recomendado um pouco mais cedo. Se não existe esse histórico, existe uma flexibilidade, então não dá pra gente colocar uma régua e falar se a partir dessa idade o risco aumenta muito e abaixo dessa idade, porque é uma curva linear de risco. Mas, uma orientação geral pra população é ter atenção de a partir dos 40 anos procurar. E qual que é a frequência? Vai depender dos achados da mamografia de base, mas, se a gente tem uma mamografia de base com o BIRADS 1 ou 2, uma paciente com histórico familiar tranquilo, pode ser repetida dois anos, não necessariamente anual, mas a depender dos achados, pode ser que a gente faça em seis meses novamente, ou mesmo anual. Então vai depender do contexto pessoal daquela paciente e também do achado, de qual foi a categorização que foi dada no laudo daquela mamografia de base para definir a frequência.
Quais são os avanços no diagnóstico e tratamento do câncer de mama?
Realmente a mamografia é digital, então é melhor. O ultrassom sempre existiu, mas, hoje é também com aparelhos melhores. E nós temos a ressonância das mamas, que tem um diferencial grande em algumas pacientes, sobretudo, as que têm prótese mamária, que a mamografia não enxerga tão bem. Então, é um exame hoje que tem um alcance muito interessante para pegar nódulos aí muito pequenos. Então, o diagnóstico realmente melhorou. E nós temos muitas medicações novas no tratamento do câncer, sobretudo no tratamento do câncer de mama. Nós temos medicações que mudaram, eu diria, a história natural da doença. Muitas pacientes metastáticas, que antes não se vislumbrava uma possibilidade de cura para determinado perfil, hoje nós temos medicações muito interessantes. contudo, a gente esbarra no custo, esbarra infelizmente aí numa questão de acessibilidade, porque as medicações novas estão chegando, realmente mudando muito o curso de pacientes que infelizmente poderiam ir a óbito pela doença e hoje eles têm a chance realmente de ter acesso a algo inovador, mas os custos limitam o acesso tanto no SUS quanto nos convênios, porque a gente tem medicações que apenas uma dose beira em torno de 100 mil reais e existem terapias às vezes até com um valor mais elevado do que isso, que são terapias de engenharia genética e de radiologia intervencionista, que são muito boas, mas que limitam um pouco o uso no sentido de a gente não poder vislumbrar isso, por exemplo, como a cura do câncer para todo mundo. Porque quando a gente fala de uma terapia de um custo muito alto, a gente precisa se perguntar essa cura é para quem? É para quem tem acesso. Então, quando a gente fala nível de saúde pública, existe ainda uma limitação muito grande de pacientes com doença mais avançada, de ter um controle adequado de doença e uma cura em estágios mais avançados. E é exatamente por isso que penso que o Outubro Rosa precisa ser reeditado. Vejo que isso está acontecendo para a gente ampliar sempre esse olhar para não pensar apenas em exame, mas, no que podemos fazer para reduzir risco. E tem muita coisa que pode ser feita para reduzir risco desde mudanças de hábito até algumas tecnologias que não são tão inacessíveis assim. Por exemplo, temos uma paciente que tem histórico familiar muito marcado de câncer. É muito importante que essa paciente seja avaliada da parte genética, que ela tenha uma avaliação sobre risco de predisposição hereditária a câncer. O câncer de mama especificamente, nós temos mais ou menos 10% dos casos que podem estar ligados à hereditariedade. Que a paciente poderia herdar aí desde o nascimento, genes que eu vou chamar de quebrados, genes alterados, que poderiam conferir a ela um risco maior do que a população em geral. E quando nós temos diagnóstico de câncer de mama em mulheres jovens isso é fundamental de ser pesquisado. Mesmo em caso de não ter histórico familiar de câncer na família, só a idade jovem já é um indicativo de fazer a testagem, então isso é algo extremamente importante e independentemente da idade mesmo se ela for mais velha, se tiver histórico familiar muito marcado, a paciente tem indicação e estamos caminhando para um futuro acredito que não tão distante as mulheres que tiveram câncer de mama, elas vão ter acesso pelo SUS provavelmente daqui a algum tempo, a testagem, o mapeamento genético de pelo menos dois genes que estão extremamente importantes, que são o BRCA1 e 2. Abaixo de 60 anos, a gente já tem uma indicação formal pela sociedade de oncologia, de testar essas pacientes. Então, tem menos de 60 anos, existe uma recomendação geral para que todas as pacientes idealmente sejam testadas. Isso é muito interessante porque vai ajudar essa paciente que tratou um câncer, que sobreviveu ao câncer, a se cuidar depois. Porque pode acontecer de se essa paciente tem uma alteração genética, ela recidivar esse câncer, ter um segundo tumor na mama ou ter um outro tipo de câncer também associado àquela genética hereditária. Então, quando a gente estuda essas pacientes do ponto de vista genético, é possível traçar um plano de acompanhamento individualizado para ela. Não necessariamente, vai fazer mamografia fica uma orientação muito genérica, muito gera. E essa paciente, se ela for bem estudada, esse acompanhamento vai ser bem personalizado pra ela. Se foi identificado um gene de risco quais são os tumores que aquele gene de risco direciona.
Se 10% dos casos que podem estar ligados à hereditariedade e os outros 90%?
A gente tem hoje o conceito de epigenética, que são as condições externas que interferem na nossa genética e predispõem ao surgimento do câncer. E nesse sentido, a entrevista e a consulta de aconselhamento genético, ela é muito interessante. Aos olhos de um oncogeneticista, melhor ainda. Porque o direcionamento vai ser dado de uma forma personalizada. Um médico que não tem esse olhar da genética, talvez ele não vá ter o alcance, dessa forma mais profunda de entender que determinadas mudanças na vida daquela mulher vão gerar menos risco de desenvolvimento de câncer. Independente dela ter ou não um gene quebrado que foi o que eu disse da genética hereditária, essas mulheres que já tiveram câncer precisam ser compreendidas em seus fatores de risco. Por exemplo, tenho uma paciente que tratou câncer de mama, se ela está com sobrepeso é muito importante que ela tenha essa informação. Se eu conseguir trabalhar a minha perda de peso, a minha composição corporal, vou reduzir em pelo menos 40% o risco de retorno da minha doença. Isso é muita coisa para uma paciente que viveu uma situação de tanto medo, angústia, risco. Ela completou o seu tratamento, então no pós, no seu acompanhamento, a gente precisa oferecer mais para essa mulher do que apenas venha de 3 em 3 meses, de 4 em 4 meses. Precisamos empoderar essas mulheres para que elas entendam que depois que tratou e sobreviveu a um câncer, o que pode ser feito do ponto de vista pessoal. O que está no meu alcance para modificar o meu risco futuro. Existem muitos médicos que estão envolvidos em trazer essa conscientização, mas ela, ao meu ver, ainda precisa ganhar um pouco mais de força.
O que você tem a dizer para as pacientes que trataram cânceres, que estão em controle da doença ou que literalmente já atingiram o critério de cura?
Pensem que o solo da vida, do adoecimento, ele precisa ser modificado. Então, um paciente que adoeceu, certamente eu não quero só ir lá jogar remédio nas “folhas”, lavar aquelas “folhas”, colocar medicamento para matar aqueles “fungos” ou aquelas” bactérias” daquela “planta” que adoeceu. Não quero só cuidar dela do ponto de vista externo. Preciso olhar para o solo do adoecimento daquela pessoa, daquela planta. Então eu vou adubar, vou regar, vou mudar o pH se for necessário. É isso que quem tratou o câncer precisa fazer. Precisa olhar para o solo da sua vida e entender quais fatores precisam ser modificados. Às vezes tem coisas que a paciente vai falar assim, poxa, mas isso eu já fazia direitinho, isso eu já me cuidava. Mas, certamente tem outras arestas que precisam ser exploradas e precisam ser vistas. E não apenas se contentar em passar no seu médico a cada X meses e vigiar se a doença está aí ou se não está. Então, dá para fazer muito mais coisa do que ficar refém de um medo. Se empoderar de conhecimento e saber tudo que pode ser feito para reduzir risco, porque esse potencial é enorme. E a gente precisa explorar isso mais.
A VIDA APÓS O CÂNCER
Um diagnóstico que muda tudo. A autoestima é apenas um aspecto com a descoberta do câncer de mama. O sofrimento com a família, as mudanças na rotina. Medo e incerteza são alguns sentimentos.
Para Ana Margarida, 49 anos, esse ciclo está próximo de se encerrar, pois, ela está em fase final de tratamento. Ela destaca que descobriu o câncer de mama em 2016, através do autoexame. “Alterações no meu corpo que fui notando, cabelo começou a cair, muito cansaço. Procurei o médico para fazer um checkup, e durante os exames todos que fiz não constou nada. Ele partiu para mamografia e ultrassom das mamas, foi constatado o câncer. O tratamento em si, a químio, a radio, foi tranquilo, tudo calmo. O que é mais difícil são os problemas que vêm surgindo ao longo do tratamento. O tratamento levei numa boa, mas as consequências, os problemas de saúde que vão surgindo, englobando tudo com o tratamento, o que tornou o meu tratamento mais difícil. Mas, foi uma coisa que levei e consegui contornar a situação”.
Ana deixa seu recado para as mulheres que estão em tratamento. “Não desistir em momento algum. Procurar cada dia tentar passar por uma etapa tranquila, que eu sei que não é fácil, mas a confiar em Deus e não abandonar o tratamento em momento algum. Quero agradecer ao Núcleo, que desde o começo fiz várias terapias aqui e até hoje eu estou sendo acolhida. A gente tem um grupo de convivência que faço parte e agradeço também a todas as pessoas que conheci ao longo desses oito anos, que foram bastante pessoas mesmo e a Deus”.
Sabrina Santos, 37 anos, ainda enfrenta a batalha contra o câncer e destaca como tem sido sua experiência. “Primeiramente, acho que não existe uma parte mais difícil. Acho que todas as etapas são difíceis, porque é tudo novo. A partir do momento que você recebe o diagnóstico, você não tem noção do que vai estar acontecendo. A gente só tem uma mera ilustração do que é o câncer quando a gente realmente vive. Porque a nossa cabeça passa que é tudo aquilo que a gente vê em filme, televisão, e é totalmente diferente quando é uma realidade dentro da nossa vida. O que me ajudou a ter muita esperança é porque creio muito que vou ser curada e que minha fé é sempre maior do que qualquer obstáculo que possa aparecer. O Núcleo também ajudou a ter essa esperança, principalmente através do trabalho deles com acompanhamento psicológico, o serviço das perucas que a gente quando está passando por esse processo tem essa parte que é muito difícil da perda dos cabelos. Me reinventei durante esse tempo, acho que fui a pessoa que mais usou peruca aqui, teve dia que quis ser loira, morena, cabelo curto, cabelo longo. Aproveitei esse momento para brincar um pouco também e não deixar que isso afetasse a minha autoestima”.
Ela também faz questão de deixar o seu recado para as mulheres que descobriram a doença. “Tem tratamento, mesmo com metástase ainda tem tratamento. Receber um diagnóstico de câncer hoje não é um fim. E sim, o começo de um tratamento, de uma fase que vai passar. A família e o apoio fazem total diferença. No meu caso iniciei pela químio e foi tudo muito rápido. Me senti meio que atropelada, só agora, depois de quase um ano de tratamento, que fui assimilando tudo o que aconteceu. Recebi o diagnóstico e com menos de 30 dias já estava fazendo a primeira quimioterapia. A primeira químio foi, acho que, um dos momentos que tive mais medo. Mas, o enfermeiro que estava ali fazendo a medicação sempre do meu lado, conversando, perguntando se eu estava sentindo algum sintoma. Passei por 16 quimioterapias super tranquilas. Então, o acompanhamento dos médicos, enfermeiros, psicólogos, tudo o que eu tive sempre me ajudou muito”.
O NÚCLEO
O Núcleo de Caratinga tem atuação destacada em iniciativas que visam alertar a população a respeito de medidas preventivas que podem evitar ou tratar a tempo, os vários tipos de câncer. A entidade presta assistência gratuita a portadores da doença em Caratinga e região, com apoios psicológico, médico e material.
A instituição realiza a campanha Outubro Rosa e destaca o suporte ao paciente, conforme a assistente social Amanda Toledo. “Aqui no Núcleo temos diversos serviços. O serviço social é um deles, para dar esse apoio, suporte ao paciente nesse início de tratamento. Após o início de tratamento, a descoberta do câncer, não só o paciente com câncer de mama, mas a gente atende a todos os pacientes que estão em tratamento de câncer; ele vem até o Núcleo e o serviço social faz uma acolhida. Colhemos as informações do tratamento, a gente conhece os casos específicos de cada um, acolhe o paciente na instituição, vê as necessidades de cada paciente para conseguir atendê-lo da melhor forma. O serviço social é a porta de entrada do serviço do Núcleo. É o primeiro contato”.
O Núcleo se apresenta como uma importante ferramenta de acesso ao paciente a outras terapias e profissionais nas diversas áreas. “O sistema de saúde hoje, ele tem o tratamento via SUS público. Então, essas pessoas que acabam de descobrir o câncer, eles podem dar entrada nesse processo para fazer esse tratamento via SUS. A partir do momento que a gente consegue fazer o cadastro desse paciente aqui na instituição, a gente faz esse primeiro contato, analisa as demandas, olha qual que a necessidade de encaminhamento. Por isso temos serviço de convivência, que é um grupo onde os pacientes podem trocar informações sobre eles, apoio entre eles. Ou seja, dentro da instituição, tem serviços que são direcionados de forma gratuita, que conseguimos atender o paciente no período de tratamento”.
Outubro é sinônimo de cuidado, como pontua Amanda. ‘O outubro se tornou muito mais do que apenas uma campanha de câncer de mama. A gente acaba aproveitando essas campanhas para lembrar as pessoas de fazer os exames de rotina. Você não esperar o adoecimento chegar. A gente tem que se cuidar antes. Não só com medicação, exame. Não espera o adoecimento chegar. Vamos nos cuidar, vamos ter hábitos saudáveis durante o ano todo e não só no outubro”, finaliza.