DIÁRIO entrevistou Lucas Figueiredo, autor de um dos melhores livros sobre a vida do mártir da Inconfidência Mineira e um dos heróis da história do Brasil
Por José Horta
DA REDAÇÃO – Hoje é 21 de abril, feriado nacional. Esta data homenageia a figura do herói Joaquim José da Silva Xavier, popularmente conhecido por “Tiradentes”. Ele foi morto em 1792 e se tornou o mártir da Inconfidência Mineira (ou Conjuração Mineira) e um dos maiores nomes da história do Brasil. Mas como era Tiradentes? Quais eram os seus ideais? Qual sua importância para os brasileiros?
Para responder estas perguntas, o DIÁRIO entrevistou o jornalista e escritor Lucas Figueiredo, autor de ‘O Tiradentes – Uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier (Companhia da Letras). Este livro foi lançado em 2018, e é apontado por historiadores com uma das melhores, senão a melhor, obra a respeito deste herói que até ganhou o status de mito. Para escrever este livro, Lucas Figueiredo faz uma pesquisa abrangente em acervos nacionais e estrangeiros e teve acesso às descobertas mais recentes da historiografia. Ele reconstituiu toda trajetória do alferes Tiradentes e essa reconstituição nos mostra como Joaquim José da Silva Xavier atingiu este patamar. “Era um homem com qualidades e defeitos, cheio de contradições. Como todos nós. Mas um homem fascinante, que soube fazer história”, assim Lucas Figueiredo classifica Tiradentes.
A ENTREVISTA
Sobre Tiradentes, fala-se sobre suas influências, no caso os revolucionários iluministas e a independência dos Estados Unidos. Mas antes, em 1720, houve a Revolta de Vila Rica, esse movimento teve algum alcance sobre a Inconfidência Mineira?
Áreas de mineração onde são empregados grandes contingentes humanos sempre foram um barril de pólvora, não importa o lugar e a época. Com Minas não foi diferente. Desde o início do século XVIII, quando a região se tornou um grande atrativo econômico por causa da extração de ouro e diamantes, ocorreram várias revoltas, sendo uma delas a de 1720 em Ouro Preto. A Conjuração Mineira, de 1789, pode ser entendida como continuação desse ciclo de revoltas. Não há, porém, nenhum documento da época que estabeleça uma ligação direta entre o evento de 1789 e o de 1720. Em seus escritos, os inconfidentes nunca mencionaram a revolta de Ouro Preto de 1720. Mas, como sabemos, a história deve ser analisada como uma acumulação de camadas, não como eventos independentes. Sendo assim, ambos os fatos têm sim uma forte conexão.
Ainda sobre a Revolta de Vila Rica, por que Felipe dos Santos não é um personagem muito lembrado em nossa história?
O Brasil sempre teve inclinação por escolher heróis entre os membros de suas elites. Sendo um tropeiro simples, Felipe dos Santos não coube no imaginário que Minas e o Brasil quiseram construir de si mesmos.
A respeito de seu livro, ‘O Tiradentes: Uma biografia de Joaquim José da Silva Xavier’, como é para o escritor e jornalista trabalhar em cima de uma figura que praticamente atingiu o status de mito?
Um grande desafio. Afinal, a figura de Tiradentes foi inventada, manipulada e reinventada várias vezes. Basta lembrar que ele é, ao mesmo tempo, patrono da PM de Minas e de grupos armados de esquerda da década de 1970. Ou seja, Tiradentes são muitos. Já o verdadeiro Joaquim José da Silva Xavier é bem diferente de todos os mitos que surgiram até hoje. Era um homem com qualidades e defeitos, cheio de contradições. Como todos nós. Mas um homem fascinante, que soube fazer história.
Especificamente a respeito da Inconfidência Mineira, qual foi o papel de Tiradentes? Ele era realmente o líder?
Não há dúvida de que, mesmo não sendo integrante da elite econômica e política, mesmo não pertencendo à uma família tradicional como os demais conjurados, Tiradentes foi um dos líderes do movimento. Muito por conta de sua energia, sua dedicação e sua capacidade de articulação nas mais variadas faixas socioeconômicas. Dentre os conjurados, Tiradentes era o único que tinha trânsito entre os mais poderosos e os mais simples de Minas e do Rio de Janeiro. Ele não foi, porém, o líder-mor. Mas foi o membro mais ativo e entusiasmado.
Existem ainda as teorias da conspiração, ‘outra pessoa foi morta no lugar de Tiradentes’. Então, como lidar com essas teorias?
Toda teoria precisa ser fincada em dados. Na documentação até hoje conhecida, no Brasil e fora do Brasil, não há nenhum dado que permita levantar a hipótese de que Tiradentes não tenha sido morto na forca, no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1792.
O senhor fez uma pesquisa abrangente para este livro, tendo acesso a acervos nacionais e estrangeiros. Houve alguma descoberta sobre Tiradentes que tenha lhe chamado atenção?
Várias. Sobretudo da vida pessoal. No livro, por exemplo, eu disseco a relação amorosa que Tiradentes, já quarentão, teve com uma jovem de 15 anos, Antônia Maria do Espírito Santo. Foi a grande paixão de Tiradentes, e o fruto dessa paixão foi a única filha do alferes, Joaquina. A relação, porém, acabou de forma triste, como conto no livro.
Após este trabalho de pesquisa, quais as coisas mais comuns que falam de forma errônea sobre Tiradentes ou Inconfidência Mineira?
Há muita informação errada que circula. Por exemplo: a figura de Tiradentes de barba e cabelos longos, à la Jesus Cristo, é uma invenção. As únicas coisas que se sabem comprovadamente é que ele era branco e que, aos 40 anos, já era grisalho. Sobre a Conjuração Mineira, é possível dizer que a principal motivação era econômica e não política. Interesses econômicos privados foram a principal força que moveu o grupo a idealizar um projeto de independência em relação a Portugal.
Parece que com o passar do tempo deu-se um entendimento de que a Inconfidência Mineira queria a independência do Brasil em relação à Portugal. Este era um dos objetivos dos inconfidentes ou as questões fundamentais se davam sobre a questão dos impostos?
Como disse anteriormente, os interesses econômicos privados foram o grande impulso do movimento, sendo um deles o desejo de não pagar os escorchantes impostos atrasados que eram cobrados por Portugal. Outro mito diz respeito ao projeto de independência do Brasil. Não foi bem assim. No grupo, havia várias visões sobre o alcance territorial da nova nação. No máximo, ela abrangeria Minas, Rio e São Paulo, segundo os planos.
Tiradentes foi morto em 21 de abril de 1792. Somente a partir da segunda metade do XIX que seu nome foi resgatado, já com a proclamação da República. Como se deu este resgate?
Após sua morte, Tiradentes foi ignorado pelos movimentos políticos na colônia durante quase um século. Somente na segunda metade do século XIX, sua figura foi resgatada pelo movimento que lutava para mudar o sistema político, instaurando a república no lugar da monarquia. O movimento republicano precisava de um herói para servir de símbolo, e a figura de Tiradentes, que também era defensor do sistema republicano, veio a calhar.
Qual o papel do pintor Décio Villares na construção da ‘figura de Tiradentes’? Houve mesmo a intenção de se construir um ‘Cristo Cívico’?
A pintura de Décio Villares, a primeira a retratar Tiradentes à semelhança de Cristo, foi feita um ano após a proclamação da república. A obra foi fundamental para consolidação do mito de Tiradentes como um Cristo Cívico.
Qual a importância e o legado de Tiradentes para a História do Brasil?
Tiradentes foi um dos líderes do primeiro movimento político-militar que idealizou e tentou botar em prática um projeto de independência de um pedaço da colônia em relação a Portugal. Nesse sentido, a Conjuração Mineira foi um marco. E sem Tiradentes, a conjuração poderia não ter existido, pois ele foi seu membro mais destacado no plano prático. Em 1789, o projeto ainda era bem frágil, e muitos de seus membros pensavam em pular fora. Foi a pressão de Tiradentes – por vezes irrealista, é verdade – que levou o movimento adiante. Nesse sentido, a independência do Brasil tem em Tiradentes um personagem chave.