Margareth Maciel de Almeida Santos
Doutora em Sociologia Política (IUPERJ)
Membro do Instituto Nacional dos Advogados do Brasil (IAB-RJ)
Foram vários questionamentos que recebi sobre a questão da CPI do MST e a minha posição sobre o Movimento Sem Terra. E assim divido com vocês as minhas reflexões sobre uma questão tão delicada e necessária para colocarmos em pauta. São questões de transformação social por meio da Reforma Agrária tendo como ponto central terras reconhecidas pelo governo como terras improdutivas.
Quando fiz meu doutorado em Sociologia Política, estudei o livro ‘Os Filhos da Lona Preta – Identidade e Cotidiano em Acampamentos do MST’, tendo como autora a antropóloga Maria Cecília Manzoli Turatti. Ela nos conta sobre o Movimento Sem Terra. Para Turatti, o “MST suscita fortes paixões e grandes controvérsias e tendem para uma polarização em extremos opostos”.
O livro busca nos levar a pensar sobre esse movimento que cria pavores em alguns e em outros apresenta pontos singulares que devem ser revistos. A antropóloga nos revela o que ela viu ao analisar os acampamentos ligados ao MST, o cotidiano de acampamentos como objetivos de buscar a identidade dos acampados, sua potencialidade com o MST e com a luta pela reforma agrária. Nos conta que o MST é um instrumento de luta dos trabalhadores que procuram vencer a situação de anomia que os impede de exercer um papel primordial na história do Brasil, trazendo à tona aspectos de imprescindibilidade de análise, vislumbrando problemáticas de interesse sócio – econômico das formas de produção.
Turatti nos conta que “os acampamentos são feitos por homens e mulheres de carne e osso. Em condições de extrema pobreza, as grandezas e fraquezas da condição humana adquirem características próprias. A difícil sociabilidade nos acampamentos e a relação verticalizada com a direção do MST dificultam a transformação de desvalidos da terra em sujeitos políticos”.
O que significa esse Movimento de Trabalhadores Sem Terra, (MST)?
O MST surgiu em 1984 dentro do 1º Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, no Paraná, no período da ditadura militar. A manifestação popular para combater a desigualdade social passou a ser mais organizadas e tenderam a dividirem em núcleos destacando a necessidade de cada área: projetos de educação, gênero, Direitos Humanos, Saúde, Finanças, Cultura, Juventude e consequentemente essa estrutura origina uma pequena propriedade familiar que passa a ter capacidade de sobrevivência econômica. Assim nesses acampamentos se cria a construção de sociabilidade, uma vida coletiva onde se engendra a solidariedade e o conflito, pois se encontram sob ordens de lideranças impostas pelo MST, mas os que chegam aos acampamentos, pode se dizer os sem-terra continuam com os olhos fixos na obtenção da terra definitiva.
Uma caraterística que me chamou a atenção foi a busca para garantir a participação de mulheres em espaços estratégicos de decisão, além disso é que os acampamentos consistem na ocupação de propriedade de terra em situação irregular.
O que é uma terra em situação irregular?
O site mst.org.br, MST explica, em 26 de agosto de 2022 que os SEM TERRA não invadem propriedade, mas sim ocupam terras sem função social e põe em pauta a diferença ente ocupação e invasão. Para o MST é necessário para discernir o que é ocupação a partir de um ponto primordial: qual é o conceito do uso social da terra?
“Uma área que não vêm sendo utilizada para a finalidade para qual foi criada, como uma fazenda que encerrou suas atividades de plantio, ou que possui irregularidades em relação ao trabalho, descumpre essa função da propriedade, tornando-se um local ocioso”.
Assim quando o governo reconhece que a terra é irregular, e que não cumpri sua função social concede para as pessoas que ocuparam o terreno viver e produzir e a ter direitos sobre a terra, chamando-a de assentamento. Quando se dá o assentamento a condição jurídica passa a ser vista como legal enquanto que o acampamento possui caráter ilegal, e representa a salvação para os que se encontram acampados mesmo que haja desavenças com o seu líder. Sair do acampamento é uma volta a miséria, considerada por eles maior do que a que se encontra no acampamento.
Quanto ao direito de propriedade no Brasil, pode-se dizer que não é incondicional e que há limites impostos a esse direito, sendo o principal, a função social da propriedade.
O Estado determina uma função social para as propriedades de terra e caso o proprietário da terra não as respeite, a propriedade é redistribuída. A Constituição de 1988 prevê um processo de desapropriação (mediante a indenização) sendo o responsável por esse processo o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, o INCRA.
No Governo de Jair Bolsonaro segundo o site veja.abril.com.br de acordo com o INCRA, 3813 famílias foram assentadas e os estados recordistas em assentamentos foram: Mato Grosso (693 famílias), Goiás (425 famílias), São Paulo (183 famílias) por Hugo Marques no site veja.abril.com.br.
Segundo ainda o site citado datado de 22 de janeiro de 2021, “ o governo de Jair Bolsonaro tem concentrado sua política no campo na concessão de títulos de domínio (TD), documento que transfere o imóvel definitivamente para o assentado. Segundo o INCRA, serão expedidos 100.000 TDs nestes quatro anos de governo”. (veja.abril.com.br).
Entendo que o movimento é organizado por trabalhadores rurais cuja finalidade é a agricultura familiar ou cooperativa os dando dignidade, mas não sou complacente com a ilegalidade. Não sei dizer se há muitos que possam aproveitar da função política para mobilizar o Estado e invadir propriedades que não constituem áreas de posse duvidosa? É um assunto muito sério!
Em 18 de abril do corrente ano, cerca de 600 integrantes do Movimento do Sem Terra, ocuparam uma fazendo pertencente à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), localizada em Petrolina (PE) cuja propriedade é usada há décadas para a realização de experimentos que buscam tonar mais resistentes as sementes e mudas de plantas cultivadas no Cerrado, aumentando a produtividade destes produtos (agenciabrasil.ebc.com.br).
Estendo aqui pois não é o assunto de hoje, a invasão, depredações ocorridas em 08 de janeiro de 2023, ao Palácio do Planalto, o Palácio do Congresso e o Palácio do Supremo Tribunal Federal. Assim repito não sou complacente com invasões pois a ilegalidade não é permitida.
Por isso a CPI do MST foi criada com o objetivo declarado de investigar ações do MST, a fim de que as questões duvidosas sejam esclarecidas: Qual é o papel que o MST, movimento intensamente organizado e atuante? Quem financia as atividades do movimento? Quebra de sigilos e diligências onde existem assentamentos instalados, mas sem perseguição e revanchismo. O cumprimento das leis, devem prevalecer e a formulação de políticas públicas para o meio rural,
Tudo o que é transparente, independente do governo se é de esquerda, extrema direita, precisa ser colocado para que possamos entender essas invasões à propriedade alheia. NADA deve ficar sem esclarecimentos!
Eu recomendo a leitura do livro, OS FILHOS DA LONA PRETA para entendermos um pouquinho sobre as ações promovidas pelo MST, o chamado Abril Vermelho, período em que o Movimento Sem Terra, concentram os protestos pelo país.
PAZ E BEM!